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MPF e Incra acionam Justiça para dar título de terras a quilombolas no ES

MPF e Incra acionam Justiça para dar título de terras a quilombolas no ES

As ações visam beneficiar a comunidade de Sapê do Norte, nos municípios de Conceição da Barra e de São Mateus; uma decisão provisória anulou título hoje concedido à empresa de celulose

João Barbosa

Repórter / [email protected]

Publicado em 23 de outubro de 2025 às 21:46

Ministério Público Federal (MPF)
O Ministério Público Federal (MPF) propôs a ação Crédito: Antonio Augusto

Ministério Público Federal (MPF) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), entraram na Justiça com duas ações de execução provisória de sentença para garantir a titulação das terras para comunidades quilombolas de Sapê do Norte, em situadas em Conceição da Barra e de São Mateus, na Região Norte do Espírito Santo. A Justiça acolheu o pedido. 

As ações tramitam contra a Suzano (antiga Fibria Celulose S/A), o governo do Estado e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Conforme informações do MPF, a Justiça declarou nulos os títulos de domínio de terras devolutas obtidos, segundo o processo, de forma fraudulenta na época em que ainda era denominada Fibria.

As sentenças declaram que a empresa teria usado funcionários como “laranjas” para simular requisitos legais para obtenção de terras que posteriormente foram repassadas para a empresa. Em setembro, A Gazeta publicou uma reportagem sobre a situação registrada em Itaúnas e o cancelamento da reintegração de posse que a companhia reivindicava

A Suzano, por sua vez, afirma que possui toda a documentação imobiliária que comprova a propriedade e a posse legítima de suas áreas que, segundo a companhia, foram adquiridas de forma regular, a justo título e de boa-fé, como informou à reportagem de A Gazeta, em nota.

Ao Estado, MPF e Incra pedem a apresentação, no prazo de 30 dias, de um cronograma de atividades administrativas e judiciais para emissão dos títulos de propriedade em favor das comunidades que, segundo os órgãos, ocupam tradicionalmente as áreas. A Procuradoria-Geral do Estado informa que ainda não foi notificada da decisão.

A obrigação prevista para o Executivo estadual, aponta o MPF, tem como base o Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) e a Lei Estadual 5.623/98, que trata do reconhecimento de propriedade definitiva de terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos.

As ações de execução destacam ainda que a Suzano deve deixar de praticar atos de domínio, exploração, uso ou qualquer pretensão de posse contra quilombolas nas áreas que teriam sido obtidas mediante fraude.

Já em relação ao BNDES, foi instituída a proibição para a instituição conceder financiamentos para a Suzano desenvolver atividades nas terras públicas que são objetos das ações.

A instituição financeira alega que cumpre a decisão da Justiça sem questionamentos, já que não financiava investimentos na localidade desde o início de medidas liminares ligadas à área sob disputa judicial.

“Cabe destacar que na etapa de celebração do contrato com as empresas, o BNDES estabelece cláusulas e condições visando à promoção de medidas de estímulo ao compliance. Dessa forma, não financia qualquer investimento ou empreendimento em áreas que sejam objeto de litígio jurídico, como no caso em questão”, divulga o banco, em nota.

Gabriela Câmara, procuradora da República, explica que, apesar de a Suzano ter recorrido das sentenças e de os recursos ainda estarem pendentes de julgamento, eles não suspendem a eficácia das decisões.

“Por isso, o MPF e o Incra estão cobrando o cumprimento imediato do que foi determinado pela Justiça”, pondera.

Próximos passos

Como etapa adicional das ações de execução, o MPF e o Incra pedem que a Justiça envie ofícios urgentes aos Cartórios de Registro de Imóveis de São Mateus e Conceição da Barra. O objetivo é que os cartórios registrem imediatamente a nulidade dos títulos da Suzano e confirmem que as terras foram revertidas para o patrimônio do Estado.

“O MPF e o Incra destacam que o direito de propriedade dos remanescentes de quilombos é um direito fundamental de eficácia plena e aplicação imediata, protegido mesmo que o procedimento administrativo de titulação não tenha sido concluído, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF – ADI 3239/DF)”, informa o Ministério Público Federal.

Mais rigor para reconhecimento de quilombolas

Em agosto, o Ministério Público Federal chegou a expor a necessidade de adoção de critérios mais rigorosos na certificação de comunidades quilombolas no Espírito Santo. É a partir deste processo que os grupos podem partir em busca da titulação.

No caso de Sapê do Norte, o quilombo já é certificado. Entretanto, outras comunidades enfrentam uma série de desafios ligados à especulação imobiliária, presença de grileiros nas áreas e até de interessados em benefícios governamentais, como divulgou a colunista Vilmara Fernandes.

Na Região Norte do Espírito Santo, conforme um levantamento gerado com recomendações do MPF à Fundação Cultural Palmares (FCP) - responsável pelas certificações -, estão algumas das dificuldades enfrentadas pelos quilombolas.

  • Denúncias de lideranças quilombolas sobre o aumento de certificação de comunidades sem que elas sejam reconhecidas por lideranças históricas;

  • Surgimento de associações compostas por grileiros que se fazem passar por quilombolas, em razão da notícia de terras devolutas estaduais que seriam destinadas às comunidades quilombolas de São Mateus e Conceição da Barra;

  • Disputa por terras na região do Sapê do Norte, que reúne o maior número de comunidades quilombolas do Estado. É um conflito fundiário apontado como grave;

  • Aumento de pessoas se autodeclarando quilombolas e dos pedidos de certificação de comunidades quilombolas a partir do reconhecimento do Sapê do Norte como área atingida pelo rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana/MG; 

  • Declarações da Fundação Cultural Palmares, em processo na Justiça, não reconhecendo integrantes de associação como sendo quilombola.
Atualização
24/10/2025 - 12:08hrs
A reportagem foi atualizada com posicionamento da Procuradoria-Geral do Estado e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.

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