Em um revés para a equipe econômica do governo de Jair Bolsonaro (PSL), o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu nesta quarta-feira (19) manter o reajuste salarial previsto para servidores da administração pública federal para 2019.
A decisão contradiz Medida Provisória assinada em setembro pelo presidente Michel Temer, que adiou o reajuste salarial dos funcionários públicos civis federais de 2019 para 2020. A medida foi publicada em edição extraordinária do Diário Oficial da União (DOU) no dia 31 de agosto.
Nas contas do governo, o adiamento do reajuste traria uma economia de R$ 4,7 bilhões somente em 2019. A medida seguiu para o Congresso Nacional, mas não foi ainda discutida pelos deputados e senadores. Por se tratar de uma MP, contudo, o texto entra em vigor imediatamente. Ou seja, até a decisão desta quarta do ministro Ricardo Lewandowski, não haveria reajuste no ano que vem.
O ministro submeteu a liminar concedida para referendo do plenário - ainda não há previsão de quando os 11 ministros da Corte vão analisar o assunto.
"Nesse sentido, a meu sentir, com a proximidade dos recessos parlamentar e judiciário, faz-se necessário o deferimento da medida acauteladora, a fim de que se suspenda a eficácia de toda a Medida Provisória 849/2018, de modo a resguardar os direitos dos servidores públicos federais e prevenir a consumação de prática, aparentemente, inconstitucional, até que o Plenário deste Supremo Tribunal possa debruçar-se de maneira vertical e definitiva sobre as alegações trazidas aos autos", determinou Lewandowski.
Sem o adiamento, o novo governo não conseguirá abrir espaço dentro do teto de gastos, mecanismo que limita o crescimento das despesas à inflação. Essa folga era considerada necessária para evitar o risco de um apagão na máquina pública em 2019, com ameaça à prestação de serviços à população, pois os gastos com custeio e investimentos já estão bastante achatados no Orçamento do ano que vem. Caso a postergação do reajuste fosse aprovada, o governo poderia direcionar esses gastos para áreas mais necessitadas, como saúde, educação ou segurança.
Um dos documentos utilizados para embasar a decisão do ministro veio do Senado Federal, que sinalizou que o Palácio do Planalto não poderia ter editado duas MPs de conteúdo similar.
Temer já havia tentado adiar o reajuste no ano passado, numa MP que adiava os aumentos já aprovados por um ano e elevava aumentavam a contribuição previdenciária dos servidores que ganham mais de R$ 5,5 mil, de 11% para 14%. Ela, porém, teve alguns artigos suspensos por Lewandowski em dezembro do ano passado.
A manifestação do Legislativo contrária à MP foi encaminhada no mês passado pelo presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), numa sequência de várias iniciativas com impacto nas contas públicas no início do governo do presidente eleito, Jair Bolsonaro. Eunício articulou a aprovação do aumento de 16,38% no salário dos ministros do STF e a criação do Rota 2030, programa de incentivo às montadoras para investimentos em pesquisa e desenvolvimento.
Em dezembro do ano passado, Lewandowski já havia tomado uma decisão similar, suspendendo artigos de uma outra medida provisória que também adiavam em um ano o reajuste do funcionalismo federal e aumentavam a contribuição previdenciária dos servidores que ganham mais de R$ 5,5 mil, de 11% para 14%.
Para Lewandowski, os servidores federais sofrem uma discriminação injustificada e injustificável com relação aos demais, apenas porque seus ganhos estão entre entre o topo da escala de vencimentos do Poder Executivo Federal. Além disso, defendeu o ministro, o aumento salarial, é direito adquirido, não podendo ser postergado por uma ação unilateral do presidente.
Nesse sentido, entendo que não é difícil avistar, nesta segunda iniciativa presidencial, a quebra do princípio da legítima confiança e da segurança jurídica, assim como a vulneração de direitos já incorporados ao patrimônio dos servidores, afirmou Lewandowski.
No ano passado, o ministro também deixou para análise definitiva do colegiado o mérito das ações que contestavam o adiamento de 2018 para 2019, como deve ser feito em ações que tratam diretamente de aspectos constitucionais. No entanto, o processo não foi pautado em 2018 pela então presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, a medida provisória caducou, e o processo perdeu seu objeto - o que fez com que o plenário nunca se manifestasse sobre a temática, cenário que poderia reverter ou não o entendimento de Lewandowski.
ANÁLISE
A suspensão da medida provisória que previa reajuste de servidores públicos somente em 2020, com antecipação dos pagamentos para 2019, custará aos cofres públicos cerca de R$ 4,7 bilhões. Segundo Ricardo Lewandowski, ministro do STF que determinou a suspensão, o reajuste é fundamental, considerada a importância dos empregados que receberão o reajuste. No entanto, mais de 40% dos servidores contemplados são inativos, o que coloca em dúvida a boa intenção do ministro.
Fato é que o governo de Jair Bolsonaro começa com uma despesa adicional nada desprezível, se considerarmos que o déficit primário previsto pelo mercado para 2019 gira em torno dos R$ 130 bilhões. Isso deve prejudicar um tanto a condução das políticas econômicas e a eficácia das mesmas no ano que se aproxima. Os esforços para colocar as contas em ordem deverão ser maiores e, portanto, mais custosos para a sociedade.
Além disso, a medida talvez justifique certa mudança nas expectativas do mercado quanto à capacidade do próximo governo em ajustar as contas já o primeiro ano de mandato, como era o desejo de Paulo Guedes. Certamente, a reversão da recessão encontra-se, neste instante, mais distante, e pelo jeito bem mais difícil.
Juliana Inhasz é economista
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta