Imagine um paciente terminal, respirando por aparelhos no leito do hospital. Em 2018, esse paciente começou a apresentar sinais de melhora. Já não respira por aparelhos. Mas está longe de poder receber alta da UTI.
Com essa metáfora, o economista Alberto Borges traduz a evolução do cenário de 2017 para 2018, no que diz respeito à situação econômica das 78 cidades do Espírito Santo. A ligeira melhora pode ser constatada em um conjunto de dados na edição de 2019 da revista "Finanças dos Municípios Capixabas" lançada ontem pela Aequus Consultoria, com uma compilação inédita de dados referentes ao exercício de 2018.
Essa evolução, contudo, deve ser relativizada. O quadro geral ainda inspira muita cautela. Com relação a isso, um dado é categórico: de 2017 para 2018, a receita dos municípios cresceu um pouco, resultando numa alta dos investimentos. Mas o nível de investimentos das cidades capixabas em 2018 se igualou ao patamar atingido em 2004 (início do governo Lula).
Isso significa que, somados, os 78 municípios investiram, em 2018, o mesmo que investiram 14 anos antes. Nesse intervalo, o volume de investimentos no ano de 2018 só não foi menor, justamente, que o registrado no ano anterior.
Em valores atualizados pelo IPCA, a soma dos investimentos dos municípios capixabas em 2004 corresponderia, hoje, a R$ 813 milhões. Seguiram-se anos de bonança e, em 2012, o investimento total chegou a R$ 2,2 bilhões. Aí veio um primeiro choque sobre as finanças capixabas, com a extinção do Fundap. Em 2014, o volume ficou em R$ 1,4 bilhão.
Então a recessão chegou com força, para ficar, a tal ponto que, em 2017, a soma dos investimentos das nossas cidades alcançou seu nível mais baixo no período: R$ 583,1 milhões. Na prática, os municípios capixabas, acompanhando a tendência nacional, quase pararam de investir, por absoluta falta de recursos.
De 2017 para 2018, o total de investimentos cresceu 39,3%. Olhando-se o número frio, percentual, pode parecer um crescimento significativo, mas não é bem assim.
Como vimos, partiu-se de uma base muito baixa (o fundo do poço). E, quando se parte do fundo do poço, qualquer pequeno aumento torna-se significativo em termos proporcionais. De 2017 para 2018, o número passou de R$ 583,1 milhões para R$ 812,5 milhões – voltando àquele nível registrado em 2004.
É um suspiro, um alívio, mas passa longe de ser motivo de comemoração, muito menos de acomodação, por parte dos gestores, mesmo porque a instabilidade político-econômica segue dominando o país.
"De modo geral, de 2017 para 2018, houve uma relativa melhora. Não vivemos mais um período de terra arrasada. Após um período de quedas muito expressivas, tivemos, em 2018, um período de melhora das receitas das cidades. Mas ainda é uma melhora bastante tímida", analisa Borges, responsável pela publicação, ao lado da também economista Tânia Villela.
"Por um lado, há alguns indicadores que sinalizam que a situação melhorou um pouco. Por outro, alguns indicadores mostram um cenário ainda muito delicado. O paciente está melhorando, mas não está curado", completa Borges.
AUMENTO DA SOLVÊNCIA
Entre os macroindicadores de que as coisas melhoraram um pouco, podemos destacar o aumento do número de cidades capixabas com nota A concedida pela Secretaria do Tesouro Nacional. A classificação conferida pelo órgão do Ministério da Fazenda leva em conta a capacidade dos entes federativos de pagarem suas dívidas e portanto é considerada para liberação, ou não, de financiamentos da União.
Em 2017, numa amostra de 46 municípios capixabas, só 12 deles tinham nota A (26%). Apenas 26 tinham nota A ou B (56%).
PESSOAL SOB CONTROLE
Outro sinal de melhora está no controle de gastos com pessoal. A Lei de Responsabilidade Fiscal permite que os municípios comprometam até 54% de sua receita corrente com a folha.
Em 2016, havia 18 cidades capixabas acima desse limite máximo. Em 2017, o número caiu para 11. Em 2018, já eram apenas quatro.
Em 2017, só 20 municípios do Estado estavam em situação tranquila nesse tópico, isto é, abaixo do limite de alerta (48,6%). Em 2018, a quantidade subiu para 49. Ou seja, a corda saiu do pescoço de muitos prefeitos e secretários.
CUSTEIO EM CRESCIMENTO
Por outro lado, alguns números preocupam. Um deles é o princípio de disparada das despesas de custeio (manutenção da máquina pública e dos serviços municipais).
No quesito gastos com pessoal, a situação em geral está sob controle. De 2017 para 2018, o aumento médio da despesa das 78 cidades foi de 7,4%. No mesmo intervalo, o gasto com específico com pessoal cresceu 1,7% (abaixo do crescimento da despesa geral). Isso reflete o empenho dos gestores na contenção desse tipo de gasto, o que na prática significa a ausência de reajuste para o funcionalismo em muitas cidades.
No item custeio, observou-se o contrário. De 2017 para 2018, após três anos seguidos em queda, esse tipo de gasto subiu 11,9%, acima do crescimento da despesa geral. Borges e Vilella têm explicação para isso.
Entre 2015 e 2017, auge da recessão, a receita total dos municípios capixabas caiu. Consequentemente, nesse triênio, os prefeitos se viram obrigados a reduzir muito os serviços, ou até, em alguns casos, suspendê-los. Isso gerou uma demanda social enorme represada pela prestação desses serviços.
De 2017 para 2018, a receita total enfim melhorou um pouco: subiu de R$ 10,95 bilhões para R$ 12,05 bilhões, crescendo 10,1%, mas ainda permanecendo em patamar inferior ao de 2013.
Mas, ainda que pequeno, foi um aumento. E um aumento longamente aguardado pelos governantes municipais. No primeiro sinal de melhora, em 2018, após três anos cortando gastos e serviços, eles soltaram um pouco essas despesas (coleta de lixo, jardinagem, limpeza urbana etc.), até para darem uma resposta às demandas e distensionarem as cobranças por parte da população.
FONTES DOS INVESTIMENTOS
Com arrecadação própria abalada e redução das transferências de capital da União e do Estado de 2014 a 2017, as cidades capixabas recorreram mais a empréstimos para investir em 2018.
Em 2017, 76% dos investimentos dos 78 municípios foram feitos com recursos próprios e só 2,4% com operações de crédito. Já em 2018, 44,9% dos investimentos partiram de recursos próprios e 14,1% de operações de crédito.
Em números absolutos, o crescimento no período dos investimentos feitos graças aos empréstimos foi considerável: de R$ 13,8 milhões para R$ 114,4 milhões.
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Os investimentos do governo do Estado nos municípios também cresceram bastante: de R$ 18 milhões em 2017 para R$ 149 milhões em 2018, último ano da administração de Paulo Hartung. Além de ter sido ano eleitoral, a arrecadação estadual também registrou melhora em 2018, principalmente em ICMS.
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