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Desertos de cinema: capixaba percorre até 3h para chegar a uma sala de exibição

Desertos de cinema: capixaba percorre até 3h para chegar a uma sala de exibição

No Espírito Santo, 52 municípios já tiveram sala de cinema; atualmente, são apenas 12 e a maioria dos espaços está situada em shoppings

Publicado em 9 de setembro de 2023 às 08:13

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Poltronas vazias em sala de cinema
Cinemas foram fechando as portas no interior do Estado ao longo dos anos. (Freepik)

Da escolha do filme à companhia, a experiência de ir ao cinema tem feito parte do cotidiano de muitas famílias ao longo das décadas. Mas, com o passar do tempo, a oportunidade de viver e apreciar a sétima arte com direito à sala escura, som especial, o telão e aquele balde de pipoca foi ficando cada vez mais distante da casa de muitos capixabas. 

No auge dessa história, mais de 50 municípios do Espírito Santo chegaram a ter pelo menos uma sala de cinema que podia proporcionar esses momentos de diversão. Hoje, porém, apenas 12 cidades contam com espaços de exibição, o que acabou formando verdadeiros desertos de cinema, deixando esse vazio principalmente nas regiões Noroeste, Serrana e Sul do Estado.

Nesse cenário, tem capixaba que atualmente precisa se deslocar por quase três horas — maior que o tempo médio de duração de uma sessão — para poder assistir ao último lançamento. É o caso, por exemplo, de um morador do centro de Água Doce do Norte. Para ele, o cinema do Espírito Santo mais perto fica em São Mateus, a 164 quilômetros de distância.

164 km
É uma das maiores distância que um capixaba tem que percorrer para chegar a uma sala de cinema: do centro de Água Doce do Norte a São Mateus

E os indicadores mostram que não apenas o número de municípios contemplados com cinemas diminuiu, como também foram reduzidos os pontos de exibição nas cidades que ainda resistem às mudanças no mercado e na forma de consumo de filmes. São altos e baixos de uma trama um tanto dramática para os cinéfilos.

Dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine) mostram que, de 2019 para 2020, o Espírito Santo passou de 78 para 43 salas de cinema registradas. Bom ressaltar que as luzes se apagaram, sem nada para assistir nesses 35 locais, no ano em que foi declarada a pandemia da Covid-19. 

Mas logo depois, em 2021, o Estado voltou a exibir filmes em telas de 69 cinemas, quantidade de salas que se manteve no ano passado. Ainda assim, não cresceu no mesmo ritmo que havia demonstrado ao longo da década anterior, saindo de 47 salas, em 2011, para 78, em 2018, um aumento de 66% no período.

No blog Salas de Cinema do ES, um levantamento feito por André Malverdes, estudioso em cinema e professor do curso de Arquivologia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), apresentou cinemas que já funcionaram no Espírito Santo desde 1920.

Nesse período de pouco mais de um século, 52 municípios do Espírito Santo chegaram a ter salas de cinema, nem todos ao mesmo tempo. Alguns que fecharam foram até reabertos, mas o que os dados revelam é que a presença de salas foi diminuindo gradativamente, principalmente no interior, até chegar ao registro mais recente de 12 cidades com cinemas em atividade. 

E, hoje, a maioria está localizada em shoppings, com poucas exceções, como o Cine Gama, no Centro de Colatina, e o Metrópolis, na Ufes. 

Símbolo de status

Sobre as salas de cinema em mais pontos no Estado, Malverdes explica que ter um cinema era caráter de status na cidade, mas o tempo para o filme chegar em algumas regiões acabou provocando impacto no interior.

Isso acontecia porque a distribuição era vertical. Os filmes eram lançados primeiro na capital, nas salas que tinham o direito de exibição, e depois de um período eram distribuídos para as salas repetidoras de bairros. E só depois os cinemas do interior alugavam o filme para exibir. Com esse trâmite todo, que mais parecia um filme de longuíssima duração, aproximava-se do tempo em que seria liberado para passar na TV.

Aspas de citação

O Espírito Santo chegou a ter 200 salas ao mesmo tempo. Vitória, na década de 1980, tinha 13 cinemas

André Malverdes
professor de Arquivologia da Ufes
Aspas de citação

O professor do curso de Cinema da Ufes Fabio Camarneiro, que é coordenador do projeto de extensão "Uma História do Cinema no Cine Metrópolis", detalha como foi o processo de concentração das salas ao longo dos anos.

