Publicado em 26 de julho de 2022 às 07:55
SÃO PAULO - O governo federal solicitou às principais estatais federais -Petrobras, BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal- que antecipem parte dos dividendos que seriam pagos apenas em 2023, retirando receitas que seriam recebidas pelo próximo mandato.>
O pedido faz parte de uma tentativa de neutralizar neste ano os efeitos da emenda constitucional que liberou R$ 41,25 bilhões às vésperas da eleição e das renúncias fiscais decorrentes da desoneração de combustíveis.>
A requisição foi feita após reações negativas do mercado financeiro sobre o tratamento com as contas públicas no episódio. O governo entende ser ideal buscar atenuar o impacto da emenda buscando novas receitas, embora não seja obrigado a compensar os gastos nesse caso.>
A emenda promulgada já havia dispensado os recursos de atenderem às principais regras sobre as contas públicas -como a meta fiscal (resultado de receitas menos despesas a ser perseguido pelo governo), o teto de gastos (que impede o crescimento real das despesas federais) e a necessidade de compensações orçamentárias. A lei que autorizou subsídios para combustíveis também dispensa o cumprimento de diferentes artigos da Lei de Responsabilidade Fiscal.>
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Apesar das dispensas, o secretário especial do Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, Esteves Colnago, afirma que o governo prefere que os efeitos extraordinários das medidas nas contas públicas em 2022 sejam cobertos também com receitas extraordinárias.>
"Foram criadas obrigações excepcionais, que nós pagamos também com receitas excepcionais", complementou. "A parte de despesas já foi arcada com uma receita que não estava entrando, mas a gente gostaria que a parte do índice de receitas também fosse arcada com receita extraordinária", disse.>
"Para essas despesas que foram criadas de forma emergencial com a PEC e com a perda de arrecadação da Lei Complementar 194, que somam R$ 58 bilhões, a gente está buscando ter receitas extraordinárias na mesma magnitude", afirmou Colnago.>
O governo questionou em ofício se as quatro principais estatais têm condições de aumentar o repasse aos acionistas, se aproximando de 60% do lucro no caso do BNDES, por exemplo, e mudar a periodicidade do pagamento de semestral para trimestral.>
"Enviamos um ofício geral em que a gente pede para que eles estudem a possibilidade, respeitada a política de investimentos e respeitados os eventuais requerimentos de Basileia [indicador de solvência dos bancos], o que eles podem eventualmente pagar de dividendos e se eles podem nesse exercício pagar trimestralmente e não semestralmente", disse.>
Questionado sobre a retirada de recursos de 2023, Colnago respondeu apenas que a decisão ainda não está tomada.>
O secretário ponderou que a Petrobras já efetua pagamentos trimestrais, mas que o ofício não foi personalizado para cada empresa. Segundo o secretário, o Banco do Brasil respondeu dizendo que não seria possível atender ao pedido.>
Das quatro, Caixa e BNDES são as únicas que pagam dividendos semestrais -com isso, os pagamentos referentes ao resultado da segunda metade de 2022 são previstos apenas para o início de 2023. Se passarem a depositar os recursos para o Tesouro trimestralmente, como propôs o governo, o resultado do terceiro trimestre já poderia entrar nas contas deste ano.>
Até o momento, o governo já tem garantido o pagamento por parte do BNDES de R$ 18,9 bilhões, referente aos lucros obtidos em 2020 e 2021.>
Enquanto o custo total estimado da PEC (proposta de emenda à Constitucional) promulgada pelo Congresso que liberou os benefícios sociais é de R$ 41,25 bilhões, o gasto extraordinário gerado por outra medida, a redução dos impostos federais sobre combustíveis, terá um custo de R$ 16,51 bilhões.>
Juliana Damasceno, economista-sênior da Tendências Consultoria, afirma que a antecipação gera um efeito contábil e que o movimento chama a atenção pela busca de receitas enquanto se ampliam as renúncias tributárias.>
"Curioso, para não dizer contraditório, renúncia de um lado [enquanto] incentiva recolher dividendo antecipado de outro", afirma.>
