Publicado em 25 de julho de 2022 às 08:50
SÃO PAULO, SP - Principal aposta do governo federal nas eleições deste ano, o Auxílio Brasil de R$ 600 ainda nem foi pago, mas já chegará defasado para as cerca de 20 milhões de famílias em situação de pobreza que devem receber o benefício. >
O acréscimo de R$ 200 liberado de forma temporária de agosto a setembro - o benefício original é de R$ 400 - não deve trazer de volta ao carrinho itens básicos que deixaram de ser consumidos, como carne, leite e seus derivados, entre outros.>
O benefício extra não comprará o mesmo que o brasileiro comprava em 2020, quando o auxílio emergencial de R$ 600 foi pago por causa da pandemia de coronavírus e elevou a aprovação do governo Bolsonaro. Naquele ano, com R$ 200 no supermercado, o consumidor levava para casa 18 itens, incluindo arroz, feijão, carne, leite, ovos, queijo muçarela, macarrão, bolacha e alguns legumes.>
Neste ano, os mesmos itens custam mais de R$ 300, segundo a cesta básica do Procon-SP (Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor) e do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). Hoje, o carinho vem mais vazio, sem carne de primeira e a muçarela, que têm subido com a disparada do leite.>
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Os R$ 200 de 2020 representam atualmente R$ 163,91, segundo cálculos de Matheus Peçanha, pesquisador e economista do Ibre (Instituto de Brasileiro de Economia), da FGV (Fundação Getulio Vargas), feitos a pedido do jornal Folha de S.Paulo. Já os R$ 600 equivalem a R$ 491,72.>
Para ter o mesmo poder de compra de abril de 2020, as famílias deveriam receber R$ 732,12. Os R$ 200 deveriam ser corrigidos para R$ 244,04. A correção tem como base a inflação medida pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) acumulada em 22,02% de abril de 2020 a junho de 2022. Esse é o índice que mede a alta de preços para a de baixa renda.>
Para sobreviver, as famílias atendidas pelo Auxílio Brasil - que também receberam o auxílio emergencial - já cortaram alimentos básicos do carrinho de supermercado e devem cortar ainda mais. Essa é a situação na casa da autônoma Dyane Ayala, 39 anos.>
"Não dá para ter carne; frutas e legumes só quando dá mesmo ou quando chega uma doação. Naquela época, o leite estava R$ 3,89. Agora está R$ 8. Vou no mercado e vou cortando. Em casa, o leite eu cortei. A gente toma chá, café, toma o que tem", diz.>
Com um filho de 17 anos, ela faz malabarismo para sobreviver e conta com doações para alimentar a família. As dificuldades trazidas pela crise econômica e reforçadas na pandemia de Covid-19 fez com que Dyane passasse a se mobilizar para ajudar outros lares em situação ainda pior que a sua na região onde mora, na Vila Nova Curuçá, extremo leste da capital paulista.>
Em setembro de 2020, a dona de casa recebeu a reportagem e, mesmo na pandemia, a situação era outra. Na ocasião, comemorava a doação de alimentos básicos com sorriso no rosto e despensa cheia. "Se não tiver uma ajuda, não tem como sobreviver. A gente vai se ajudando, se fortalecendo juntos.">
O marido, de 42 anos, está desempregado e faz bicos na área de costura para tentar aumentar a renda da família. Ela já chegou a vender bolos, mas diz que o negócio não dá mais. "Não tem para quem vender e não dá para comprar os ingredientes.">
Edimaria dos Santos Marinucci, 31, mãe de Débora, seis, e Danilo, 13, acredita que, mesmo com o fechamento de 2020, os mais pobres estavam em situação melhor do que agora. "A gente estava tendo uma ajuda maior. O benefício era maior e também a gente tinha mais ajuda de cestas básicas e, hoje em dia, a gente tem menos. Nem tem mais cesta básica.">
Mara, como gosta de ser chamada, diz que a cesta ajudava porque trazia os alimentos necessários para o mês e, assim, ela podia comprar alimentos diferente para as crianças. Hoje, isso é raridade. "Tem sempre que esperar o final do mês, que é quando cai o auxílio. Aí compra aquela vez e come até onde der", diz.>
Na casa de Mara não se compra mais leite com frequência. Carne é um item que foi cortado. A salsicha é que compõe a "mistura" das crianças. "Você opta. Compra o arroz ou o feijão e a misturinha é uma salsicha. Não dá para comer bem, não." Ela faz bicos quando pode e está estudando para ser cuidadora de idosos.>
Matheus Peçanha explica que a inflação de 2020 estava focada em alimentos, principalmente por causa da seca, e prejudicou especialmente famílias mais vulneráveis. Neste ano, a alta de preços tem atingido todas as famílias, prejudicando essa transferência de renda voluntária.>
Claudio Considera, coordenador de contas nacionais do FGV Ibre e responsável pelo monitor do PIB (Produto Interno Bruto), afirma que a inflação em alta e o desemprego são os principais problemas que afetam as famílias e impedem o país de crescer.>
"O desemprego está se reduzindo, mas não na proporção que deveria. Estamos com uma taxa elevadíssima, de 9%. São 9 milhões de pessoas desempregadas. Como pelo menos duas pessoas dependem desse emprego, são 18 milhões de pessoas que podem estar neste grupo de fome", afirma.>
Os dados de consumo das famílias no monitor do PIB mostram o comportamento de compra nos lares. Até mesmo produtos não duráveis, que são os alimentos, tiveram queda em maio na comparação com os 12 meses do mesmo período anterior, o que demonstra retração no poder de consumo.>
Segundo Considera, em geral, o consumo geral das famílias subiu em maio, mas já demonstra comportamento de retração, apontando para a situação de dificuldade com a alta da inflação. O setor de serviços é que tem puxado o crescimento do PIB das famílias, mas isso não significa melhora na situação.>
O pesquisador diz que esse comportamento está ligado ao uso de transporte e restaurantes, itens obrigatórios a quem sai de casa para trabalhar com a abertura dos locais após o início da vacinação e distribuição de doses de reforço.>
Para o presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Erik Figueiredo, a distribuição do auxílio emergencial de R$ 600, na pandemia de Covid-19, segurou a piora da situação no país. Mesmo assim, em 2021, o Brasil fechou o ano com um milhão a mais de famílias na pobreza, segundo dados do instituto.>
"Considerando a linha de pobreza do Auxílio Brasil, em 2019, a proporção de pobres era de 9,32% e passou para 10,70% em 2021", diz. A explicação, segundo ele, são os benefícios pagos na pandemia. "A razão para isso foi forte injeção de recursos públicos no combate à pandemia, ainda em 2020, com o auxílio emergencial, benefício emergencial de preservação do emprego e da renda, entre outros programas", afirma.>
Estudos da FGV Social, no entanto, mostram um quadro ainda pior. De acordo com dados do órgão, o contingente de pessoas com renda domiciliar per capita (por pessoa da família) de até R$ 497 mensais atingiu 62,9 milhões de brasileiros em 2021, cerca de 29,6% da população total do país.>
"Este número em 2021 corresponde 9,6 milhões a mais que 2019, quase um Portugal de novos pobres surgidos ao longo da pandemia. A pobreza nunca esteve tão alta no Brasil quanto em 2021, desde o começo da série histórica em 2012" diz a análise.>
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