Publicado em 10 de maio de 2020 às 15:13
As perspectivas sombrias do impacto da Covid-19 e a deterioração do quadro político estão levando a previsões cada vez mais pessimistas para a economia brasileira em 2020 e 2021.>
Elas já incluem cenários de crescimento nulo ou negativo também no ano que vem.>
A pandemia provocará um fato histórico e até então inimaginável: a queda anual superior a 10% nas horas trabalhadas no setor de serviços, de longe o maior conjunto de atividades na economia.>
Como comparação, a maior retração anual já registrada nesse item foi inferior a 1%, ao fim da recessão que tirou 7,2% do PIB no biênio 2015-2016, segundo dados da FGV Ibre.>
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Pelas projeções do órgão, o setor de serviços encolherá à taxa recorde de -4,4% neste ano e o PIB, de -5,4%.>
Os serviços representam 70% da economia e dos empregos, quase a metade deles informais. É o tipo de vaga que mais crescia desde 2016 e que já limitava o PIB devido à sua baixa produtividade.>
A retração nos serviços também contribuirá para derrubar a massa salarial em mais de 10% e a elevar o desemprego acima de 20%, tornando muito difícil a recuperação.>
Em outras recessões, os trabalhadores dos serviços sempre encontraram meios de obter renda, dando alguma sustentação à economia.>
Isso é limitado agora pelo isolamento e pela expectativa de um "abre e fecha" em razão de ondas da epidemia.>
Especialistas afirmam que a atual crise política também cobrará um preço alto do Brasil pela inviabilização de um ambiente favorável a reformas no Congresso. Sem um horizonte econômico positivo, as reformas poderiam servir de âncora, sinalizando uma estabilização mais à frente, sobretudo na área fiscal.>
Assim, o Brasil pode não ter notícias encorajadoras para estimular o consumo das famílias e os investimentos, que já sofrem um enorme baque.>
Em março, os investimentos em máquinas, construção civil e pesquisa recuaram 8,9%, o pior tombo em 25 anos. A produção de veículos cai 39% no ano e teve, em abril, o pior resultado desde a instalação de fábricas no Brasil, em 1957.>
O país também registrou deflação de 0,31% em abril, a maior desde 1998 e uma boa medida da depressão atual.>
Esses dados sugerem que a atividade tende a permanecer muito baixa, gerando pouca renda e arrecadação para bancar tanto a conta da crise quanto novos estímulos para acelerar o crescimento.>
"A grande novidade desta crise é o impacto nos serviços e a destruição de seus empregos. E não está claro se vamos implodir também o médio prazo. Além dos problemas que já temos, estamos construindo outros novos", diz Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro Ibre, da FGV.>
Matos não acredita em uma recuperação em "V". Segundo ela, se por um lado o governo quer sustentar a atividade com estímulos fiscais, por outro a crise política e a perspectiva negativa no campo das reformas inibirão o consumo, o emprego e os investimentos.>
A FGV Ibre prevê crescimento, em 2021, entre 2% e 3,8%, mas com enormes incertezas que podem alterar o quadro.>
No próprio setor de serviços, é uma incógnita o que acontecerá com atividades que concentram muita gente, como restaurantes, cinemas, shows e o setor aéreo.>
O economista-chefe do banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, prevê um PIB negativo de -3% em 2021 após queda de -7% em 2020.>
"Há um fluxo de medo invadindo o cenário. Além dos graves efeitos da epidemia, está difícil enxergar uma estabilização política que favoreça ajustes", diz Gonçalves.>
Para Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, o Brasil pode não crescer nada em 2021 pelos impactos da atual crise política e por já estar gastando, neste ano, boa parte da munição fiscal que teria para estimular a economia.>
"O governo vem direcionando uma metralhadora nos próprios pés na política, e a perspectiva é que não aprove mais nada de relevante", diz.>
A Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, também não crê em recuperação em "V" e começa a alterar para pior a sua percepção futura. "Nosso cenário mais pessimista vai se tornando cada vez mais provável, com o risco do pós-crise crescendo em um quadro de expansão do gasto público sem coordenação", afirma Felipe Salto, diretor-executivo da IFI.>