Ele lembra que nos anos 1970 havia muitas salas em bairros. O mercado funcionava com mais pontos de exibição, e menos salas. A partir dos anos 1980, lembra que muitas acabaram fechando devido à crise econômica. Na década seguinte, o número de salas de exibição começa a subir novamente, porém com menos pontos de exibição e mais salas, a exemplo dos multiplex em shoppings.

“Isso acaba limitando o acesso ao cinema a uma classe social que vai ao shopping, tendo condição de pagar o estacionamento, entre outros custos, mais onerosos do que o cinema de rua”, detalha.

Cinemas no ES

O último informe da Ancine disponibilizado, do ano de 2021, apontou que naquele ano o público nas salas de cinema chegou a 1.007.820, com preço médio do ingresso de R$ 14,96, inferior à média nacional (R$ 17,48), num momento de recuperação dos impactos provocados pela pandemia da Covid-19.  

Dados da Ancine mostram que seis em cada dez salas inauguradas em 2021 estavam situadas em shopping centers. Outro dado curioso é que o Espírito Santo é o segundo Estado com a menor concentração de salas na capital, com 17,4%, atrás de Santa Catarina, com 15%.

Cine Hollywood, no bairro Jardim América, em Cariacica(Gildo Loyola)

Não é de agora o abre e fecha de salas de cinema. Após sucessivos fechamentos no Centro de Vitória ao longo dos anos 1990, Vitória chegou a ficar com apenas três salas de cinema em 1998, que haviam sido inauguradas no Shopping Vitória. Naquele ano, segundo reportagem de A Gazeta do período, as outras salas ficavam em Vila Velha e Aracruz. O tradicional Metrópolis, na Ufes, estava temporariamente fechado. 

Cine itinerante

A concentração dos espaços de exibição na Grande Vitória resultou na carência de cinemas no interior nas últimas décadas. Para tentar reverter esse quadro e alcançar mais espectadores em várias regiões do Estado, o Festival de Cinema de Vitória realiza anualmente o Cine Itinerante, levando filmes por diversos municípios capixabas.

Segundo Lúcia Caus, diretora da Galpão Produções, que realiza o festival, a montagem das salas de cinema em vários municípios do interior começou em 2012. Ela conta que o principal objetivo é democratizar o acesso à produção cinematográfica, levando parte da programação do festival a cidades que não possuem salas de cinema convencionais. Cada sessão atende a 2 mil pessoas, já tendo passado cerca de 100 mil espectadores pelas sessões itinerantes.

Pela programação, a próxima parada do Cine Itinerante será em janeiro, em Guriri, São Mateus; Guarapari; e Pontal do Ipiranga, em Linhares. "Já fizemos rota de inverno nas cidades de montanha e rodamos quase o Estado todo. Agora vamos fazer nas praias aproveitando o verão. Montamos um telão de 8 x 8 metros, uma verdadeira tela de cinema e fazemos uma mobilização na cidade", ressalta. 

Além da exibição dos filmes, sempre nacionais e voltados para toda a família, antes são realizadas oficinas com a comunidade para atender aos que têm interesse em aprimorar habilidades e trabalhar cinema.

Cine itinerante no ES
Cine itinerante já alcançou mais de 100 mil espectadores no Espírito Santo. (Divulgação)
1.400 lugares
era a maior capacidade de salas no ES, no Santa Cecília e Cine Capixaba

Futuro 

Na visão de Fabio Camarneiro, a sobrevivência das salas daqui por diante vai seguir interesses de nicho, com as salas se especializando em algumas temáticas.

"Pode ser um nicho grande público, outro arte/alternativo ou qualquer outro nicho específico, como nostalgia, clássico... Se uma sala se especializar nisso, tem caminho para sobreviver, quando tem personalidade e uma curadoria mais evidente", analisa. 

Para ele, o cinema ainda é uma força na cultura. "O filme que estreia no streaming sem passar pelo cinema tem outra força dentro da cultura. A sala de cinema é uma experiência coletiva", conclui. 

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