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Publicado em 26 de junho de 2025 às 20:01
Diálogo e acolhimento, em vez de repressão. Em palestra realizada em Vitória, o médico Drauzio Varella defendeu que os casos de dependência química e vício em drogas sejam tratados como problema de saúde pública, de forma semelhante a outras doenças. >
“Quando há alguém que usa droga na família, você tem que, em primeiro lugar, partir do princípio que essa pessoa está doente. É preciso tentar estabelecer um diálogo. Fazer como certos pais fazem, de bater no filho, só afasta, agrava a doença e aumenta a dificuldade. Também cabe aos governos promoverem o debate com equipes de saúde voltadas ao acolhimento e não à repressão aos usuários de drogas", aponta Drauzio.>
O médico abordou os desafios da dependência química durante conferência magna, na abertura da Semana Estadual de Políticas sobre Drogas, na última quarta-feira (25), no Palácio Anchieta, em Vitória. Na palestra, o especialista compartilhou sua experiência de 39 anos de carreira no tratamento de dependentes e destacou como as drogas ganharam força dentro e fora das penitenciárias.>
Drauzio Varella lembrou que o uso de qualquer substância que afeta o cérebro causa dependência e resistência, fazendo com que o usuário precise consumir doses cada vez mais altas. “Toda droga psicoativa, que altera o funcionamento psíquico de cada um de nós, induz tolerância. É um fenômeno universal. Vale para cocaína, para o cigarro, para o álcool e também para aquele remedinho que muita gente toma porque acha que dorme melhor daquele jeito.” >
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O oncologista também alertou sobre os riscos de cada tipo de drogas. "Toda droga fumada provoca uma dependência muito mais grave do que quando é usada por outras vias. Quando você injeta na veia, a substância chega muito mais rápido ao cérebro. Quando aspira, gruda na mucosa nasal e dos seios da face e vai sendo absorvida até atingir a maior concentração no sangue”.>
“Fumar maconha é uma coisa. Cheirar cocaína é outra droga. Cair de bêbado na rua, outra, ainda mais diferente. Isso tem especificidades. Você não consegue lidar com as drogas de um modo geral, porque cada uma age de determinada maneira. Cada uma vai necessitar de uma estratégia”, completa.>
O médico também ressaltou os riscos do cigarro, que, apesar de ser legalmente liberado, causa danos irreversíveis aos pulmões e ao organismo. “Na minha experiência de 36 anos convivendo com o cigarro e o crack, digo que é muito mais fácil largar o crack do que do cigarro. Não existe crise de abstinência pior que essa", frisa.>
Nessa lista de dependência, Drauzio também inclui o uso do cigarro eletrônico, principalmente entre os mais jovens. “É muito danoso. Primeiro, você não sabe o que tem lá dentro. Tem corantes, aromatizantes e uma quantidade enorme de substâncias. E o mais importante é entender que você não vai ficar dependente por fumar um extrato com o gosto de maçã. O que faz a dependência é a nicotina. E os eletrônicos têm quantidades enormes de nicotina, até 10 vezes maiores do que no cigarro comum”, alerta.>
Por isso, Drauzio Varella defende que a dependência química seja tratada como qualquer outra doença. “Com um paciente com câncer avançado, que é uma doença crônica recidivante, você trata e induz uma remissão, mas fatalmente essa remissão pode se transformar numa recaída. E as recaídas podem ir ficando cada vez mais curtas até o paciente morrer no final, porque a doença não tem cura.” >
“Por que que a gente não usa o mesmo raciocínio para as drogas? Por causa de um moralismo absurdo. Se eu pego uma pessoa com câncer e consigo seis meses de remissão, é possível dizer que o tratamento foi maravilhoso, que valeu a pena ter feito quimioterapia para viver seis meses muito bem”, exemplifica. >
Entretanto, como destaca o médico oncologista, o oposto acontece quando se trata de um dependente químico, que costuma ter o tratamento invalidado por causa das chances de recaída. “Por que não uso esse mesmo raciocínio para quem é usuário? Também é uma doença crônica e recidivante, e isso faz parte da doença”, afirma. >
Drauzio Varella
MédicoPara o especialista, a melhor forma de frear o tráfico de drogas é reduzir o consumo dos usuários, uma vez que essa atividade movimenta quantidades expressivas de dinheiro e não vai acabar de uma hora para outra. “Em 2012, o PCC tinha 12 mil membros. Hoje em dia o número chega aos 40 mil. É um poder absurdo. E nós vamos ter que aprender a lidar com esse poder. Nós não vamos acabar com o tráfico por causa do lucro.” >
“Enquanto houver um produto que permita uma margem de lucro nesse nível e uma população disposta a pagar o que for para obter esse produto, vai ter gente que vai fazer esse comércio. É inevitável. Além disso, nas drogas, o custo do transporte é irrisório. Não é levado em consideração. E nós vamos ter que lidar com isso para sempre. O importante é saber como fazer isso. Acho que só tem um jeito. É reduzir o consumo”, acrescenta.>
Drauzio defende que os governos precisam estudar medidas que funcionam em outros países, de forma a avaliar e adaptar o que se encaixa melhor dentro da realidade local para minimizar a ação do crime organizado. “Nós temos que ver como os outros estão fazendo no mundo inteiro. Então, o que você vai fazer? Vai autorizar que plantem em casa? Nesse caso, veja quem adotou esse tipo de prática e quais foram os resultados obtido. A gente não nasce sabendo essas coisas”, reforça.>
Um dos desafios apontado pelo escritor é a dificuldade de estabelecer políticas públicas no Brasil. “Em um país desse tamanho e tão desigual como o nosso, fica muito difícil impor políticas para a população do país inteiro”, salient. >
Drauzio ainda citou a necessidade de ampliar o apoio do governo e da sociedade a ações voltadas à prevenção, como o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd). "Essas iniciativas são importantes. Só que ainda são muito tímidas e não estão disponíveis no país inteiro. A escola tem um papel importante, e as famílias têm um papel mais importante ainda." >
O subsecretário de Estado de Políticas sobre Drogas, Carlos Lopes, reforça a relevância da Semana de Políticas sobre Drogas para promover a educação sobre o tema e combater a desinformação. “A importância é justamente contribuir na divulgação das informações com base em evidências científicas, como vimos na palestra do Drauzio. Essa temática de drogas é bastante carregada de mitos, preconceitos e senso comum”, observa. >
Carlos Lopes
Subsecretário de Estado de Políticas sobre DrogasO Programa Estadual de Ações Integradas sobre Drogas (PESD), conhecido como Rede Abraço, é realizado pelo governo do Estado e tem como objetivo prestar apoio e assistência para pessoas com dependência química, para suas famílias e para a comunidade, por meio de quatro eixos: prevenção, tratamento, reinserção social e estudos, pesquisas e avaliações.>
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