Educação é a saída para o fim do preconceito

Trans conseguiram o que há pouco era impensável: entrar na universidade

Publicado em 14/06/2018 às 18h54
Atualizado em 29/01/2020 às 17h48

Textos: Diná Sanchotene, Guilherme Sillva, Mariana Perim e Siumara Gonçalves

Fotos: Ricardo Medeiros

Eles ainda são exceção, mas começam a impor presenças no espaço universitário. Julia Santigliani, Pedro Cruz e Miguel da Silva Rosário são transexuais que conseguiram frequentar aulas de um curso superiore são privilegiados, já que a maioria não consegue sequer concluir a educação básica. Cerca de 90% dos transexuais e travestis no Brasil recorrem à prostituição por falta de outras opções de trabalho, segundo a Agência Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).   

De acordo com a Pesquisa Inédita sobre Homens Transexuais, Mulheres Transexuais e Travestis da Região Metropolitana da Grande Vitória 2018, realizada pelo Instituto Jones dos Santos Neves, que ouviu 147 entrevistados, 25,9% desse público atualmente estuda e 73,5% já estudou. Dos ouvidos, 34% interromperam os estudos entre os 15 e 17 anos, e entre os motivos para a atitude 31,3% disseram ter sofrido preconceito ou agressão na escola. A pesquisa mostra ainda que 24,8% dos entrevistados atualmente frequentam o ensino superior, 4,9% frequentam uma pós-graduação e 1,2% está atualmente no mestrado.

O ambiente universitário é muito familiar para Pedro Cruz Gasparini, 20 anos. Cursando Fotografia na Universidade de Vila Velha (UVV), ele conta que sempre se sentiu confortável nesse espaço. "Desde o momento da matrícula, o meu nome social foi colocado na carteirinha, na lista de presença e os professores e colegas sempre me chamaram de Pedro. Nunca ouvi o meu nome de batismo. Minha família sempre me incentivou a fazer um curso superior. Quero trabalhar com fotografia assim que me formar", conta. 

Atualmente, nove alunos na instituição solicitaram a utilização do nome social nos registros acadêmicos. A diretora de Planejamento do Ensino de Graduação, Gesiane Silveira, explica como a UVV se porta em relação ao aluno transexual e à escolha dele de querer ser reconhecido pelo nome que escolheu de acordo com sua identidade de gênero, e não apenas pelo nome no registro civil.

"A universidade respeita os estudantes e toda a subjetividade humana, por isso, em consideração à identidade de gênero dos alunos, adota nos registros acadêmicos o nome social’ sempre que requerido. Apoia ainda iniciativas de grupos de discussão que se formam espontaneamente na universidade como, por exemplo, o Empoderades, que aborda questões sobre diversidade de gênero, orientações sexuais e seus direitos de expressão e participação. No campus, foi criada a "Praça da Diversidade", um símbolo que lembra a todos a importância do respeito mútuo e da celebração da diversidade".

PERSISTÊNCIA EM BUSCA DE ESPAÇO

Estudo realizado pela Secretaria de Educação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais (ABLGBT), divulgado em dezembro de 2016, mostra que 73% dos estudantes que não se declaram heterossexuais no Brasil já foram agredidos verbalmente na escola. Já as agressões físicas ocorreram com um a cada quatro desses alunos. Dos 1.016 jovens ouvidos na pesquisa, 55% afirmaram ter ouvido, ao longo do ano anterior, comentários negativos especificamente a respeito de pessoas trans no ambiente escolar, e 45% disseram que já se sentiram inseguros devido à sua identidade/expressão de gênero.

Com um ambiente tão hostil, é quase um milagre que um adolescente transgênero termine o ensino médio. Para o professor Davis Alvim, do Mestrado em Ensino de Humanidades do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), que pesquisa questões de gênero, é preciso que as escolas e instituições de nível superior se adaptem.

"Temos um processo de não escolarização desse grupo de pessoas, já que muitas são empurradas para a prostituição. Elas sofrem preconceito na própria escola, já que não se sentem adaptadas ao espaço escolar, e saem sem aprender", explica. 

Davis ressalta ainda que é importante a formação de professores que compreendam a questão de gênero, para que sejam preparados a lidar com a diversidade. "Precisamos apostar em políticas, como cotas de permanência para os alunos, e também políticas de entrada de professores transexuais na rede escolar", defende.

INSTITUIÇÕES SE ADEQUAM À RESOLUÇÃO FEDERAL

Para ter um ambiente cada vez mais diverso e respeitoso, as faculdades da Grande Vitória têm se adequado a nova realidade e diversidade de alunos. Na Ufes, a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis e Cidadania explica que estudantes travestis e transexuais têm garantida – pela resolução 23/2014 do Conselho Universitário – a utilização do nome social em documentos de uso interno, como diários de classe, lista de presença, divulgação de notas e resultados de editais, tanto os impressos quanto os emitidos eletronicamente.

De acordo com a Pró-Reitoria de Graduação, a Ufes tem sete estudantes com nomes sociais, dois formados e cinco matriculados. O estudante é quem solicita, no ato da matrícula, a inclusão do nome social. No diploma, irá constar o nome civil e o social.

A Estácio de Sá está se adequando à resolução federal. A instituição criou o Projeto Nome Social e vem realizando ajustes em seus sistemas internos, que envolvem alterações nas telas de atendimento e de dados cadastrais, mudanças nos diários de classe, bem como criação de requerimentos para atender à solicitação do aluno. A Faesa permite que os alunos sejam reconhecidos pelo nome social e disponibiliza orientação ao aluno sobre qual o procedimento deve adotar.

"SOU UMA EXCEÇÃO POR TER FEITO FACULDADE"

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