O Dia das Mães é uma data marcada por homenagens e afeto. No Centro Prisional Feminino de Cariacica, esse momento ganha contornos diferentes, mas não menos importantes. Mesmo dentro da unidade, mulheres privadas de liberdade buscam viver a maternidade da melhor forma possível — seja convivendo diariamente com os filhos pequenos ou lidando com a saudade daqueles que estão do lado de fora.
Em um ambiente desafiador, elas tentam manter vínculos, resgatar relações familiares e construir novas rotinas ao lado dos filhos, quando isso é permitido. São essas histórias que A Gazeta quer contar neste dia 11 de maio.
Para Eliadina Lírio dos Reis, de 38 anos, este será um Dia das Mães marcante. Mãe de sete filhos, ela conta que só agora está vivendo, de fato, a experiência de ser mãe. Mesmo em dias cinzentos, há motivos para sorrir. O maior deles se chama Renato.

Atualmente a rotina dela tem sido diferente de quando está dentro de uma cela: é ao lado do filho Renato, de apenas cinco meses, que Eliadina dorme e acorda diariamente no alojamento materno-infantil da unidade, um espaço voltado para as internas que deram à luz.
Eliadina Lírio dos Reis
Detenta
Assim que ele acorda eu pego ele. Vamos para o banho de sol, pego a Bíblia, junto as mãozinhas dele, a gente ora. Aí a gente volta, eu brinco com ele, dou muito carinho e atenção
Ao completar seis meses, Renato vai embora da unidade prisional para morar com um familiar e a mãe segue cumprindo pena - e de volta à cela. Enquanto o momento da despedida não chega, Eliadina já prepara a mente e o coração.

Eliadina Lírio
Detenta
"Meu coração está apertado, mas aliviado porque ele precisa conhecer gente. Ele não tem culpa do que eu cometi. Vai ser difícil (quando ele for embora), mas eu creio que Deus vai me fortalecer"
Ela tem certeza de que sairá dali muito diferente. Diz que Renato já a transformou e que, sem ele, sua vida não teria sentido. Agora se sente feliz como nunca antes, redescobrindo sorrisos que não existiam fora dali. Acorda sorrindo e se reconhece como uma nova Eliadina.
DO ALOJAMENTO PARA A DISTÂNCIA
O alojamento materno-infantil — e esse sentimento de redescoberta — também fazem parte da vida de Gilda Cardoso, de 31 anos. Mãe de seis filhos, a detenta chegou grávida ao presídio e não sabia do projeto. Para ela, a despedida já era certa.
Gilda Cardoso
Detenta
"Quando ganhei neném achei que ele seria levado e entregue para o Conselho Tutelar. Mas cheguei aqui e vi o espaço aconchegante, que dá um ar de casa. Fiquei feliz de ter a oportunidade de estar com meu filho nos primeiros meses de vida dele e poder amamentar"
Hoje a criança tem quase dois anos, vive com o pai e visita a mãe com frequência. Além de matar a saudade da mãe, o pequeno ainda se diverte em uma área de brinquedos no pátio da visita, o espaço “Maternar e Brincar”, inaugurado em 2022.
Dia das Mães no presídio feminino
“Fico feliz de ver que ele foi embora, que está se desenvolvendo. Vejo a felicidade dele de me ver. Ele vê os brinquedos (da área da visita) e já sai correndo. É uma festa, pula tudo! Acho que ele vem mais por causa dos brinquedos, sabe? (risos)”.
UM ESPAÇO DE LAÇO E ACOLHIMENTO
As internas que ganham neném ficam pelo menos seis meses no alojamento materno-infantil, dentro da unidade prisional. O espaço humanizado conta com camas, berços, brinquedos, paredes com desenhos infantis e todos os itens necessários para que mãe e bebê fiquem alguns meses juntos. Cerca de 30 mães já passaram pelo alojamento.

“O espaço foi totalmente reformado em 2019, totalmente humanizado e voltado para receber as crianças. Todo equipado com enxoval, mobília, pinturas, lúdico", explica a diretora da unidade, Patrícia Castro.
ENTREVISTA
Garantir a dignidade das mães encarceradas e os direitos de seus recém-nascidos é um direito constitucional que deve ser respeitado pelo Estado. O Espírito Santo é referência em alojamentos materno-infantis, com projetos premiados nacionalmente.
Em conversa com o Defensor Público Lucas Andrade Maddalena, membro do Núcleo de Execução Penal da Defensoria Pública do Estado, ele destacou as boas práticas adotadas no sistema prisional capixaba, o acompanhamento feito pela instituição e os avanços ainda necessários na garantia de direitos de mulheres e crianças nessa situação.
1) A maternidade do sistema prisional capixaba é citada como exemplo nacional. Quais práticas ou estruturas fazem com que ela seja considerada referência em respeito aos direitos humanos?
Uma das iniciativas mais significativas é a criação de alojamentos materno-infantis humanizados e completamente separados das celas comuns, contando com quarto humanizado, sala de amamentar e brinquedoteca. O projeto "Maternar Lactantes Presas" desenvolvido a partir de 2019, no Centro Prisional Feminino de Cariacica), foi premiado em 2020 em 1º lugar geral no Programa Centelha ES e no Ciclo Inoves é uma iniciativa que visa criar espaços humanizados dentro de unidades prisionais femininas, onde mães em regime de detenção possam amamentar seus bebês e fortalecer o vínculo materno-infantil, e está sendo replicado em outros estados, como na Penitenciária de Recuperação Feminina Maria Julia Maranhão, em João Pessoa, na Paraíba, onde foi implementado em dezembro de 2021. O projeto "Maternar e Brincar" (Centro Prisional Feminino de Cariacica) oferece espaços lúdicos com escorregadores e brinquedos, beneficiando 500 crianças filhas das 155 internas. Outras iniciativas incluem o "Da Gestação para a Vida", com registros fotográficos profissionais, e o "Infância além das Grades", que rastreia e identifica como estão vivendo os filhos das internas na primeira infância, direcionando demandas específicas para os órgãos e instituições de referência. A criação do Núcleo de Proteção à Primeira Infância demonstra o compromisso institucional, com expansão prevista para todas as unidades femininas do estado.
2) De que forma a Defensoria acompanha o funcionamento dessa unidade e o cumprimento dos direitos dessas mulheres e dos bebês?
A Defensoria Pública mantém uma atuação sistemática e vigilante no acompanhamento dessas unidades prisionais e na defesa dos direitos das mães e bebês. Realizamos visitas periódicas aos alojamentos materno-infantis para fiscalizar as condições oferecidas, verificando aspectos como salubridade, alimentação adequada, acesso a cuidados de saúde e condições gerais que possam impactar o desenvolvimento infantil. Promovemos atendimentos jurídicos individualizados às mães, orientando-as sobre seus direitos e os de seus filhos, esclarecendo dúvidas e acolhendo demandas específicas. Analisamos constantemente os processos para verificar a possibilidade de substituição da prisão preventiva por domiciliar, conforme o entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal no HC 143.641, buscando sempre alternativas ao encarceramento quando possível. Participamos ativamente de discussões institucionais sobre melhorias no sistema, contribuindo com o aprimoramento das políticas públicas voltadas a este público específico. Em casos de violações sistemáticas, a Defensoria pode atuar na interposição de medidas judiciais coletivas para garantir o respeito aos direitos fundamentais. Também dialogamos constantemente com o Poder Executivo e o sistema de justiça para aprimorar as políticas públicas voltadas a esse grupo. Esta atuação ampla e diversificada da Defensoria Pública é essencial para assegurar que os direitos destas mulheres e crianças não fiquem apenas no papel, mas sejam efetivamente concretizados na prática cotidiana do sistema prisional, cumprindo nossa missão constitucional de defesa dos direitos dos mais vulneráveis.
3) Quais os impactos positivos que esse modelo capixaba pode gerar, tanto para as mulheres quanto para os filhos nascidos nessa condição?
O fortalecimento do vínculo materno-infantil é talvez o mais significativo destes benefícios, sendo essencial para o desenvolvimento psicológico, cognitivo e emocional saudável da criança, além de criar bases seguras para o futuro relacionamento entre mãe e filho. A redução dos impactos traumáticos da separação precoce entre mães e bebês representa outro benefício importante, minimizando os danos psicológicos que poderiam acompanhar estas crianças por toda a vida. O estímulo à amamentação exclusiva, facilitado por ambientes adequados e pelo acompanhamento profissional, proporciona todos os benefícios cientificamente comprovados para a saúde e o desenvolvimento infantil. Para as mães, o desenvolvimento de habilidades maternas em ambiente supervisionado as prepara para os cuidados futuros com seus filhos, mesmo após o período de encarceramento. Observamos também um impacto positivo na saúde mental das mulheres, com diminuição de casos de depressão pós-parto e outros transtornos psicológicos frequentemente associados à maternidade em situação de privação de liberdade. Um aspecto particularmente significativo é a ressignificação da experiência prisional, que passa a oferecer às mães uma perspectiva de transformação e recomeço. A criação de memórias afetivas positivas para as crianças, mesmo em um contexto adverso, minimiza os impactos negativos do ambiente prisional e contribui para seu desenvolvimento emocional saudável.
4) O que ainda precisa avançar, mesmo em uma unidade considerada referência?
A ampliação efetiva da aplicação da prisão domiciliar para gestantes e mães, conforme previsto na legislação e na jurisprudência do STF, é uma necessidade urgente, evitando que o ambiente prisional seja a primeira opção para estas mulheres. É preciso desenvolver protocolos mais estruturados para o período de transição quando a criança precisa deixar a unidade prisional, minimizando os impactos traumáticos da separação tanto para as mães quanto para os bebês. A Lei de Execuções Penais garante a permanência de crianças em presídios por até seis meses, mas é necessário um planejamento cuidadoso para o período posterior. A expansão dos programas de capacitação profissional para as mães também é fundamental, preparando-as para a reinserção social e o sustento dos filhos após o cumprimento da pena, rompendo ciclos de vulnerabilidade social. O fortalecimento das redes de apoio familiar e comunitário para receber estas crianças quando necessário representa outro desafio significativo, demandando articulação com diversas políticas públicas. Assim como o aprimoramento do acompanhamento psicossocial contínuo das mães e crianças após a separação também é essencial para mitigar os danos desta ruptura. A Defensoria Pública permanece vigilante e atuante na defesa dos direitos das mães encarceradas e de seus filhos, buscando não apenas o cumprimento formal da lei, mas a transformação efetiva desta realidade tão complexa. Nossa missão institucional é garantir que os direitos fundamentais dessas mulheres e crianças sejam respeitados, mesmo nas circunstâncias mais adversas, contribuindo para uma sociedade mais justa e humana para todos.
Dia das Mães no presídio feminino
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