Procurado pela reportagem, o BNDES informou que o pedido está sob análise. A Petrobras disse que já respondeu ao ofício e que as sugestões do governo já estavam em sua política de remuneração a acionistas. O BB afirmou que já paga aos acionistas 40% do lucro líquido, mais que os 25% exigidos por lei -embora diga que a política prevê a revisão periódica dos parâmetros. A Caixa não se pronunciou até a publicação deste texto.>
Além da busca por receitas, o governo tem destacado diversos indicadores para argumentar que as contas públicas estão saudáveis neste ano, em grande parte pela melhora substancial da arrecadação.>
Mesmo com todo o corte de impostos feito neste ano, por exemplo, a projeção feita ao fim do terceiro trimestre para as receitas federais em 2022 subiu R$ 59 bilhões.>
Ainda que não tenha as receitas extraordinárias com a antecipação de dividendos, o Ministério da Economia já estima que o governo central possa encerrar 2022 com superávit fiscal -o primeiro em oito anos- ou com déficit próximo de zero (embora outro fator, a PEC dos Precatórios, tenha ajudado a postergar boa parte das despesas que deveria ser computada neste ano).>
"A gente está caminhando para chegar no final do ano com déficit muito baixo, próximo de zero, ou com superávit. Seria o primeiro superávit fiscal após oito anos", disse Colnago em entrevista coletiva para detalhar o relatório de avaliação de despesas e receitas referente ao terceiro bimestre de 2022.>
"A expectativa que está se consolidando é que nesse final de ano a gente tenha superávit ainda que pequeno do governo central", complementou. O governo central reúne as contas do Tesouro Nacional, da Previdência Social e do Banco Central.>
Na última sexta-feira (22), o Ministério da Economia anunciou que a projeção para o déficit primário (que não considera os gastos com juros) do governo central em 2022 diminuiu R$ 6,1 bilhões do relatório anterior para o atual -de R$ 65,5 bilhões para R$ 59,35 bilhões.>
Quanto ao bloqueio de R$ 6,7 bilhões do Orçamento de 2022 para cumprir o teto de gastos, que impede o crescimento das despesas federais acima da inflação, o secretário disse, sem dar detalhes, que os Ministérios da Saúde e da Educação devem estar entre as áreas atingidas.>
"É natural que tenha tido contingenciamento nesses ministérios, como Saúde e Educação, o orçamento deles é muito grande. É natural que tenha nesses órgãos, não é uma falta de critério", afirmou.>
Com o desbloqueio de R$ 2,5 bilhões do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), Colnago reconheceu que haverá uma demanda maior por bloqueio orçamentário em outras pastas.>
Colnago também afirmou nesta segunda que a PLOA (proposta do Orçamento) para 2023, que precisa ser enviada pelo governo ao Congresso até 31 de agosto, deverá prever o pagamento do Auxílio Brasil de R$ 400, em vez do benefício turbinado de R$ 600 estimado até o fim do ano.>
"Temos um marco legal e a obrigação do marco legal é de um auxílio de R$ 400. Acho que não vamos ter uma mudança de marco legal até a PLOA. Acho que a PLOA deve vir com [Auxílio Brasil de] R$ 400", disse.>
Caso o Auxílio Brasil de R$ 600 se torne permanente em 2023, como tem prometido o presidente Jair Bolsonaro (PL), o secretário do Tesouro e Orçamento estima um impacto fiscal adicional entre R$ 50 bilhões e R$ 60 bilhões.>
Como esse valor tem de caber dentro do teto de gastos, o governo se veria obrigado a cortar despesas discricionárias, ou seja, não obrigatórias. De acordo com Colnago, seria um desafio e o engessamento do orçamento prejudica os diversos Poderes.>
"As últimas discricionárias [não obrigatórias] estavam em R$ 120 bilhões, R$ 130 bilhões [ao ano]. Ao criar um conjunto de obrigatórias que somam R$ 50 bilhões, R$ 60 bilhões, nosso volume de discricionária vai cair para R$ 70 bilhões, o que seria muito difícil ao longo do exercício", afirmou Colnago.>
"Em torno de R$ 70 baixo [bilhões], talvez a gente consiga sobreviver, os ministérios teriam dificuldade, mas poderiam manter o mínimo das políticas", completou.>
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