Publicado em 23 de junho de 2025 às 07:02
A rejeição à CLT, somada à saída de milhões de jovens do mercado de trabalho e à taxa de desemprego nas mínimas históricas, vem ajudando a estimular o atual apagão de mão de obra na indústria.>
Em um contexto de ampliação de benefícios sociais, um número maior de jovens passou a estudar nos últimos anos, e os que se mantiveram empregados ou em busca de trabalho vêm demandando uma flexibilidade difícil de se encontrar no emprego com carteira assinada.>
É como se o jogo, tradicionalmente favorável aos empregadores, tivesse virado um pouco mais para o lado dos trabalhadores, como mostram dois levantamentos feitos a pedido da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e pesquisa Datafolha realizada neste mês.>
De acordo com o levantamento do Datafolha, 59% dos brasileiros acham melhor trabalhar por conta própria, ante 39% que se sentem melhor contratados por empresa. A pesquisa apontou também que, desde 2022, cresceu de 21% para 31% o número de pessoas que consideram mais importante ganhar mais do que ser registrado. Já os que valorizam a CLT mesmo com salário menor caíram de 77% para 67% nesse intervalo de tempo.>
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Dos levantamentos feitos pela Fiesp, o primeiro deles mostra que 20,5% das indústrias paulistas que procuraram novos empregados entre o início de 2024 e março deste ano não conseguiram contratar. O processo de busca de candidatos foi classificado como difícil ou muito difícil por 77,1% das empresas ouvidas.>
Outro levantamento, feito pelo instituto de pesquisa Locomotiva, ajuda a entender as razões dessa dificuldade, ao apontar para uma forte valorização do empreendedorismo e do trabalho por conta própria.>
De 1.503 de homens e mulheres de 18 a 59 anos abordados por telefone entre 23 a 30 de abril deste ano no estado de São Paulo, 63% avaliam que o trabalho formal oferece pouca flexibilidade para conciliar vida pessoal e profissional.>
Para 58% dos ouvidos, trabalhar por conta própria seria a principal escolha entre os diferentes setores da economia, contra 15% dos serviços, 12% do comércio, 11% da indústria e 5% da construção.>
Por fim, quando questionados sobre o que é importante para escolher um emprego, somente 36% apontaram salários e benefícios como fatores cruciais. O ambiente de trabalho é prioridade para 29%, a flexibilidade e o equilíbrio com a vida pessoal para 21%, e a segurança e a previdência para apenas 14% dos ouvidos.>
Para Renato Meirelles, presidente do instituto, a pesquisa mostra que o principal ativo valorizado pelos trabalhadores hoje é o tempo, e o contrato formal vai na contramão desse desejo.>
"O tempo é o que vale dinheiro, é o que pode ser rentabilizado para sustentar a família", diz. "Quando você assina carteira, vem a jornada 6x1, tem a obrigatoriedade de sair em um horário e sair em outro horário. Daí vem uma insatisfação, que não é nova".>
Na avaliação de Meirelles, esse movimento foi intensificado pela abertura de vagas nos aplicativos de transporte e de entrega e de vendas online.>
"O sujeito que abriu uma fábrica de boné agora vende em sites de venda online. Em vez de perder tempo indo e voltando do trabalho CLT, o motorista de aplicativo trabalha indo ou voltando para casa, dirigindo e ganhando dinheiro. Houve uma expansão de possibilidades para rentabilizar o tempo", diz.>
É a mesma avaliação de Marcello Souza, gerente de relações com o mercado do Senai-SP, que lembra que a participação dos jovens no mercado formal da indústria paulista se reduziu de 21,5%, em 2006, a 13% hoje.>
"Os jovens atualmente têm uma série de possibilidades na mesa, e o trabalho por conta própria cresceu bastante", diz Souza. "O avanço da tecnologia e a oferta de vagas por aplicativos de entrega ou transporte abrem espaço para formas de trabalho que não passam pelo modelo tradicional.">
Dados de pesquisa Datafolha feita neste mês mostram que essa mudança cultural não afeta apenas a indústria. Em dois anos e meio, aponta o instituto, cresceu a quase um terço da população o número de brasileiros que consideram mais importante trabalhar por conta própria do que com carteira de trabalho assinada.>
"O trabalhador foi ensinado que, numa situação de desemprego, vai ter que aceitar receber menos. E naturalmente, em uma situação de pleno emprego, ele só aceita receber mais ou se o seu tempo for valorizado através de jornada flexível", avalia Meirelles.>
A mudança da visão dos brasileiros sobre qual ocupação desejam se soma à saída de milhões de jovens da força de trabalho, como mostram dados do IBGE.>
Entre o primeiro trimestre de 2019, no pré-pandemia, e os primeiros três meses deste ano, 2,5 milhões de brasileiros entre 14 e 24 anos deixaram o grupo de pessoas que estão trabalhando ou buscando emprego, segundo a Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua).>
Isso aconteceu apesar de a força de trabalho total ter crescido em 3,7 milhões no período, estimulada pela maior participação dos mais velhos. Ao mesmo tempo, a taxa de desemprego se reduziu de 12,8% no início de 2019 a 7% no começo deste ano, o menor patamar para um primeiro trimestre desde 2012, quando começa a série histórica.>
O aumento nos benefícios sociais a partir de 2022 teve influência nesse processo, mas a boa notícia é que 55% dos jovens que deixaram o mercado de trabalho no período estão estudando, segundo cálculo de Daniel Duque, economista e pesquisador do FGV/Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).>
"A expansão do Bolsa Família causou uma redução da força de trabalho e um aumento da taxa de matrícula. Não é que todo jovem que parou de trabalhar foi estudar, mas houve um efeito positivo para a educação", afirma. "E isso será benéfico à qualificação da mão de obra no futuro".>
Por enquanto, não há soluções fáceis para resolver os problemas decorrentes da falta de mão de obra.>
Para Duque, a tendência é que cresça a pressão para redução dos encargos trabalhistas, o que facilitaria que as empresas paguem mais para atrair trabalhadores. Souza, do Senai-SP, diz que a indústria vem intensificando os projetos de aprendizagem industrial, além de transformar ocupações administrativas em ocupações industriais.>
Na avaliação de Meirelles, os empregadores precisarão reformular salários e a rigidez da carga horária. "Como fazer para lidar com essa nova realidade? Ter jornada flexível e pagar mais", afirma. "A lei da oferta e da procura vale também para o mercado de trabalho.">
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