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Publicado em 1 de outubro de 2025 às 17:16
O empresário Maikel Araujo dos Santos, criador do Macakids, e o montador de móveis Ronald Menezes, resgatados com vida após dois dias à deriva em alto-mar, narraram, nesta quarta-feira (1º), os momentos de angústia e apreensão após o motor da lancha em que estavam sofrer uma pane na volta para casa. >
A dupla, cuja embarcação foi arrastada pelo vento até o Estado do Rio de Janeiro, foi resgatada por um rebocador na tarde de terça (30), e foi trazida de volta ao Espírito Santo pelo Corpo de Bombeiros capixaba.>
Confira os principais trechos da entrevista:>
Ronald: Em cinco minutos que começamos a voltar para casa, o motor parou total. Aí o Maikel disse: 'meu Deus do céu'. Ele foi olhar e falou: 'deu ruim'. Quando olhei para trás, ele disse que o motor tinha parado. Tentamos descobrir a causa para ter parado o motor, mas infelizmente não achamos o motivo real, apagou tudo. Até o rádio apagou. Se o rádio não tivesse apagado, a gente teria como acionar o socorro. A gente conseguiu fazer uma chamada com o rádio antes de apagar, tinha duas embarcações bem próximas da gente, (a cerca de) uma milha (1,6 km).
Maikel: Sim, por volta das 16h falei: 'vamos voltar'. O barco estava cheio, foi uma pescaria abençoada. Aí navegamos cinco milhas voltando e deu a pane. Na mesma hora joguei os ferros porque sabia que o vento estava bem mais forte. Mas tarde o vento começou a entrar e no dia seguinte sabia que o vento ia ser mais bravo ainda. Quando joguei os ferros para segurar a lancha, ele parou ali e foi a hora que fiz contato com os quatro barcos próximos, só que ninguém respondeu. Eu sinalizei, mas não estavam vendo (a gente). Aí escureceu. Falaram com meu irmão que as embarcações viram a nossa lanterna, mas acharam que outro (barco) estava mais perto e foram deixando paro outro, e ninguém foi atrás. Na manhã seguinte tive noção da grandeza das ondas e estávamos mais longe. Andamos sete milhas em uma noite. Em São Tomé eu ia me arriscar nadando, porque mais para frente ia ser mais difícil ser encontrado. O rebocador que me fez mudar de ideia. Um momento de desespero foi o avião da FAB passando em cima da gente e não nos viu. Ontem, por volta de 11h, ele passou pertinho. AÍ desesperamos porque, se eles não nos vissem, ninguém ia ver e nós acenamos. Os rebocadores nos viram, mas acharam que nós estávamos pescando. Eu pensava em como a cabeça deles (família) estava sem saber uma notícia nossa. A situação deles era mais desesperadora que a nossa por nem saber se iam achar o nosso corpo.
Maikel: Nós orávamos, orávamos muito. Tínhamos feito uma pescaria muito farta, não tínhamos levado comida, mas ele (Ronald) limpou os peixes, fez filés, aí a gente molhava na água salgada e comíamos. O peixe dava uma força para gente ainda. No segundo dia a gente estava exausto, porque a gente jogava ferro, puxava ferro, montava vela e fazia sinal, e ia cansando porque não tinha nem água (suficiente). A gente ficou mais de 24 horas sem beber água. Essa pescaria é muito rápida, eu faço toda semana. Eu vou, levo três, quatro horas, volto. A gente levou o básico. Aí ficou difícil a situação. A gente aguenta ficar, mas sem a água… a gente não sabia quanto tempo ia ficar. Ronald usou as roupas para fazer um veleiro, como se fosse uma vela. Costurou as roupas com a habilidade dele. Se não fosse isso, nem sei aonde a gente ia chegar. Ele improvisou uma vela com as camisas e essa vela criava um balão assim que empurrava a gente, nos aproximando um pouco da costa.
Maikel: Usamos há quatro ou cinco anos, e o motor nunca fez um barulho diferente. O mecânico que cuida do motor é extremamente diligente (cuidadoso) com trabalho dele. Eu só quero comemorar, agradecer por estar vivendo de novo. Acho que a primeira coisa que vem é isso e, depois, com a perícia, tentar entender o que aconteceu.