Na previsão pessimista, o PIB cairia -5,2% neste ano e cresceria só 0,5% em 2021.>
Como o tamanho da economia serve de denominador para o cálculo da dívida pública, ela aumentaria de 90% do PIB ao final deste ano para 94,4% no próximo, podendo ultrapassar os 100% em 2023.>
Salto acha pouco provável que a receita tributária aumente com vigor de 2021 em diante para compensar os pacotes emergenciais, que só neste ano devem somar R$ 440 bilhões, ou 6% do PIB.>
Mesmo em relação à ajuda emergencial aos que perderam o trabalho, há dúvidas se o governo não estaria gastando de uma vez boa parte da munição fiscal que poderá fazer falta mais à frente.>
Marcelo Neri, da FGV Social, calcula que cerca de 11,3 milhões de famílias beneficiárias do Bolsa Família (87% do total) puderam optar pela ajuda emergencial de R$ 1.200 por três meses quando antes recebiam, em média, R$ 192.>
Em muitos casos, em apenas um trimestre essas pessoas receberão o equivalente ao que ganhariam em 18 meses.>
"Fomos de um extremo ao outro, e é compreensível a tentativa de ser generoso e talvez errar para mais. Mas é um dinheiro que poderia ser empregado em programas mais focalizados depois.">
Trabalho dos economistas Naercio Menezes e Bruno Komatsu, do Insper, mostra que, se a ajuda emergencial de R$ 600, por três meses, atingir 32 milhões de pessoas (e serão mais), a taxa de pobreza no país cairá de 16,7% do total da população para 6%.>
Assim, além de ajudar as pessoas na crise, os benefícios poderão trazer dividendos políticos ao presidente Jair Bolsonaro a curto prazo.>
Segundo o Datafolha, desde que os valores começaram a ser pagos, Bolsonaro ganhou oito pontos de apoio entre os que recebem até dois salários mínimos (60% da população).>
"Parece haver um receio muito grande no governo de como a crise afetará a popularidade do presidente", diz Menezes. O risco seria Bolsonaro querer sustentar sua aprovação a um custo fiscal elevado.>
Repetir os auxílios emergenciais por muito tempo, no entanto, é considerado insustentável --e eles teriam de ser substituídos à frente pela volta da atividade econômica.>
Para o economista-chefe do BNDES, Fabio Giambiagi, no entanto, é provável que o Brasil tenha, em 2021, a menor taxa de crescimento entre todos os países do G20.>
Embora acredite em um PIB positivo no ano que vem, Giambiagi vê como muito desfavorável o cenário futuro.>
"Um ambiente de luta política entre governadores, Congresso e Presidência é tudo, menos algo que traga confiança para investimentos.">
Pelo lado do consumo, o quadro também é desafiador. O Bradesco estima, por exemplo, que as famílias sairão da crise até cinco pontos percentuais mais endividadas em relação à renda disponível.>
Nas projeções do banco, o PIB encolherá -4% neste ano, resultando em crescimento acumulado de 0,1% na década de 2011 a 2020 o menor, em períodos de dez anos, desde o início do século passado.>
Para 2021, a previsão do Bradesco é que o PIB cresça 3,5%.>
"Mas ainda existe muita incerteza sobre como será a pandemia e a saída do isolamento", diz Fernando Honorato, economista-chefe do banco.>
Em sua opinião, o fato de o presidente Jair Bolsonaro ter reafirmado há alguns dias a influência do ministro Paulo Guedes na economia de certa forma "blinda" a área.>
Já a consultoria Tendências projeta retração de -4,1% no PIB deste ano e crescimento de 3,6% em 2021 --algo insuficiente para fazer a economia voltar ao nível de 2019. "A piora do cenário político traz dificuldades, mas a aposta é que a agenda econômica seja retomada", diz Fabio Klein, economista da Tendências.>
Para José Márcio Camargo, professor da PUC-Rio, o mais importante agora é manter a renda dos afetados pela crise, sobretudo nos serviços, e tentar retardar ao máximo o fechamento de empresas.>
Nesse sentido, a ajuda emergencial aos informais e a redução de salários para evitar demissões no mercado formal teriam sido muito acertadas.>
"Mas o problema de fundo permanece: ninguém sabe quanto tempo de isolamento ainda temos pela frente", diz.>
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