Congresso Nacional precisa de um moralizante corte na própria carne

Cada parlamentar custa 528 vezes mais que o salário médio do brasileiro, um absurdo fiscal e ético em momento em que cidadão veem sua renda derreter diante da alta de preços

Publicado em 10/07/2021 às 02h00
Fachada do Congresso Nacional, sede das duas Casas do Legislativo federal
Fachada do Congresso Nacional, sede das duas Casas do Legislativo federal. Crédito: Roque de Sá/ Agência Senado

Primeiro, pegue o orçamento total do Legislativo federal do país e divida pelo número de parlamentares. Em seguida, divida o resultado pela renda média do país. Com esse cálculo simples, chega-se à constatação de que o Brasil é a nação que mais gasta para manter seus congressistas, em relação ao ganho de sua população. Cada deputado e senador custa aos cofres públicos um valor 528 vezes superior ao salário médio do brasileiro.

A conclusão é de um estudo divulgado nesta semana, que também mostrou que o Brasil é o que tem as maiores despesas com financiamento público de partidos políticos e é o que tem o maior número de legendas. O orçamento anual por parlamentar é de US$ 5 milhões, quase R$ 25 milhões na cotação atual. Um número exorbitante, face aos R$ 46.943 da renda média anual dos cidadãos por eles representados. Tudo isso para financiar uma estrutura que tem atuação considerada “ruim” ou “péssima” por 49% dos cidadãos, conforme revelou pesquisa XP/Ipespe divulgada na última quinta-feira (8).

Análises precipitadas poderiam levar à hipótese errônea de que a culpa está somente na quantidade de políticos que povoam o Congresso Nacional. O próprio presidente Jair Bolsonaro já aventou a possibilidade de reduzir o quantitativo da Câmara dos Deputados dos atuais 513 parlamentares para 400. Não há embasamento para o número, apenas a alegação de que ele considera esse “um tamanho bom”. Antes do chefe do Executivo, outros também tentaram emplacar a ideia.

Arquivada em 2018, uma PEC propunha a diminuição de membros da Câmara para 386, e do Senado de 81 para 54 — de 3 para 2 por Estado. É a terceira proposta mais votada na consulta pública do Senado, com mais de 1,8 milhões de votos favoráveis, contra apenas 10 mil contrários. Mas o número de parlamentares não é fato decisivo no peso do Legislativo no Orçamento público.

À guisa de exemplo, a França tem 924 congressistas para representar 67 milhões de cidadãos, a um custo sete vezes menor. Quando comparado ao Reino Unido, o Congresso Nacional é 20 vezes mais caro que o parlamento britânico, somando os mais de 1,4 mil assentos da Câmara dos Lordes e da Câmara dos Comuns. O Brasil está tão fora da curva nesse quesito que, excluindo o país do estudo, a média de gasto dos outros países com seus parlamentos gira em torno de 40 vezes a renda média das suas populações. Não é nem 10% do que acontece aqui.

O cerne da questão, portanto, não é a quantidade de parlamentares, mas a qualidade das despesas. Algo que o brasileiro está cansado de saber. As famosas regalias das mais altas castas do serviço público, com supersalários, auxílios, apartamentos funcionais, carros oficiais, dezenas de assessores e gordas cotas de gabinete que cobrem até os gastos mais banais, como passagens aéreas, combustível, telefonia e serviços postais. Tão conhecida quanto as mordomias é a solução para esse absurdo, político, fiscal e ético, quando há tantas e tão mais urgentes necessidades para os recursos públicos: a tão esperada reforma administrativa.

A mesma prometida reforma que ajudou a guiar Bolsonaro ao Planalto e que agora, dois anos e meio após as eleições, tramita no Congresso totalmente descaracterizada, quase irreconhecível se comparada ao compromisso de austeridade do então superministro Paulo GuedesNão dá para falar em reforma administrativa séria sem mexer nesse vespeiro, cravou este jornal, neste mesmo espaço, ao atacar, entre outros desvios de propósito, a portaria do governo que retirou o abate-teto de salários de servidores aposentados que ocupam outros cargos públicos.

Enquanto patina na reforma administrativa, avança com propostas esdrúxulas para a reforma tributária, que em seu cordel de distorções não reduz desigualdades, onera os mais pobres e ainda afasta investidores. Uma máquina pública adiposa nunca foi justa, mas torna-se imoral em um momento em que os brasileiros veem seus salários derreterem diante da alta de preços e da inflação, sobretudo de itens básicos como água, luz, gás e aluguel. O Congresso Nacional precisa de um moralizante corte na própria carne. Tocar as reformas é urgente, mas essa urgência não autoriza atropelos, muito menos condescendências com os já tanto — e há tanto tempo — privilegiados.

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