Maikel: Não sei se volto a pescar…
Ronald: Jesus. A fé da gente era muito grande. Muitas vezes estávamos conversando, eu desanimava e ele me animava. Fomos agarrando um no outro. Eu tenho certeza, falei com ele, que na segunda à tarde tem muita gente orando pela nossa vida e Deus vai dar uma solução, ele não vai desamparar a gente, ele vai enviar um anjo para resgatar a gente. Até me surpreendi porque, geralmente, no mar, eu sinto muita fome e passo mal se não como, mas não senti fome nem sede.
Maikel: A gente se perguntava se tava com sede e não estávamos. No segundo dia senti o corpo muito fraco e vi que teria que comer e aí comi o peixe.
Maikel: Foi muito emocionante, eu filmei ele (Ronald), filmei a vela falando “olha a vela que ele fez e onde nos levou”. O rebocador estava com a mesma reação dos outros e andarem um pouco para frente, a gente ficou gelado, era a última esperança de não precisar nadar vários quilômetros, e aí eles deram ré. Eu mergulho há trinta anos, e nunca tinha pegado o mar que peguei na segunda-feira. A velocidade do vento, eu nunca tinha pego dessa forma. E não diminuiu. Na terça-feira estava mais ou menos da mesma forma. E para gente ser resgatado pelo rebocador, a lancha ia lá em cima e voltava, caia uns quatro, cinco metros de queda livre. E eu não queria nem saber da lancha, eu falei que podia deixar a lancha porque eu só queria pegar o celular e ligar para e falar que estava vivo. A sensação era só de comemorar e que se dane a lancha. E quando jogaram a escadinha, eu me agarrei para não cair, meio fraco, e eu sentei no chão do rebocador e só chorava. A sensação de alívio. Os rebocadores me abraçaram e eu só chorando. Tentaram me dar água, mas nem bebi água, eu só pedi o telefone, pedi para me deixarem ligar para o meu pai, eu não lembrava o número da minha esposa. Eles sabiam do nosso desaparecimento, mas estavam “ah, era só mais um pescador (nas proximidades), que acontece sempre”. Aí quando nos olharam falaram “ah, acho que são vocês que estão anunciando toda hora.”
Ronald: Eu conheci ele através do meu serviço, sou montador de móveis. E como eu sou pescador também, quando eu conheço uma pessoa que gosta de pescar, eu começo a entrar em detalhe de pescaria. Fui montar móveis na casa dele e fizemos uma amizade. Fomos duas vezes pescar, essa foi terceira vez. Dessa vez, minha esposa não queria que eu fosse, minha mãe não queria… Ela chegou a falar para eu não ir. Eu até falei com ele que tinha que pedir perdão para minha mãe por desobedecer. E na hora (que estava à deriva), pedia perdão a Deus. Acabei desonrando ele ao desobedecer uma ordem dela. Quero aproveitar para agradecer a todos que oraram pela gente. Agradecer os rebocadores por olhar com carinho (para onde a gente estava). Realmente estávamos em rota de navio e rebocador, mas podiam entender que estávamos sinalizando para desviar. Deus abençoou que o rapaz, Rodrigo, saiu da cabine e viu a gente. Ele viu que a gente fez aceno, que estávamos sem água, sem boia, quebrado, e viu que estávamos pedindo socorro, e pararam. A gente achou que iam seguir viagem. Se seguissem, tinha a possibilidade de a gente chegar na costa, mas também da corrente levar para fora.
Maikel: Talvez só em Cabo Frio teríamos como tentar de novo, mas não sei quantos dias iríamos aguentar. Eles pegaram a gente quando iam para a bacia de Campos. Demorou meia hora o resgate porque o mar estava bravo. Foi difícil segurar a escadinha. O medo maior era do Ronald cair na água, mas graças a Deus conseguimos. Eles voltaram para o Porto de Açu, navegamos por mais duas horas. A Marinha deixou a gente na base em São João da Barra, e os bombeiros nos deixaram em casa.
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