O Brasil vive uma realidade distópica. Uma agenda conservadora dita o comportamento da sociedade e a doutrina religiosa tenta dominar as esferas do poder. Claro que, para alguns, poderíamos estar falando do atual cenário politico do país, mas essa é a assombrosa premissa do filme "Divino Amor". Nunca a ficção pareceu tão real.
Novo trabalho do talentoso Gabriel Mascaro ("Boi Neon"), o longa-metragem - em cartaz no Cine Metrópolis - chega ao circuito após ser aclamado ao redor do mundo, especialmente nos Festivais de Sundance e Berlim, no início do ano.
Veja o trailer de "Divino Amor"
A euforia dos gringos confirma que o mundo ainda deseja entender as transformações sociais e políticas pelas quais o país está passando. Protagonista de "Divino Amor", Dira Paes (51) tem a resposta na ponta da língua. "Fiquei orgulhosa de ver como entenderam o filme e enxergaram que é uma pauta brasileira urgente. Além disso, é a confirmação de que não querem essa realidade no país deles. Esse fundamentalismo religioso está ocupando a racionalidade das pessoas", alerta a atriz, em entrevista ao Gazeta Online.
No Brasil de Mascaro, estamos em 2027 e vivemos em uma sociedade ultranacionalista, que propõe uma rigorosa taxa de natalidade e o foco recai sobre a família tradicional. Mulheres vão à praia cobertas até o pescoço, casais praticam orgias em um "swing gospel" e o Carnaval foi substituído por uma grande rave cristã.
"O filme foi pensado há quatro anos e filmado há dois. Não imaginava que, em 2019, o Brasil, de certa forma, também deixaria de ser um estado laico. Nunca pensei que a nossa democracia estivesse tão ameaçada como está agora", desabafa a atriz, citando a sua personagem no longa-metragem, Joana, como exemplo de mulher manipulada por uma sociedade dominada por dogmas.
"É uma pessoa de fé e reafirma esse sentimento através de seu trabalho burocrata. Institucionalizar a questão da fé me assusta. Ao ler o roteiro, achei necessário falar dessa dominação", complementa.
POLÊMICA
Dira sabe que "Divino Amor" está causando controvérsias e vai desagradar boa parcela da sociedade. "É necessário compreender realidades que não são nossas e isso serve como uma reflexão, uma provocação. Estamos com a sensação que a religião está indo além das fronteiras, institucionalizando regras que deveriam ser mantidas dentro de seus próprios dogmas", acredita, falando que algumas doutrinas vem pautando assuntos que dizem respeito somente ao Estado. "Quem se ofende com o filme veste a carapuça de que essa realidade é perigosa".
A atriz, conhecida por sua versatilidade e talento para interpretar personagens naturalistas, como vistos no filme "Amarelo Manga" (2002) e "Baixio das Bestas" (2006), por exemplo, não cansa de elogiar o talento de Gabriel Mascaro, que, além de dirigir, também escreveu o roteiro "apocalíptico" de "Divino Amor", ao lado de Rachel Daisy Ellis, Esdras Bezerra e Lucas Paraizo.
"Quando chegou o texto do Gabriel, eu falei: desejei tanto um roteiro que tocava em assuntos com os quais as pessoas não estão acostumadas a discutir. Com o roteiro, ele conseguiu a façanha de falar sobre fé e fazer isso sem julgamentos, sem juízo de valor, e sim como uma reflexão de onde o radicalismo pode nos levar", comenta.
Politizada, faz questão de ressaltar a realidade por que passa a classe artística do país, tão atacada por uma parcela da sociedade. "Nós tentamos fazer com que o nosso trabalho seja valorizado e não criminalizado. Precisamos entender que a arte é um lugar de liberdade de expressão. É um momento que você alça voos maiores, inusitados, aqueles que você nunca pensou. Para isso, a gente sempre vai precisar de uma parceria, seja do público ou seja daqueles que entendem a arte também como agente transformador. O mercado do entretenimento é um dos mais potentes do Brasil. Sempre será parceiro da sociedade", acrescenta.
VERÃO 90
Na correira com a divulgação de "Divino Amor", Dira Paes ainda divide o seu tempo com as gravações dos últimos capítulos de "Verão 90", a trama das sete da TV Gazeta que deve acabar no final de julho. Amorosa, ela se derrete em elogios para a sua personagem, a sofredora Janaína.
"Acho que é uma mãe universal. Durante toda a trama, refletiu a realidade da brasileira contemporânea, que precisa dar conta de todas as várias mulheres que existem dentro dela. Ela é essa mãe batalhadora, que se desafia para provar para o filho Jerônimo (Jesuíta Barbosa) que é possível vencer sem passar por cima de ninguém. A Janaína justifica a afirmação de que o alicerce da nossa sociedade é matriarcal. Saímos daquele lugar da mãe que não tem vida própria, somos o alicerce da família", acredita.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta