
Sou o autor desta coluna e hoje quero escrever em primeira pessoa a você que me lê. Tenho 34 anos. Saúde perfeita. Não pertenço a nenhum grupo de risco. Mas estou respeitando e seguirei respeitando o isolamento social. Especialmente nas próximas duas semanas (as mais decisivas nesta batalha contra a difusão do coronavírus no Brasil). E vou dizer por que farei isso.
Penso que, antes de tudo, é preciso entender o porquê do isolamento. Muita gente não está entendendo o ponto-chave. E a comunicação do governo federal não está ajudando nem um pouco a esclarecer.
O coronavírus acabou de chegar com tudo ao Brasil. A curva está em ascensão. O número de casos (testados e confirmados) tem se duplicado a cada dois ou três dias. Mesmo ritmo registrado na Itália, no auge da proliferação. Isso sem contar a subnotificação.
Se eu saio às ruas agora, corro o risco de contrair o vírus (que se pega da maneira mais banal possível, como já amplamente demonstrado).
Se eu contraio o vírus agora, ele vai ficar incubado em meu organismo, sem apresentar nenhum sintoma pelas próximas duas semanas.
Pela minha idade, pode até ocorrer (ninguém está imune), mas é estatisticamente muito mais provável que eu nunca chegue a manifestar sintoma algum. Observem, no entanto: mesmo sem saber, eu já estou com o vírus. Já o carrego comigo. Já sou um vetor, ou agente transmissor.
Inconscientemente, virei um "perigo ambulante" para os outros. Estou ajudando a espalhar o vírus.
Aí sigo circulando pelas ruas. E passo, sem saber, o vírus pra mais duas pessoas. Essas pessoas são jovens como eu. Seguem andando pelas ruas, como eu. Como eu, não sentirão nenhum sintoma.
Mas, sem nem sequer se darem conta, também passarão o vírus, cada uma, para mais duas pessoas. E assim sucessivamente.
Algumas delas, em algum momento, terão contato com idosos ou com outras pessoas mais suscetíveis à doença.
Então eu, jovem A, passei o vírus pro jovem B, que passou o vírus pro jovem C, que passou o vírus pro velhinho D (que com certeza vai morrer, por algo que começou comigo, o egoísta jovem A).
Ah, detalhe: o jovem C, que se achava indestrutível, acabou desenvolvendo a doença com gravidade. Tem enormes chances de morrer.
Agora pensem em muita gente agindo assim ao mesmo tempo. Muitas cadeias A-B-C-D se processando ao mesmo tempo. Boom! Hospitais superlotados em duas semanas. O sistema entra em colapso. Milhares de mortes a mais.
Sim, porque, na melhor hipótese, perderemos algumas milhares de vidas só no Brasil. Na pior, se continuar essa campanha do "bora voltar à normalidade já", podem apostar que serão milhares e milhares a mais.
Então, leitores, antes de entrarmos na pilha irresponsável que está sendo carregada pelo Palácio do Planalto, é preciso compreender a lógica de transmissão dessa doença e o risco de implosão do SUS, pra então compreendermos o porquê da importância do isolamento, agora e nas próximas duas semanas.
Então não vou ficar em casa só porque não quero ficar doente. Vou ficar, acima de tudo, porque não quero pegar esse vírus e passar pra outras pessoas. É hora de pensar também no outro. Questão de solidariedade.
E claro: vou ficar em casa porque eu posso. E em respeito aos irmãos que não têm esse mesmo privilégio.
Entendo perfeitamente quem não pode fazer isso, por motivos econômicos e profissionais. Tem muita gente que é obrigada a sair de casa diariamente para trabalhar neste momento, porque presta serviços essenciais à população, inclusive colegas jornalistas, no cumprimento do dever de manter as pessoas bem informadas. Mas é exatamente por essas pessoas que eu devo colaborar.
Se tenho essa opção enquanto tantos outros não têm, acho que é até uma obrigação moral me manter dentro da minha casa.
Então estamos diante de uma escolha civilizatória, na minha opinião. Qual é a opção que queremos fazer, como nação? Queremos ou não queremos salvar mais vidas dos nossos compatriotas?
Se podemos atenuar o número de mortes parando tudo agora, ponto. Se podemos ter 10 mil óbitos em vez de 50 mil, a gente nem deveria estar tendo mais esta discussão, para começo de conversa. Se podemos ter 1 mil mortes em vez de 2 mil, por que ainda estamos discutindo se devemos fazer isso???
É claro que estes números são aleatórios, porque ninguém pode dimensionar com precisão como será a evolução da pandemia no Brasil. Mas o ponto central é: todas as autoridades sanitárias do mundo inteiro convergem no entendimento de que, quanto antes um país promover o isolamento em massa, menos mortes haverá na população desse país.
Quanto antes um país fizer isso, mais chances esse país possui de desacelerar a proliferação do vírus, permitindo que seu sistema de saúde respire e que os pacientes, literalmente, tenham condições de respirar; permitindo que os médicos, consequentemente, possam salvar mais vidas.
A prioridade, penso eu, deveria ser sempre a preservação da vida humana. Principalmente por parte das autoridades que têm nas mãos o poder para adotar e estimular medidas que podem fazer toda a diferença para os cidadãos ameaçados de morte pela expansão da doença; medidas que, se tomadas ou não tomadas, podem literalmente determinar se um cidadão vai seguir vivendo ou não.
Não consigo conceber como é possível que alguém ainda mantenha concepção diferente, principalmente em se tratando de pessoas poderosas, empresários e governantes com poder de decisão – neste caso, decisão sobre a vida das pessoas.
É a falta de empatia levada ao extremo. É a suprema demonstração de banalização das vidas humanas. As mesmas que esses homens poderosos deveriam fazer de tudo para poupar.
Chega a ser criminoso.
ADENDO
Ah, mas e quanto à economia? Como disse: salvar vidas em primeiro lugar, enquanto temos chances de fazê-lo. Mas, sobre esse ponto específico do suposto conflito entre “salvar a economia ou salvar vidas”, darei minha opinião detidamente em um próximo artigo. Spoiler: essa dicotomia é falsa.
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