Publicado em 9 de outubro de 2020 às 07:45
A falta de clareza do governo Jair Bolsonaro sobre as medidas econômicas a partir de 2021 entrou no radar das agências de rating e é vista como um risco para a nota do Brasil. >
A classificação do país está três degraus abaixo do nível de bom pagador e é inferior à de pares emergentes como México, Colômbia e Peru.>
"A falta de visibilidade a partir do ano que vem poderia nos levar a rever a trajetória fiscal e começar a assumir uma [situação de] dívida mais alta, com riscos maiores sobre a nota", afirma à Folha Livia Honsel, analista principal para o Brasil da S&P Global Ratings (antiga Standard & Poor's).>
Apesar de ter mais seis meses para uma nova avaliação sobre o país, a agência pode fazer uma revisão a qualquer momento caso os analistas entendam que precisam calibrar melhor as expectativas de investidores.>
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O alerta é dado enquanto o governo emite sinais trocados sobre a política econômica.>
O ministro Paulo Guedes (Economia) afirma que o estado de calamidade pública vai até o fim do ano, por exemplo, mas internamente membros da pasta reconhecem que um mecanismo para flexibilizar regras fiscais pode ser usado em 2021.>
Além disso, o programa social Renda Cidadã foi anunciado no mês passado usando recursos que quitariam dívidas já reconhecidas pela Justiça (os precatórios).>
A falta de pagamento dessas obrigações foi criticada por analistas por não representar um corte de despesas e por gerar um acúmulo de passivos nas contas do Tesouro. A ideia, segundo Guedes, foi abortada.>
Apesar de a agência reconhecer que os debates sobre o futuro pós-Covid podem ser complexos, a indefinição é mais um risco a jogar contra o Brasil, ao lado de fatores como a dívida já elevada em relação ao PIB (Produto Interno Bruto), a perspectiva de baixo crescimento no médio prazo e o atraso na agenda de reformas.>
"Estamos esperando para ver como avança esse debate. Sabemos que o tempo é curto e, com as eleições municipais em novembro, vão ser meses tensos", afirma Honsel.>
A consequência de uma eventual saída de Guedes, como tem sido especulado pelo mercado, depende menos da pessoa em si e mais do sinal de compromisso do governo com as contas públicas.>
"Nós não avaliamos nomes ou personalidades, mas os resultados. Tudo depende da continuidade", afirma.>
"É um ministro que defende austeridade. Se ele fosse embora, a reação do mercado seria negativa, mas do ponto de vista do rating a avaliação seria como vai continuar o compromisso com a consolidação fiscal sob outro ministro", diz.>
A possibilidade de alteração do teto de gastos -regra que limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior-- é monitorada de perto pela agência.>
Por um lado, Honsel pondera que a alteração da regra pode ser amenizada caso seja acompanhada de outros compromissos do governo.>
"Uma alteração do teto talvez não seja o sinal mais positivo, mas [a avaliação] depende de vários fatores como o tamanho da alteração, se essas medidas serão compensadas por outras, se serão acompanhadas com certo compromisso no avanço das reformas estruturais", afirma. "Tudo é relativo", diz.>
Por outro lado, a agência entende que uma mudança do teto em meio ao atual cenário pode acabar deteriorando o consenso político sobre a importância da responsabilidade fiscal e causar incerteza no mercado.>
Segundo a S&P, isso levaria a potenciais efeitos negativos nas expectativas de recuperação econômica, estabilidade financeira e inflação.>
Uma escalada nos gastos pode levar a novos rebaixamentos, uma vez que a agência considera em seu cenário base que haveria uma retomada do ajuste fiscal a partir do ano que vem.>
Por isso, um compromisso político concreto com a responsabilidade fiscal é considerado essencial pela agência.>
"Se não for o caso, se o déficit continuar mais alto que nosso cenário base, e isso levar a dívida a aumentar a níveis que não esperamos, poderia haver um cenário diferente, mais negativo e que poderia nos levar a um downgrade do rating", diz Honsel.>
Na avaliação de abril, a S&P reafirmou seu rating de longo prazo BB- para o Brasil e rebaixou a perspectiva de positiva para estável.>
A alteração refletiu as menores chances de uma elevação na nota por causa do impacto da pandemia, com condições econômicas mais desafiadoras e menos propícias para um avanço relevante na agenda de reformas.>
A agência não entende haver uma data-limite para a aprovação das reformas e incorpora em seu cenário base uma demora no andamento das medidas, em razão da complexidade das discussões. Até mesmo porque, ainda que elas sejam aprovadas em 2021, a agência não espera um impacto no curto prazo.>
Mesmo assim, um avanço mais lento que o esperado sinalizaria que ajustes fiscais vão demorar mais, o que prejudicaria as avaliações. "A questão das reformas é chave para a trajetória do rating no médio prazo. Sem elas, vai ser difícil esse rating melhorar", afirma.>
Reformas microeconômicas e regulatórias têm maior probabilidade de avançar, por outro lado, como ocorreu recentemente com a nova lei de saneamento (que amplia a participação do setor privado no setor).>
Os ratings do Brasil são prejudicados atualmente principalmente pelo desequilíbrio fiscal e pelo baixo crescimento econômico.>
"Depois de uma recuperação de 3,5% no ano que vem, por enquanto não vemos crescimento mais forte nos próximos anos, o que significa que essa avaliação econômica continuaria pesando negativamente no rating", diz.>
Por outro lado, as reservas internacionais, a baixa dívida externa, a política monetária considerada proativa, a taxa de câmbio flutuante, a composição favorável da dívida e um ativo mercado de renda fixa local contam positivamente e barram uma piora maior na percepção de risco.>
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