Publicado em 8 de outubro de 2020 às 20:48
A moeda brasileira entrou em uma trajetória de desalinhamento em relação aos fundamentos econômicos de longo prazo do país que supera aquilo que ocorreu durante a crise eleitoral de 2002 e representa um recorde desde a adoção do atual regime de câmbio livre, em 1999.>
De acordo com cálculos do pesquisador do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) Livio Ribeiro, esse descasamento representa uma depreciação de quase 40%. Ou seja, para um câmbio médio em torno de R$ 5,40, o valor sugerido pelos fundamentos estaria próximo de R$ 3,90. Em 2002, esse desalinhamento foi de cerca de 30%.>
"Os modelos sugerem claramente que a gente está em um momento de 'overshooting' cambial, ou seja, a moeda depreciou mais do que seria sugerido pelos fundamentos de longo prazo", afirmou Ribeiro ao apresentar os dados durante reunião de conjuntura com cerca de 30 pesquisadores da instituição.>
"É um momento comparável a 2002 e 2003, que foi o último evento de grande depreciação da moeda, ligado à percepção de risco eleitoral na eleição do presidente Lula", disse.>
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Segundo o pesquisador, na época, o risco político acabava se refletindo na questão fiscal, com uma possível mudança no tripé macroeconômico. Desta vez, os fatores de incerteza também estão relacionados ao futuro da política fiscal a das contas públicas.>
A relação entre a taxa de câmbio brasileira e os fundamentos econômicos foi calculada utilizando o modelo BEER (taxa de câmbio de equilíbrio comportamental, na sigla em inglês). O modelo utiliza indicadores ligados aos fundamentos de comércio internacional (termos de troca, diferencial de produtividade e comercializáveis versus não-comercializáveis), que têm se mostrado determinantes para explicar as variações do câmbio no longo prazo.>
Um cálculo considerando a média de oito modelos com essas e outras variáveis (como juros, dívida, risco país e passivo externo) mostra resultados muito próximos para 2020 e também para 2002.>
?Segundo o pesquisador, é possível que essa diferença demore a cair. No governo Lula, a moeda só encontrou seu patamar de equilíbrio com os fundamentos em 2005.>
As projeções do Ibre são de uma taxa de câmbio de R$ 5,35 em 2020 e R$ 5,55 em 2021. No cenário mais otimista traçado pelo economista, o dólar voltaria para R$ 5,30 no próximo ano. No pessimista, iria a R$ 5,80.>
Também foram feitos cálculos que comparam o real com outras moedas e buscam identificar os fatores desse desalinhamento.>
A moeda brasileira apresenta desde abril um comportamento descolado dos principais países emergentes, que por sua vez têm uma performance pior que os países desenvolvidos, que possuem mais ferramentas para enfrentar a crise gerada pela pandemia.>
"Você está começando a abrir uma diferenciação grande entre o mundo desenvolvido e o mundo emergente. O mundo desenvolvido tem mais margem de manobra, consegue lidar melhor com a crise, tem mais espaço fiscal e, mesmo que não tenha espaço fiscal, tem moeda forte, se financia em moeda doméstica. Para nosso azar, a nossa moeda descola ainda mais. Isso nos sugere que tem alguma coisa específica acontecendo com o Brasil", afirma Ribeiro.>
Ao decompor os fatores da depreciação em externos, domésticos e diferencial de juros, a conclusão é que este último teve alguma importância, mas não de modo a superar a tendência gerada pelos outros dois, em especial, as questões internas.>
Segundo Ribeiro, desde o final de abril, são pouquíssimos os momentos em que fatores domésticos ajudaram no fortalecimento da moeda. Em geral, puxaram a depreciação, muitas vezes se contrapondo ao cenário externo, que em alguns momentos atuava no sentido de valorizar a moeda nacional.>
"Essa incapacidade do Brasil de absorver uma melhora no mundo ou, colocando de outra forma, a nossa capacidade de nos atrapalharmos não é uma propriedade dos últimos dias, tem acontecido há bastante tempo. Qualquer corte que você queira usar na avaliação dos fatores domésticos e externos, consistentemente, com pouquíssimas exceções, os fatores domésticos operam na direção de depreciar a moeda", afirmou.>
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