> >
Mulheres da periferia têm workshop de finanças pessoais em Vitória

Mulheres da periferia têm workshop de finanças pessoais em Vitória

Muitas negras e de periferia, algumas vítimas de violência doméstica, elas estão aprendendo a lidar melhor com o dinheiro e conseguir ter um planejamento financeiro

Publicado em 18 de setembro de 2019 às 06:30

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura
Mulheres em workshop para aprender a mexer com finanças. (Natalia Bourguignon)

A auxiliar de serviços gerais Rosilaine da Rocha Nunes, 38 anos, mora com a filha e a sobrinha em Vitória. O dinheiro, ela conta, nunca sobrou. Mas decidiu que era hora de ter mais controle sobre as próprias finanças. O clique veio na semana passada, quando a geladeira quebrou. "Pensei 'eu tenho um dinheiro no banco, vou sair e comprar uma geladeira agora'. Quando eu vi, não tinha mais o dinheiro. Já gastei mais da metade do que eu achei que tinha, mas eu não sei onde ele foi parar. Só tenho um cartãozinho de débito. Fui passando...", explica.

Na última segunda-feira (16), Rosilaine se sentou ao lado de outras mulheres, de 19 a 60 anos, muitas negras e de periferia, para aprender a lidar melhor com o dinheiro e conseguir ter um planejamento financeiro.

Elas participaram de um workshop de finanças pessoais promovido pelo Instituto Das Pretas. O curso, que vai até sábado (21), quer conectar essas mulheres com as questões financeiras e dar a elas ferramentas para que consigam se organizar e realizar seus projetos.

Aspas de citação

São mulheres que não têm conta corrente, ou quando têm, é conjunta com o companheiro. Que não sabem fazer um investimento, que trabalham o ano todo e pagam conta com o 13º salário. Que não tem um real pra ir em Manguinhos descansar um dia, ou pagar um tratamento dentário, ou sair de casa e poder dar uma vida salubre para os seus filhos

Priscila Gama, presidente do Das Pretas
Aspas de citação

A nota técnica “Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher” do Senado Federal, aponta que 29% das mulheres vítimas de agressão não denunciaram os companheiros porque dependem financeiramente deles.

Para Priscila, tomar o controle sobre o próprio dinheiro pode significar a libertação das mulheres frente a uma série de violências. “Há uma relação entre a dependência financeira e as violências, os assédios. E não só os sexuais, mas também os morais. Como um pai que subestima a inteligência da filha e não deixa ela fazer uma faculdade. Isso acontece agora, em pleno 2019”, afirma.

SUSTENTO

Para a consultora e educadora financeira Ludmyla Oliveira, 30 anos, para passar a mensagem, é preciso falar de dinheiro em uma linguagem que seja próxima a essas mulheres.

Aspas de citação

Estamos em uma era que só se fala em investimento. Mas para quem está na periferia, o dinheiro que entra é o do sustento. Como a gente pode ensinar ela a gerenciar o pouco que tem, pensando no que ganha todo mês a longo prazo?

Ludmyla Oliveira, educadora financeira
Aspas de citação

Segundo Ludmyla, os bancos têm facilitado o acesso de pessoas de periferia às contas correntes, no entanto, é preciso que todas entendam o que é exatamente esse recurso, quais são as taxas, e como utilizar essa conta sem que ela acabe se tornando um prejuízo.

“Precisamos ensinar o que é um pacote de serviços bancários, quais as vantagens que você pode ter a longo prazo na relação com uma instituição financeira. Por que, ao invés de ir atrás de um cartão de crédito, que tem juros absurdos, não se programar para comprar uma televisão no fim do próximo ano?”, diz.

Em oficina, elas aprendem como se planejar. (Natalia Bourguignon)

Outra regra de ouro para manter as contas em dia é registrar todos os gastos do mês. Na falta de um computador, Ludmyla orienta que os registros sejam feitos em um caderno.

A especialista explica que a maioria dos brasileiros não têm as próprias contas na ponta do lápis e acaba não percebendo variações como aumento na conta de gás ou de energia elétrica, por exemplo.

A falta de um registro pode fazer ainda com que a pessoa se esqueça de parcelamentos feitos há mais tempo, mas que ainda estão correndo.

“Quando a gente passa a anotar e analisar no fim do mês, identifica os supérfluos. Claro que a gente precisa sair e se divertir, mas precisa sair para locais pagos todos os fins de semana? Ou tendo um propósito maior no futuro é possível reduzir esse gasto para conseguir juntar um pouco?”, questiona.

LIÇÃO

Essa foi a primeira lição que a vendedora Jacirene Correa, de 44 anos, aprendeu. “Sempre tive muita organização na minhas contas mas tem um certo momento que você acaba se perdendo se você não anota tudo certinho. Você vai numa loja e vê algo bonitinho e acaba comprando. Esquece que você já tem o dinheiro gasto, que ainda tem parcelas para pagar. Isso tudo acaba com a gente. Eu acabei vendo cada erro que a gente faz”, conta.

Jacirene ainda se recupera de um momento turbulento: um acidente com o marido o deixou sem trabalho por seis meses. Para completar, ainda tinham as dívidas do cartão de crédito. Durante esse período, o sustento da casa vinha somente dela. "Foi difícil, mas estamos desenrolando. Faço curso para ver a melhor forma de sair desses 'enrolos'"

Esse é o segundo curso de finanças que ela participa. No futuro, pretende auxiliar administrativamente na empresa da filha. Jacirene diz que agora os gastos estão mais conscientes.

"Muitas vezes a gente vai gastando só no crédito, crédito, e quando chega no final do mês a fatura é maior do que o que você ganha. Então tem que pensar. Qual é a necessidade de fazer algumas compras? Eu preciso mesmo ou só achei bonito? Aí você para e pensa", afirma.

Para a presidente do Das Pretas, o dinheiro foi colocado durante muito tempo como algo "sujo" ou "para homens", mas é fundamental que mulheres, principalmente de periferia, tenham autonomia e controle sobre as próprias finanças. "A gente tem sobrevivido há muito tempo. Eu quero parar de sobreviver, eu quero viver."

Este vídeo pode te interessar

 

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais