Recuo da Assembleia deve ser comemorado, mas deixa cicatrizes

Foi preciso uma saraivada de críticas e até ações na Justiça para que deputados renunciassem a vitória em eleição antecipada em mais de 400 dias. Ardil montado por parlamentares foi um tiro no decoro, que saiu pela culatra

Publicado em 04/12/2019 às 21h13
Fachada da Assembleia Legislativa do ES. Crédito: Arquivo
Fachada da Assembleia Legislativa do ES. Crédito: Arquivo

Foi preciso uma saraivada de críticas e até ações na Justiça, mas no fim o bom senso prevaleceu. Os deputados eleitos para a Mesa Diretora da Assembleia Legislativa do Espírito Santo para o biênio 2021-2023, em pleito antecipado em mais de 400 dias em relação à data originalmente prevista, anunciaram nesta quarta-feira (4) a decisão de renunciar. O recuo deve ser comemorado, mas deixa suas cicatrizes.

Bater em retirada era, sem dúvida, a melhor estratégia após o movimento esdrúxulo dos parlamentares. Desde a votação da PEC que permitiu uma eleição de todo prematura, realizada menos de 48 horas depois de uma alteração tão profunda nas regras, estava nítida a manobra nada republicana de escolher os adversários contra os quais se quer jogar, como apontou este jornal. A vitória naquela eleição já nascia conspurcada pela suspeição e pela incivilidade.

O ardil montado na Assembleia Legislativa foi um tiro no decoro, que saiu pela culatra. Ao antecipar a eleição, o grupo em torno do presidente reeleito da Assembleia, Erick Musso, planejava manter-se no poder por mais dois anos. Mas parece que se esqueceram de calcular o ônus político angariado com o remendo à Constituição, que deve custar a ser revertido.

Em uma “carta ao povo do Espírito Santo”, em que ironicamente citam “a estabilidade e harmonia entre os Poderes”, Musso e outros 21 deputados defendem a “comprovada legalidade” da antecipação das eleições. Se constitucional ou não, o Judiciário decidirá - duas ofensivas contra a medida foram apresentadas à Justiça Federal e ao Tribunal de Justiça do Estado. Mas os parlamentares signatários do documento deveriam ao menos ter recorrido a uma sabedoria antiga, bíblica, que prega que mesmo que tudo seja permitido, nem tudo convém.

Se a insídia armada na Assembleia serviu para alguma coisa foi para demonstrar que, apesar dos laivos autoritários de alguns parlamentares, o sistema de pesos e contrapesos da democracia está bem lubrificado. Esses vestígios de absolutismo, aliás, partiram até mesmo de deputados que pregam a nova política. Infelizmente, as práticas cheiram a naftalina.

Graças às reações dos outros Poderes e da sociedade organizada é que o resultado do pleito extemporâneo foi anulado. Mas essa é apenas uma das cabeças da serpente. É preciso também reverter a emenda que permitiu toda essa pressa na escolha da Mesa Diretora. Esse espetáculo de mau gosto não pode ter bis.

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