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Viviane Mosé: "Qualquer ação que não seja o isolamento social será um modelo genocida"

Viviane Mosé: "Qualquer ação que não seja o isolamento social será um modelo genocida"

Filósofa, poeta e psicanalista capixaba Viviane Mosé fala da solidão do confinamento e mostra como manter a saúde mental durante a pandemia do coronavírus

Publicado em 2 de maio de 2020 às 09:00- Atualizado há 4 anos

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Viviane Mosé
A filósofa, poeta e psicanalista capixaba Viviane Mosé. (Tatiana Ferro)

Dados divulgados recentemente pelo londrino Imperial College confirmam estatísticas que soam apocalípticas aos nossos ouvidos: o total de mortes pela covid-19 no Brasil pode chegar a 9,7 mil até domingo (3), bem próximo do dobro das 5,511 mil registradas até a manhã de quinta-feira (30). A instituição vai mais além, ao afirmar que o país tem a "pior estatística do mundo", com números de casos em crescimento acelerado e um registro ascendente no cômputo de óbitos. 

Em momentos de incerteza em relação ao nosso futuro, só há uma alternativa: apostar no isolamento social e na quarentena, ações mais do que necessárias para tentar deter o avanço da pandemia do novo coronavírus. Lives, conversas (e até festas de aniversário) por videoconferências, numa aposta cada vez maior em um mundo virtual, às vezes, podem mascarar um de nossos maiores medos: a solidão. Como manter a saúde mental em épocas tão sombrias?

Para tratar desses e de outros assuntos, A Gazeta conversou com a filósofa, poeta e psicanalista capixaba Viviane Mosé. Passando a quarentena com a família no Espírito Santo, Viviane também acredita que o isolamento social é o maior antídoto para vencermos o que ela chama de "Terceira Guerra Mundial com um inimigo invisível".

"Qualquer outro ponto que não seja o apoio a esta ação será um modelo genocida. Temos que aprender a parar!", destaca. Abaixo, veja trechos do bate-papo.

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    Não é fácil estar só e isolado em qualquer momento, pois estamos em uma sociedade que se mantém tendo o convívio como base. Nos relacionamos a qualquer custo, seja por medo da morte, da solidão e até da vida. Na verdade, temos medo do que a vida representa. Criamos uma bolha civilizatória e, estarmos nela, nos afasta do que é mais importante: viver. Nessas bolhas, a única questão que observamos são as curtidas nas redes sociais, os comentários dos amigos e elogios ou críticas que recebemos nesse mundo virtual. Em um momento de isolamento, essa vida de aparência não faz mais sentido, nos restando apenas um bem-vindo autoconhecimento. As relações, normalmente, são superficiais e, nesse momento, precisamos encarar uma outra realidade. Agora, é necessário nos relacionar mais com os filhos e com a família de maneira real. Viva esse momento! Tenha mais paciência com o outro e aprenda a ceder, a fazer acordos. Volte a valorizar o que é real: a presença e o abraço, pois essa pandemia vai passar e precisaremos apostar em novas bases de relacionamento.

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    Muita gente me pergunta como vencer a solidão ou o isolamento. Não temos como vencê-los! Podemos somente viver com essa solidão e esse isolamento. Hoje, isso é uma necessidade vital, pois o momento nos impõe a essa realidade. No isolamento, temos a condição de exercitar o autoconhecimento. Vejo a solidão como uma condição humana, pois nascemos sozinhos e morremos assim. A impossibilidade de conviver com a solidão, às vezes, faz com que nos aliemos a pessoas nocivas, em relações tóxicas. Agora, temos uma oportunidade de “conversarmos” com essa solidão. É hora de perguntar se os sapatos, as roupas ou as curtidas nas redes sociais realmente importam. Estamos tentando quebrar essa solidão pelo meio virtual. Um telefonema, e ouvir a voz de uma pessoa do outro lado da linha, é quase como ter a sua presença. Curiosamente, antes da pandemia, quase ninguém telefonava. Basicamente só trocávamos mensagens. Vivíamos no celular, mesmo estando ao lado da família e dos filhos. Agora é hora de resgatar as relações humanas e valorizar quem realmente importa para a nossa vida.

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A impossibilidade de conviver com a solidão, às vezes, faz com que nos aliemos a pessoas nocivas, em relações tóxicas.

