Publicado em 26 de dezembro de 2024 às 09:18
Após intensas negociações, o Congresso Nacional aprovou nesta sexta-feira (15/12) a reforma tributária, conjunto de mudanças que busca simplificar a arrecadação de impostos no país, unificando tributos que hoje são cobrados sobre a produção e a comercialização de produtos e serviços.>
A aprovação é considerada um feito histórico por políticos e economistas. Por ser tratar de uma ampla mudança que impacta muitos setores econômicos e a arrecadação de União, Estados e municípios, a reforma levou décadas em debate até se conseguir chegar a um consenso. >
A unificação dos impostos não entra automaticamente em vigor, no entanto. Ainda será preciso o Congresso regulamentar detalhes do novo sistema, além de um período de teste e transição para calibrar o novo imposto que será criado.>
Após esse processo, o Brasil passará a ter um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA), modelo usado na maioria dos países e em quase todos os desenvolvidos. A expectativa é que ele esteja plenamente em funcionamento em 2033. >
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No caso brasileiro, o IVA terá dois componentes: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substituirá três impostos federais (IPI, PIS e COFINS), e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que unificará ICMS (estadual) e ISS (municipal). >
A futura alíquota do novo imposto, porém, é alvo de questionamentos. Críticos da reforma dizem que o IVA brasileiro vai elevar a carga tributária e citam projeções de economistas indicando que a alíquota pode chegar a 28%, a maior do mundo.>
"É inaceitável uma reforma tributária que nos impõe o maior IVA do mundo, ameaça investimentos, competitividade, e pressiona custos que recairão sobre todos nós!", criticou na rede social X o senador Rogério Marinho (PL-RN), ex-ministro de Desenvolvimento Regional do governo de Jair Bolsonaro (PL), em novembro, quando a reforma estava em debate no Senado. >
Embora ainda não seja possível cravar qual será a alíquota do IVA brasileiro, defensores da reforma reconhecem que será alta para padrões internacionais. No entanto, ressaltam que isso reflete o fato de o Brasil ter uma grande parte da sua arrecadação sobre produção e consumo – diferentemente de outros países com IVA menor que arrecadam mais sobre renda e propriedade.>
A ideia, destacam os apoiadores da mudança, é que o novo IVA arrecade exatamente o que hoje os cinco impostos (IPI, PIS, COFINS, ICMS, ISS) rendem às três esferas do poder público, sem, portanto, elevar a carga tributária atual.>
O objetivo de manter a mesma arrecadação é não desfalcar o caixa dos governos, já que esse dinheiro é usado para bancar serviços públicos, como escolas, hospitais e o funcionamento das polícias.>
Entusiastas da reforma dizem que a reorganização e a simplificação do sistema com a unificação dos impostos terão o efeito de impulsionar o crescimento e ampliar o poder de compra da população (entenda melhor ao longo da reportagem).>
"A reforma vai ser neutra em termos de não diminuir a arrecadação e não aumentar a carga tributária. Então, sendo neutra, isso quer dizer que os novos tributos (IBS e CBS) têm que arrecadar exatamente a mesma coisa que arrecadam hoje", sintetiza a especialista em questões tributárias Melina Rocha, diretora de cursos na York University, no Canadá.>
"Como a futura alíquota será correspondente à carga tributária de hoje, então o Brasil já tem esse maior IVA do mundo. Só que o novo sistema trará muito mais transparência", defende.>
Melina explica ainda que a alíquota base do IVA também ficará mais alta no Brasil devido aos descontos dados na reforma a alguns setores.>
Serviços de saúde e educação, por exemplo, pagarão um IVA equivalente a 40% da alíquota cheia. Já a cesta básica terá alguns itens com isenção total (não pagarão IVA) e alguns itens com alíquota reduzida (40% da alíquota cheia).>
Ou seja, para que alguns produtos e serviços tenham imposto menor, a alíquota padrão capaz de garantir a mesma carga tributária de hoje precisa ser maior.>
Segundo projeções preliminares do Ministério da Fazenda, o novo imposto brasileiro pode ficar entre 25,45% e 27%, mas esse cálculo será revisto, pois foi realizado antes de o Congresso realizar algumas alterações no texto que podem elevar a alíquota final.>
Já uma projeção do pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) João Maria Oliveira, também anterior a essas alterações, calculou que o IVA brasileiro poderia chegar a 28,4%.>
Hoje, o maior IVA do mundo é o da Hungria (27%). Os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) têm alíquota média de 19,2%. Dos 38 integrantes da organização, formada principalmente por países ricos, apenas os Estados Unidos não adotam o IVA.>
Para Melina Rocha, porém, não faz sentido comparar o IVA de diferentes países sem levar em conta o sistema tributário de cada um deles como um todo.>
