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Imunidade de rebanho: o que é e quando poderá acontecer no Espírito Santo?

Imunidade de rebanho: o que é e quando poderá acontecer no Espírito Santo?

Para os especialistas, o risco de apostar nesta possibilidade é muito alto, podendo comprometer a saúde pública e elevar os números de mortos se as pessoas se expuserem mais

Publicado em 20 de julho de 2020 às 06:20

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Homem com máscara de proteção
Entenda o que é imunidade de rebanho. (Freepik)

Nas últimas semanas um assunto tem chamado atenção quando se trata do novo coronavírus: a imunidade de rebanho, que ocorre quando o número de pessoas imunes ao vírus atinge uma taxa alta e faz com que ele não encontre pessoas suscetíveis à infecção. Para os especialistas, porém, o assunto ainda envolve muitas especulações e perguntas sem respostas, não sendo possível afirmar se alguma região possa conseguir alcançar esse tipo de resistência ao vírus.

O infectologista Paulo Pinto explica que quando há um número grande de pessoas infectadas torna-se mais difícil do vírus ser passado para frente. Embora haja estudos que apontem que para a imunidade de rebanho seja necessário que 60% a 70% da população esteja infectada, ele afirma que a ciência ainda não tem um dado concreto para essa porcentagem.  

"Além disso, precisamos considerar que em Madri, na Espanha - onde houve muitos casos e a situação foi desesperadora, eles chegaram a cerca de 13% da população infectada. Em Nova York, foi 15%. Nenhuma chegou a 60% ou 70%, que é a estimativa para que a imunidade de rebanho aconteça. A gente não sabe, mas pode ser que esse número não aumente porque pode haver uma imunidade cruzada, de outros tipos de coronavírus que já tivemos antes da Covid-19, como a SARS, em 2002, e a MERS, em 2012. Ninguém sabe se elas deram alguma proteção ao novo coronavírus, então o mais prudente é continuar tentando abaixar a curva", explica.

RISCO ALTO PARA A SAÚDE PÚBLICA

O médico completou que o risco de tentar buscar a imunidade de rebanho é muito alto, podendo comprometer a saúde pública e elevar os números de mortos se as pessoas se exporem mais. Além disso, ele afirma que seria "imprudente", nesse momento,  afirmar que o Espírito Santo pode chegar a esse tipo de imunidade.

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Quem tentou ir pra rua de qualquer jeito, sofreu com o aumento significativo das mortes. Atualmente, essa é a doença que mais mata os capixabas, acima no câncer, infarto ou pneumonia. Já temos algumas regiões onde a curva está estabilizando, como na Grande Vitória. Precisamos manter os cuidados e evitar aglomerações, pois quando se fala em imunidade de rebanho, temos apenas especulações

Paulo Pinto
Médico infectologista
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TIPO SANGUÍNEO E ATÉ VACINA PODEM INFLUENCIAR

No meio de tantas incertezas, um comportamento da Covid-19 tem chamado a atenção de especialistas: por algum motivo as cidades não passam de 20% no número de infectados, havendo um declínio natural no número de casos. Os motivos para isso, porém, ainda estão sendo investigados.

"Temos a hipótese de que, na teoria, para atingir a imunidade de rebanho é preciso 60% de pessoas infectadas. Mas com a Covid-19 está acontecendo algo diferente do que a gente esperava, as porcentagens não passam de 20% e não sabemos o porquê. Novamente, há hipóteses: pode ser por imunidade cruzada ou até por vacinas como BCG. Há estudos no Brasil, com biomarcadores e profissionais da saúde revacinando a BCG, porque há pesquisas chinesas e inglesas que apontam uma possível imunidade pela vacina. Mas nada ainda é uma certeza. É difícil falar sobre isso poque os estudos ainda não possuem resultados concretos", afirmou a epidemiologista Ethel Maciel.

Outras hipóteses estudadas incluem também grupos sanguíneos que serão mais propícios à infecção, segundo a epidemiologista.  Ela completou que há um estudo de portugueses e ingleses que mostram que quando a Espanha chegou a 12% da população infectada, os números de casos começaram a diminuir. Os motivos porém, ninguém descobriu. Agora, a expectativa é que pesquisas possam responder essas dúvidas nos próximos dias.

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Não sabemos os motivos. O que sabemos é que muita gente ainda não foi infectada. A gente achava que a curva continuaria subindo, mas há algo acontecendo que ainda não podemos explicar com evidências científicas. Expor todo mundo em busca de imunidade não é uma opção segura. A Flórida, por exemplo, estava com a curva descendo e teve novos 27 mil casos em dois dias após a abertura da Disney. Estamos mais protegidos porque muitos não estão expostos

Ethel Maciel
Epidemiologista
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Por esses motivos, Maciel afirma que não é possível dizer se o Espírito Santo chegará na imunidade de rebanho. Ela também salienta para o risco de mortes, já que mesmo o Estado chegando ao efeito platô em algumas regiões, o número de mortes "ainda é preocupante".

imagem mostrando o risco de contaminação pelo coronavírus
Para atingir a imunidade de rebanho é preciso 60% de pessoas infectadas. (Freepik)

HETEROGENEIDADE DA POPULAÇÃO É AVALIADA

Um grupo sueco, liderado pelo matemático Pieter Trapman, levantou a discussão de que é preciso considerar que as populações são heterogêneas, com pessoas mais ou menos propensas a contrair o vírus, da mesma forma que possuem mais ou menos chances de morrer caso o contraiam. Por isso, avaliam como a heterogeneidade da população afeta a imunidade de rebanho.

No Brasil, a maior pesquisa feita com testes de anticorpos - realizada por pesquisadores da Universidade de Pelotas, indicou que 3,8% da população foi exposta ao coronavírus. Em regiões mais afetadas, como o Rio de Janeiro, o dado chegou a 10% - número ainda distante do previsto para a imunidade de rebanho. 

Quem concorda que a quantidade de pessoas suscetíveis à infecção pode determinar uma possível imunidade de rebanho é o  médico infectologista da Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), Raphael Lubiana Zanotti.  Ele explicou que para ter uma doença disseminando-se em uma comunidade é necessário que naquela região haja pessoas suscetíveis o suficiente.

"Vamos a um exemplo prático de uma doença que já foi problema: a meningite. A partir do momento em que ninguém tinha pegado, quando não havia ninguém com imunidade e chega na população alguém com meningite, todas as pessoas ao redor são suscetíveis. Então ela tem múltiplas oportunidades de transmissão nos encontros com outras pessoas. Quando você vacina 80% dessa população, por exemplo, a quantidade de população que essa pessoa com meningite encontra, vai ser o mesmo tanto que ela encontraria antes, a diferença é que 80% não são suscetíveis. Então a chance de passar a doença para outros é muito menor", explicou. 

Uma segunda variável importante para a disseminação, de acordo com o médico, é a própria capacidade do organismo ter de se disseminar. Na meningite, por exemplo, para passar de uma pessoa para outra geralmente é necessário um contato muito próximo e direto de uma pessoa com a outra. Já quando trata-se de uma doença de circulação respiratória, como o coronavírus, a transmissão é muito mais fácil, por uma característica própria do vírus. Porém, a porcentagem exata para atingir a imunidade de rebanho ainda não é garantida.

"Para dizer se a imunidade de rebanho precisa de um percentual para acontecer, é necessário entender qual o organismo que a gente está falando, por causa da capacidade de transmissão. Por isso, esse número não é fixo. Quando a gente fala de 60%, 70%, 80% da população que precisa estar imunizada para ocorrer essa imunidade, é uma estimativa a partir da capacidade de transmissão da doença e é um consenso de que a maioria da população precisa estar imunizada para se falar em imunidade de rebanho, então é um número maior do que 50%", conta.

Máscara, coronavírus, Covid-19
Uso de máscara está entre as medidas que podem der ajudado na redução de casos de coronavírus, diz Sesa. (Pixabay)

ES ESTÁ LONGE DA IMUNIDADE DE REBANHO, DIZ SESA

Dentro da realidade do Espírito Santo, porém, ele afirma que a porcentagem ainda está muito distante de chegar ao menos a 50%. Já que o o inquérito sorológico aponta que cerca de 10% de pessoas  já tiveram contato com a doença, enquanto há ainda uma redução de casos confirmados e aparente diminuição na velocidade da transmissão. 

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Essa aparente redução, certamente não é pela imunidade de rebanho. O que talvez esteja acontecendo aqui é uma parcial imunidade de rebanho, mas certamente existem outros fatores que estão desacelerando essa disseminação. Uns desses fatores são as medidas de restrição de movimentação de pessoas, uso de máscara, o estímulo à redução do contato físico e higiene das mãos. Isso é a única coisa que parece de fato ser modificadora do comportamento da epidemia. Se isso é uma comprovação ou não, a gente só vai conseguir definir estatisticamente depois que os estudos forem se mostrando. Mas a experiência de outros países é bem clara de que quando instituiu-se as medidas, a partir daí houve uma inflexão da curva. Essas medidas certamente desaceleram a transmissão. É diferente de dizer que isso impede as pessoas de pegarem. Isso atrasa as pessoas a pegarem, pelo menos. Tem um menor número de pessoas pegando em um número de tempo. Se vamos chegar nos 60%, não existe essa resposta ainda

Raphael Lubiana Zanotti
médico infectologista da Vigilância Epidemiológica da Sesa
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"ESTRATÉGIA EQUIVOCADA", DIZ OPAS

O diretor para doenças infecciosas da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), Marcos Espinal, apontou na última terça-feira (14), que não há evidências de que o Brasil ou alguma área do país tenha atingido a imunidade de rebanho contra a Covid-19. Indagado sobre Manaus, outra cidade muito atingida pelo vírus, ele afirmou que um estudo que aponta que apenas 14% dos moradores da capital do Amazonas têm anticorpos contra o novo coronavírus.

O diretor também alerta que adotar essa proteção coletiva para combater a transmissão da doença é uma estratégia equivocada. "Não recomendamos. O custo - de vidas humanas, econômico e de saúde - é muito alto". Outra justificativa para não adoção dessa medida é a falta de conclusões sobre o tempo que dura a imunidade contra a Covid-19. Espinal apontou um estudo que diz que essa imunidade dura apenas três meses.

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