Viviane Mosé
Poeta, psicanalista e filósofa capixaba
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    Nós vivemos um momento gravíssimo na história da humanidade, em uma realidade que coloca tudo o que sabemos em questão. O que somos? Para onde vamos? Não é fácil responder isso agora. Temos mais de 4 bilhões de pessoas isoladas. Quase dois terços da população mundial está em casa, sem trabalhar e sem convívio social. Não é só o Brasil que está parado. O grau de letalidade da covid-19 é proporcional à qualidade de vida e saúde da população. Na Itália, por exemplo, a cada 100 pessoas que contraíram o vírus, dez morrem. No Brasil, esse índice também está cada vez mais alto, em algumas cidades chega a 15%. Além disso, temos vários casos de pessoas que não estão nos chamados grupos de risco que morreram desse mal. Por isso, é fundamental que a gente entenda a necessidade de ficarmos em casa, isolados. Não há outra possibilidade. É preciso fazer o nosso “dever de casa”, como fazem a Alemanha e a China, por exemplo. Eles já estão conseguindo voltar, aos poucos, com as suas atividades. Acho que muitas pessoas no Brasil ainda não entenderam a gravidade da situação. Se não encaramos o problema com seriedade, ainda vamos perder muitas vidas. Qualquer outro ponto que não seja o apoio ao isolamento será um modelo genocida. Temos que aprender a parar! É uma imposição de um vírus, que vem da natureza. Por que não queremos parar? Por medo de perder dinheiro, por ansiedade? Mas e a vida, perdeu o valor?

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Acho que muitas pessoas no Brasil ainda não entenderam a gravidade da situação. Se não encaramos o problema com seriedade, ainda vamos perder muitas vidas.

Viviane Mosé
Poeta, psicanalista e filósofa capixaba
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A escritora e filósofa Viviane Mosé
A escritora e filósofa Viviane Mosé. (Tatiana Ferro)
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    Vivemos uma situação muito sofrida, com mortos que se acumulam nos noticiários. Vemos pessoas sendo enterradas sem que os parentes possam se despedir. Estamos passando por uma espécie de Terceira Guerra Mundial invisível, em que a principal arma é um vírus. Nesse momento, ter um presidente como o nosso é o pior cenário possível. Jair Bolsonaro ignora as causas e os efeitos da pandemia. O presidente, e alguns de seus ministros, trata o novo coronavírus como uma espécie de “ataque comunista”, desrespeitando normas da Organização Mundial de Saúde, que tenta construir uma situação de colaboração coletiva. Espero que a Justiça do nosso país encontre um modo de parar essa sua tentativa de estimular as pessoas a voltarem às ruas. Ainda temos, pelo menos, dois meses de pandemia pela frente. As pessoas que hoje estão nas ruas, muitas não estarão mais aqui. Infelizmente.

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    É muito difícil avaliar como vamos nos comportar com a pós-pandemia. É uma situação nova. Acredito que reaprenderemos o valor do abraço e do carinho, por exemplo. O isolamento nos levou a um momento de extremo uso das redes sociais e da virtualidade. Devemos chegar ao final disso tudo não suportando mais essa realidade virtual. O ser humano deve valorizar ainda mais o contato com o outro, o olhar. A arte também deve ganhar muito valor, pois vamos comemorar a presença do outro com shows e espetáculos. A arte, tão desvalorizada por esse atual governo, pois somos chamados até de bandidos e corruptos, está salvando essa fase de isolamento com poesia, música e dança. É a arte que está nas varandas, dando conforto às pessoas. É essa arte que vai sair disso tudo ainda muito mais valorizada. O dinheiro também vai perder muito valor, não apenas porque a economia mundial vai sofrer grandes perdas, como nós também estaremos repensando o valor da vida e dos bens materiais. Nesse mundo pós-pandemia, haverá valorização do corpo, da arte e da presença das pessoas em colaboração com o outro. Mas teremos muita dor e uma conta enorme para pagar. É a cruel desigualdade social aumentando a dor dos mais pobres

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Devemos chegar ao final disso tudo não suportando mais essa realidade virtual. O ser humano deve valorizar ainda mais o contato com o outro, o olhar.

Viviane Mosé
Psicanalista, poeta e filósofa capixaba
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    Compramos um prédio no Centro de Vitória, na Rua Graciano Neves. A ideia é trazer a nossa editora de livros (a Usina Pensamento) para o Espírito Santo. A inauguração seria no início de maio. O local também contará com um pequeno teatro e um café bistrô. Assim que a pandemia passar, devemos abrir esse espaço para o grande público.

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