"Não dá para comparar a alíquota nominal padrão de um país com outro, justamente porque esses outros países, que têm uma alíquota menor do IVA, têm uma alíquota muito maior sobre renda", argumenta.>
Segundo um relatório da Receita Federal com dados de 2020, a carga tributária média dos países da OCDE estava em de 33,5% do Produto Interno Bruto (PIB) naquele ano, enquanto a brasileira era de 30,9% do PIB.>
Já ao analisar o tipo de tributo, os dados mostram que a carga tributária sobre renda no Brasil era de 6,9% do PIB, contra 10,6% na média da OCDE.>
No caso da tributação sobre bens e consumos, o cenário se inverte: a carga brasileira estava em 13,5% do PIB, contra 10,8% na média da OCDE.>
Vale explicar que o PIB é o cálculo de riqueza produzida pelo país em um determinado espaço de tempo. Quando se calcula a carga tributária em proporção ao PIB, basicamente se está analisando o tamanho da arrecadação no ano em relação à riqueza gerada no país no mesmo ano.>
Estimativas preliminares de diferentes economistas têm apontado forte potencial de crescimento da economia a partir de ganhos de produtividade devido à simplificação tributária trazida pelo IVA.>
Uma projeção feita em 2020 por Bráulio Borges, economista-sênior da LCA Consultores e pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV), estimou que a adoção do IVA poderia elevar o PIB potencial brasileiro em 20% em 15 anos.>
Já as simulações dos economistas Edson Domingues e Débora Freire Cardoso, professores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), projetaram um ganho um pouco menor, de 12% no mesmo período.>
"[O Brasil tem um] Sistema bastante distorcido e complexo", nota o economista Manoel Pires, também pesquisador da FGV, em um artigo recente sobre a reforma tributária.>
"Existem impostos que se diferenciam por produto, várias alíquotas por região, legislações que se multiplicam, obrigações acessórias e elevado custo de conformidade que aumentam custos e conduzem a decisões econômicas ineficientes", continua, ao abordar os efeitos negativos do sistema atual.>
No artigo, Pires cita estudos que mostram impactos positivos da adoção do IVA em países como Canadá e China, como aumento de investimentos, vendas, geração de empregos e produtividade.>
Segundo Pires, esses efeitos positivos têm relação com a simplicidade do sistema e com o fato do IVA gerar créditos tributários ao longo da cadeia de produção, evitando o acúmulo de taxação.>
Ou seja, quando uma empresa compra um insumo de outra, o IVA incide sobre essa operação, mas, depois, essa empresa pode descontar o que pagou na compra do insumo do IVA que será pago na venda do seu produto. Esses descontos são o que se chama de créditos tributários.>
O sistema brasileiro hoje também tem geração de crédito tributários em algumas operações, mas a complexidade do sistema gera distorções e disputas jurídicas.>
"[A adoção do IVA] Desonera a cadeia produtiva acabando com a cumulatividade", diz Pires no artigo.>
Outro efeito positivo, afirma o pesquisador, é o IVA incidir sobre o consumo final.>
"[A adoção do IVA] Desloca a tributação da produção para o consumo, desonerando investimentos e exportações, aumentando a competitividade da economia", reforça Pires.>
Estudos mostram ainda que a reforma tributária deve aumentar o poder de consumo da população, em especial dos mais pobres. Isso porque a proposta em tramitação no Congresso prevê a criação de um sistema de cashback (devolução de impostos) para os brasileiros de menor renda, algo que já é adotado em outros países que usam o IVA, como Uruguai, Colômbia e Canadá.>
Melina Rocha ressalta, porém, que os ganhos esperados com a implementação da reforma tributária levarão tempo.>
"Há estudos que estimam aumento do crescimento econômico e da renda da população, mas isso não vai ocorrer de imediato porque o novo sistema só vai ser implementado completamente em 2033 por conta do período de transição", ressalta.>
Não é possível ainda dizer com certeza qual será a alíquota do IVA brasileiro porque isso dependerá da regulamentação da reforma e também de elementos práticos como possíveis perdas por sonegação.>
Por isso a projeção inicial da Fazenda estimou um possível intervalo, entre 25,45% e 27%.>
Para se calcular qual será a exatamente a alíquota, haverá uma fase de testes em 2026, em que será cobrado um CBS (IVA federal) de 0,9% e um CBS (IVA estadual) de 0,1%.>
Nesse momento, os outros cinco impostos continuarão em vigor, mas haverá desconto do que for arrecadado com o testo do CBS e do IBS, para não haver uma dupla tributação.>
A partir do que for arrecadado com essas alíquotas reduzidas na fase de testes, será possível calibrar qual será a alíquota do novo imposto.>
Mas ainda haverá uma fase de transição em que o IVA brasileiro será implementado gradualmente no lugar dos atuais impostos, até entrar totalmente em vigor em 2033.>
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