
Conforme o tempo passa e a pandemia do novo coronavírus avança no Brasil, ganha corpo e urgência no país o debate sobre a possibilidade de adiamento das eleições municipais inicialmente programadas para outubro.
Pode parecer distante, mas observe: já estamos a menos de três meses do início das convenções partidárias e a menos de quatro da largada oficial da campanha, prevista para 16 de agosto. A sobreposição do calendário eleitoral por essa quadra de enfrentamento à pandemia (com todas as consequentes restrições a aglomerações, circulação e contato físico entre as pessoas) tem levado dirigentes e líderes partidários a aumentarem a pressão por uma dilatação do calendário original.
A preocupação é pertinente. Não se trata apenas da campanha propriamente dita. Antes do tiro de largada, há todo um trabalho de preparação, de construção de candidaturas, de busca de apoios e de alianças, nos meses que antecedem a campanha: exatamente estes, de abril a julho. Com as restrições corretamente impostas (sobretudo por governadores) no esforço de achatamento da curva de contaminação, esse trabalho de pré-campanha, para muitos, já está comprometido.
O prejuízo tende a ser maior ainda para candidatos novatos e/ou com baixo recall político, que precisam tornar-se mais conhecidos e, literalmente, pôr o bloco na rua. Esses pré-candidatos não têm tempo a perder. Há uma ideia geral de que a manutenção do calendário, sob essas circunstâncias, favorece os rostos largamente conhecidos pelo eleitorado, em detrimento das caras novas.
A bola agora está com o Congresso e com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – especificamente, com o ministro Luís Roberto Barroso, que assume a presidência da Corte em maio, no lugar da ministra Rosa Weber. Por ora, não há consenso nem sobre a necessidade de adiamento nem sobre como fazer isso.
Eleições a cada quatro anos estão previstas na Constituição Federal. A priori, para se mudar isso, é preciso se mexer no livrinho. Senadores, como Major Olímpio (PSL-SP) já apresentaram PECs com essa finalidade.
Curiosamente, o grande detonador desta discussão foi o então ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que já nem está no cargo. No dia 22 de março, ele (um ex-deputado federal) declarou-se a favor da postergação do pleito. No mesmo dia, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, posicionou-se contra a ideia do correligionário (ambos são do DEM). Em 27 de março, Maia apontou o "risco institucional" que o adiamento pode representar.
Na ocasião, Maia disse que, se as projeções feitas então por Mandetta estiverem corretas, não será necessário o adiamento. Segundo a curva de infecção traçada então pelo Ministério da Saúde, o pico de infecções no Brasil se daria em abril, maio e junho, seguido de estabilização em julho e agosto, e declínio a partir daí.
Barroso, àquela altura, não cogitava adiamento. Mas frisou que uma decisão como essa caberia ao Congresso: “Se o adiamento vier a ocorrer, penso que ele deva ser apenas pelo prazo necessário e inevitável para que as eleições sejam realizadas com segurança para a população. A realização de eleições periódicas é um rito vital para a democracia”.
Eleito sucessor de Rosa Weber no dia 16, Barroso disse que, “se for necessário adiar o pleito de outubro por causa da pandemia, que elas ocorram no menor tempo possível”. E descartou levar as disputas municipais para 2022. Escolhendo muito bem as palavras, mostrou-se ligeiramente mais aberto à ideia do adiamento, mas se declarou radicalmente contra a fusão de calendários.
DOIS MESES, SIM; DOIS ANOS, NÃO
Pessoalmente, concordo com Barroso. Defensores da fusão de pleitos em 2022 argumentam que isso será mais econômico para todos: para os partidos e a para a Justiça Eleitoral (consequentemente, para o contribuinte). De fato, assim é.
Mas, em primeiro lugar, além de mudar as regras no meio do jogo, você cria uma inoportuna “barriga”, estendendo demais (de quatro para seis anos) o mandato dos atuais prefeitos e vereadores. E ainda há alguns, como Maia, que aventam a hipótese de juízes das comarcas assumirem as prefeituras, o que causaria confusão ainda maior (embora tampouco haja consenso entre juristas sobre isso).
Agora, imagine só o pandemônio durante o pleito: nas eleições gerais já temos cinco cargos em disputa (de deputado estadual a presidente). A escolha dos cargos parlamentares (deputados estaduais, federais e senadores) já fica extremamente ofuscada pelas disputas para presidente e para governador, as quais, pela visibilidade dos cargos, concentram as atenções do eleitorado.
Muita gente nem atenta para a eleição de senadores, deputados federais e estaduais, lembrando que tem que votar também para esses cargos na fila da seção eleitoral. Agora acrescente a isso ter que votar, ainda, para prefeito e vereador da cidade, no mesmo processo eleitoral.
A eleição para o Executivo e o Legislativo dos municípios (onde o cidadão “realmente vive”) ficará completamente em terceiro plano. Uma escolha tão importante e específica merece tempo e atenção exclusivos. É uma campanha à parte.
Adiamento para dezembro é uma coisa: ok, sou a favor. Para 2022 é outra discussão, e aí já não estou de acordo.
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