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Músico capixaba com deficiência dribla preconceito e toca no metrô de SP

Músico capixaba com deficiência dribla preconceito e toca no metrô de SP

Sanderlei Matias, de 24 anos, mais conhecido como Quixote, saiu de Cariacica para ganhar a vida com a própria arte. Ele conta seus desafios e como ajuda outros músicos a seguirem carreira

Publicado em 7 de fevereiro de 2023 às 18:12

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 Sanderlei Matias Pereira da Silva, de 24 anos, mais conhecido como Quixote, saiu de Cariacica para tentar a vida em SP
Sanderlei Matias durante apresentação em São Paulo. (Arquivo Pessoal)
Maria Fernanda Conti
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Apaixonado pela música, o capixaba Sanderlei Matias Pereira da Silva, de 24 anos, mais conhecido como Quixote, diariamente tenta desbravar as ruas da maior cidade do Brasil. Com o violão sempre embaixo do braço, ele saiu de Cariacica há seis anos para tocar no metrô de São Paulo e viver da própria arte.

De forma independente, é ele quem compõe e produz as próprias músicas, cujos gêneros vão do samba ao hip hop. As canções abordam temas relacionados à própria realidade do músico capixaba. Com uma deficiência no braço direito, Quixote trata, em seus versos, sobre o preconceito que enfrenta no dia a dia e também os desafios de ser artista no Brasil. Além de instrumentista, ele ainda é cantor, produtor, DJ e técnico de som.

"Sou artista de rua, praça, metrô, onde pode tocar e onde não pode também. A minha arte autoral é 100% a vontade do meu querer. Se hoje eu quero lançar um samba e eu criei um, eu lanço um samba. Não me limito a nada", afirmou.

Músico capixaba com deficiência dribla preconceito e toca no metrô de SP

Dentro dos vagões, o artista também canta covers de outros artistas em busca de uma contribuição dos passageiros. Segundo ele, essa é a principal fonte de renda que possui e com a qual sobrevive na metrópole.

"O que mais importa no metrô são os horários. Você não pode estar nos horários de pico, porque não dá para transitar, nem mostrar seu trabalho de ponta a ponta. Normalmente eu vou pela manhã, nos momentos em que não tem muita gente. Dou uma parada, volto umas 15 horas e fico até as 18 horas", contou.

Como tudo começou

A história de Sanderlei com a música começou ainda na adolescência, enquanto morava no Estado. Após ter algumas aulas de violão com um amigo da família, ele aprendeu a tirar cifras e notas sozinho, quase de forma autodidata. Com o tempo, a paixão aumentou cada vez mais, até que recebeu convite da mãe para morar por um ano em São Paulo. Ela e o pai de Quixote são divorciados. 

 Sanderlei Matias Pereira da Silva, de 24 anos, mais conhecido como Quixote, saiu de Cariacica para tentar a vida em SP
Além de instrumentista, Quixote também é cantor, produtor, DJ e técnico de som. (Arquivo Pessoal)

"Fui para lá e me envolvi com muitos grupos musicais diferentes. Conheci batalha de rima, Slam, saraus, e fui entrando em movimentos, tendo contato com novas pessoas. Hoje, rodo São Paulo de Norte a Sul. Vou para todos os 'rolês'. Eu dou o meu jeito. A música é o que me inspira", frisa.

Quixote chegou a cursar magistério em 2014 para dar aulas de músicas a crianças de zero a 4 anos no Rio Grande do Sul, mas abandonou os estudos. Foi lá, no entanto, que ele descobriu o metrô e que poderia ganhar a vida fazendo o que gosta. 

"Todo mundo que mora lá tem pai rico, e meu pai era eletricista, sabe? Eu só estava lá por causa da bolsa. Só fiz magistério para conhecer outros instrumentos, teoria musical, enfim. Até que um dia eu estava com um amigo, dentro do metrô, e nós começamos a tocar violão. De repente, uma senhora deu cinco reais para mim. Foi um estalo. Meus pais já trabalhavam muito, eu tenho um irmão que também é PCD (pessoa com deficiência), então queria garantir um dinheiro só meu", relembrou.

Projeto de solidariedade

Devido à falta de poder aquisitivo, conforme conta, o artista teve muitas dificuldades para conseguir produzir suas canções. Sem poder custear, ele montou um estúdio dentro da própria casa, com beats e mixagens feitas a partir de um simples computador, adquirido na época em que fazia magistério, portanto já estava bem gasto. 

"Tenho musicas lançadas só por causa da minha vontade de fazer, pois não tinha dinheiro para conseguir o melhor. Com isso, abri a Casa 56, que virou o meu 'home studio', só com o meu notebook e uma placa de som. Em seguida, criei o Pague Quanto Puder (PQP), para, assim como eu, abrir portas para outros artistas que também não têm essa grana", afirmou.

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Aproveitamos para também bater um papo com eles. 'Parça, você tem que lembrar que o seu corre precisa se sobressair às outras coisas. Quanto você gasta nos rolês, por exemplo? O quanto você está se dedicando? É o suficiente?'

Sanderlei Matias Pereira da Silva
Músico
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Os desafios

Apesar de já conseguir viver da própria música, algo que sempre sonhou, Quixote afirma que ainda precisa enfrentar muitos desafios diariamente. Ele cita, por exemplo, a truculência dos guardas dentro dos metrôs, visto que performar nos vagões é proibido. 

"É algo que a gente só tem que aceitar, infelizmente. Já vi colegas meus indo parar no hospital, só porque estão levando arte para o metrô. Não quero pagar de 'machão' contra o sistema, porque eles estão em maior número e, se me pegarem sozinho, só eu sei o que pode acontecer", criticou.

 Sanderlei Matias Pereira da Silva, de 24 anos, mais conhecido como Quixote, saiu de Cariacica para tentar a vida em SP
Sanderlei compõe e produz as próprias músicas. (Arquivo Pessoal)

Quixote conta que, em certa ocasião, foi revistado e chegaram a quebrar as cordas do violão que carregava. "A truculência de São Paulo nos afeta muito. Todas as pessoas que trabalham ali já sofreram na mão dos guardinhas, seja violência física, seja psicológica. O que eu mais queria é que liberassem as atividades nos vagões, porque o que faço é música. Não estou aliciando, assediando ninguém. Só estou fazendo poesia", destacou.

Capacitismo

Outro problema enfrentado todos os dias pelo músico é o julgamento e o olhar das pessoas devido à deficiência no braço. Em versos que canta (veja abaixo), ele faz questão de alertar para o capacitismo — ou seja, a subestimação da capacidade e aptidão das pessoas em virtude de suas deficiências.

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A cada 10 pessoas, oito me falam que eu sou um exemplo de superação, que não acreditam no que estão vendo. E eu questiono: superação por quê? Eu não sei se elas acham o meu trabalho incrível, o meu som, ou se gostam de ver uma pessoa com deficiência tocar. Às vezes me perco nisso. Não sei se o meu trabalho que é bom ou apenas a minha imagem é boa

Sanderlei Matias Pereira da Silva, o "Quixote"
Músico capixaba
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"Independentemente do lugar, seja em São Paulo, seja no Espírito Santo, as pessoas não acreditam que eu possa fazer alguma coisa. Uma vez eu comecei um show só cantando, com os beats que eu mesmo produzi e segurando o microfone com o meu 'cotoco'. Eles riram. Comecei a tocar os instrumentos e todas as risadas pararam. Desacreditam do meu potencial o tempo inteiro e querem usar isso como a minha maior arma", lamentou.

É possível conferir a obra do artista no Youtube e nas principais plataformas de streaming, como Spotify e Deezer. 

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