
Pra não começar maçante já no início, comecemos com um pouco de entretenimento: no filme da Marvel “Thor: Ragnarok” (2017), o deus nórdico precisa lutar contra sua irmã em defesa do seu povo. Hela, a primogênita de Odin, queria dominar Asgard, ou seja, para ela o povo deveria ser subserviente aos seus desejos, enquanto Thor desejava apenas que seus conterrâneos fossem pessoas livres para viverem suas vidas. Thor acabou perdendo a batalha contra Hela, mas conseguiu salvar a população de Asgard, apesar da destruição total do lugar aonde viviam.
Contudo, no final da história, Thor se deu conta que Asgard não era o lugar aonde viviam os asgardianos, pois Asgard era na verdade o povo asgardiano, ou seja, o território físico é menos importante que a identidade cultural que une as pessoas, e assim, mesmo diante da derrota, a população se viu unida e pronta para recomeçar.
Infelizmente a vida real, muito menos no Brasil, não é um filme da Marvel que nos diverte, pois aqui, cada vez mais vemos o povo dividido, desunido, com cada um agarrado a sua própria ideia de mundo querendo destruir seu adversário, que nada mais é que o vizinho ao lado. Já não sabemos nem se sobrará algum território para chamar de “nosso Brasil”... Num momento, no qual a pandemia deveria ser a preocupação maior, ser o adversário a ser combatido, a Hela da mitologia nórdica, estamos, nós os brasileiros, brigando entre si, destruindo um pouco do que resta enquanto coletividade.
Em 2018, publiquei um artigo em A Gazeta intitulado “O Brasil perdeu a graça”, no qual buscava evidenciar o retrocesso brasileiro, um país que no passado já foi admirado e admirável pelo que tinha produzido na música, no cinema, na arquitetura e nas artes plásticas, pelo seu futebol de gingado e que também era competitivo e ganhador, ou seja, pela sua multidiversidade cultural que ficava espelhada nas suas diversas expressões artísticas e esportivas.
Aí, de uma hora pra outra, o Brasil passou a ser reconhecido como o país campeão da desigualdade social e da corrupção, do discurso de ódio, e logo vieram os palanques políticos (oportunistas?) afirmando o compromisso em acabar com uma ou as duas mazelas que vêm nos assolando há décadas.
A impressão que dá é que nada melhorou, nem de quando o Brasil era admirado e admirável, muito menos nos últimos anos e, pior ainda, o que se viu nas últimas semanas só deixa claro a falta de perspectiva, independentemente de qual lado político você que me lê agora está.
Neste ponto, cabe ressaltar que “O Brasil perdeu a graça” era na verdade uma metáfora, um texto político, que acabava assim: “sem graça mesmo são nossas opções políticas, o que mostra que ficaremos ainda muito tempo sem rir”.
No Brasil de hoje, a cada movimento sócio-político-cultural aumenta-se o acirramento, a tensão entre os lados, o que só contribui para o esfacelamento daquilo que outrora era a imagem de que éramos o país da cordialidade, da integração entre os povos e as raças.
A pandemia, apesar de todas suas nefastas consequências, como é a imensidão de mortes, tem criado no mundo uma ideia de renovação no comportamento humano, uma esperança de renovação, de que sairemos melhor de tudo isso assim que a tragédia acabar.
Mas não é isso o que se tem visto no Brasil.
De modo geral, estamos vendo o país dividido em dois grupos, duas seitas que tratam seus líderes como divindades cujas palavras são verdades incontestáveis. O que também me faz lembrar do fenômeno de fanáticos que se suicidaram por determinação daquele que se intitulava a deidade, obedecido piamente por seus súditos.
Será que, sem chegar ao nível de destruição de Asgard, nós, os brasileiros, nos veremos algum dia unidos e prontos para recomeçar?
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