Jornalista de A Gazeta desde 2008 e colunista de Política desde 2015. Publica aqui, diariamente, informações e análises sobre os bastidores do poder no Espírito Santo

Afinal, Capitão Assumção é ou não é um defensor da lei?

O homem da lei está agindo à margem da lei - e defendendo que outros o sigam. Ao mesmo tempo em que prega a "ordem", deputado está estimulando o caos

Publicado em 12/09/2019 às 05h47
Atualizado em 13/09/2019 às 14h04
Capitão Assumção é deputado estadual pelo PSL. Crédito: Lissa de Paula/Ales
Capitão Assumção é deputado estadual pelo PSL. Crédito: Lissa de Paula/Ales

Ao usar a tribuna da Assembleia e a sua condição de parlamentar para oferecer uma recompensa em dinheiro a quem executar determinado criminoso, o deputado Capitão Assumção (PSL) simboliza a nossa regressão civilizatória. Falando claramente, o deputado está incitando a perpetração de um crime, a pretexto de vingar outro, na lógica de que “sangue se paga com sangue”. Encoraja “cidadãos de bem”, sejam eles civis ou militares, a agirem como “foras da lei”, fazendo justiça (na verdade, justiçamento) com as próprias mãos.

Ao fazer isso, o próprio deputado está pregando o descumprimento da lei. E está, ele mesmo, agindo à margem da lei. A mesma que jurou respeitar como militar e que deveria ser o primeiro a defender agora, como parlamentar.

Você pode procurar de cabo a rabo. Não existe, em nossa Constituição Federal, uma linha que autorize execuções sumárias nem qualquer menção ou previsão de pena de morte para quem quer que seja, a não ser em um caso extremo, bem distante de nossa realidade: em caso de guerra declarada com outra nação. Fora isso, nem na Constituição Federal, nem em todo o nosso arcabouço legal, muito menos nos regulamentos internos que orientam a atuação das forças de segurança pública, civis ou militares.

Existem, sim, punições previstas em nosso Código Penal e no Código Penal Militar (art. 205) para quem pratique um assassinato, ainda que o assassinado seja outro assassino. A lei os iguala na condição de homicidas. À luz de nosso ordenamento jurídico, os dois terão agido ao arrepio da lei e serão, igualmente, criminosos.

Quem mata um criminoso por vingança está se igualando ao criminoso; também está praticando um crime. Quem incita ou “encomenda” o assassinato de um criminoso também está desrespeitando a lei. Independentemente das motivações, um assassinato para vingar outra morte é, igualmente, um assassinato, e também deve ser tratado como tal. Um assassinato não justifica outro e um crime não se paga com outro crime. É assim neste país. É assim neste século. Diferente disso, lá na Idade Média, lá no Brasil Colonial, em filmes de faroeste, enfim, em terras sem lei.

Por isso, a atitude de Assumção é, no mínimo, incoerente para alguém que se apresenta como um defensor da lei e como um representante da segurança pública – especificamente, da Polícia Militar, onde a disciplina e o respeito à ordem jurídica deveriam ter primado absoluto sobre qualquer arroubo de ação individual e voluntariosa de pretensos “vingadores”, justiceiros” ou “lobos solitários”.

Ao agir assim, Assumção também trata, com assombrosa naturalidade, algo aparentemente ainda muito presente no submundo do cotidiano dos capixabas: o crime de mando, a ação de pistoleiros, os matadores de aluguel, os grupos de extermínio. Só para lembrar: tudo isso também só existe no campo da ilegalidade.

A oferta aberta de R$ 10 mil “do próprio bolso” a quem executar o execrável homicida da jovem Maiara de Oliveira, em Cariacica, é, certamente, o ápice dessa linha de atuação “tiro, porrada e bomba” de Assumção desde que assumiu o mandato na Assembleia, em fevereiro, mas não é o primeiro nem há de ser o último episódio de incitação ao crime por parte dele.

Na verdade, o deputado vem em uma escalada imparável nessa direção. No plenário e em comissões da Assembleia, já defendeu, por exemplo, que quem atirar para matar “tem que tomar tiro para morrer”.

Em outro episódio, ocorrido no primeiro semestre, afirmou que, se fosse ele o chefe de determinado batalhão, um criminoso teria sido executado ali mesmo. E ponto.

Isso é grave: o “homem da lei” não só está legitimando, com seu discurso, esse tipo de prática ilegal, como está incentivando homens da corporação que ele defende, sobre os quais ele tem influência, a agirem por conta própria, fora das normas e dos limites que disciplinam a sua atuação funcional. Isso pode ser compreendido como incitação à indisciplina, à desobediência e à insubordinação em quartéis militares.

AFRONTA À PRÓPRIA POLÍCIA

Por fim, cabe ressaltar o que me parece outra grande contradição: o homem que vai para todas as sessões da Assembleia de farda está, desapercebidamente, desprestigiando o trabalho das forças policiais, na medida em que só faz defender essa espiral de sangue e a “solução” na base do “cada um por si”.

Quando prega a justiça com as próprias mãos – aliás, a vingança no lugar da justiça –, o recado passado por ele, inadvertidamente, é o de que a Polícia Militar, agindo de modo institucional e dentro dos limites legais, não dá conta de cumprir o seu dever de localizar o criminoso, prendê-lo e entregá-lo à Justiça. Conforme determina a lei.

Na verdade, incitando a ação de pretensos “justiceiros”, além de alimentar esse banho de sangue, o deputado tende a dificultar o trabalho dos policiais disciplinados e obedientes à lei. Atrapalha a solução de um crime e ainda contribui para a promoção de outros.

Suponhamos que, empolgado com a oferta de Assumção, um matador ignore a PMES e execute o bandido em questão. Vai lá receber os R$ 10 mil; o cadáver será exposto em praça pública; mais um homicídio terá sido cometido; haverá, talvez, certa catarse coletiva; parte da sociedade se sentirá de alma lavada por esse banho de sangue. Mas e aí? E os próximos crimes? Serão com isso prevenidos e impedidos? Ou terão sido incentivados? Serão todos “solucionados” da mesma forma? Com isso ajuda-se a fechar a torneira de sangue ou a abri-la ainda mais?

Capitão Assumção é, notoriamente, um líder reconhecido dentro de sua categoria, com influência inquestionável sobre setores da PMES, principalmente junto a algumas associações. Sua bandeira é a segurança pública. Muito mais produtiva seria a sua atuação parlamentar nessa área se parasse de, literalmente, patrocinar essa selvageria e se trocasse o elogio da barbárie por um discurso mais racional.

Em vez de seguir enaltecendo respostas fáceis e individuais que só geram mais violência, o deputado poderia integrar esforços com outras autoridades de modo a impedir que novos atos de violência prosperem em nossa sociedade.

Isso, sim, pode vingar.

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