É professor do Instituto Federal do Espírito Santo. Em seus artigos, trata principalmente dos desafios estruturais para um desenvolvimento pleno da sociedade. Escreve quinzenalmente, às segundas

A desaceleração da economia mundial e o drama brasileiro

É preocupante a ausência de um debate público mais aprofundado no Brasil. A falta de rumo nacional também é algo muito preocupante, tendo em vista os retrocessos sociais, econômicos e ambientais já noticiados pela imprensa brasileira

Publicado em 08/08/2022 às 02h01

Em artigo recentemente publicado no blog do Fundo Monetário Internacional (FMI), no dia 22 de julho, Pierre-Olivier Gourinchas, diretor de Pesquisa da instituição, trouxe informações relevantes sobre a economia mundial. As três principais economias estão desacelerando e tal fato possui repercussões mundiais em um contexto no qual a inflação é a grande fonte de preocupação macroeconômica.

Como todos sabemos, a pandemia de Covid-19 ainda não terminou e há consequências econômicas difusas a partir da invasão da Ucrânia pela Rússia. De acordo com Gourinchas, “uma inflação mais alta do que o previsto, sobretudo nos Estados Unidos e nas principais economias europeias, está provocando um aperto das condições financeiras mundiais”. A economia chinesa vem desacelerando para além do previsto, em meio a surtos de Covid-19 e lockdowns.

A economia mundial contraiu-se no segundo trimestre deste ano. Segundo Gourinchas, “o crescimento cai de 6,1% no ano passado para 3,2% neste ano e 2,9% no próximo ano”. Tal quadro reflete a estagnação do crescimento nas três maiores economias do mundo - Estados Unidos, China e a área do euro. Há repercussões econômicas e políticas difusas para diversas regiões.

Gourinchas citou que “nos Estados Unidos, a queda do poder de compra das famílias e o aperto da política monetária reduzirão o crescimento para 2,3% neste ano e 1% no ano que vem”. Na China, por sua vez, o crescimento será reduzido para o ritmo de 3,3% neste ano, o mais baixo em quatro décadas, excluído o período da pandemia. Na zona do euro, o crescimento cairá para 1,2% em 2023, refletindo as repercussões da guerra na Ucrânia e uma política monetária mais austera.

A inflação em 2022 deverá atingir 6,6% nas economias avançadas e 9,5% nas economias de mercados emergentes e em desenvolvimento, em parte devido à elevação dos preços dos alimentos e da energia. Pressões de custos decorrentes de rupturas nas cadeias de suprimentos também foram citadas por Gourinchas.

Entre os riscos apontados pelo economista, destaco os seguintes: condições financeiras mundiais ainda mais restritivas podem deflagrar uma onda de superendividamento nas economias de mercados emergentes e em desenvolvimento; a alta dos preços dos alimentos e da energia pode causar insegurança alimentar e agitação social generalizadas; e a fragmentação geopolítica pode impedir o comércio e a cooperação em escala mundial. A desglobalização é um assunto que entrou no escopo das discussões das instituições do sistema multilateral, principalmente a partir da invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro deste ano.

Bancos centrais em todo o mundo estão elevando as taxas de juros. Conforme avaliou Gourinchas, “o consequente aperto monetário sincronizado entre os países é sem precedentes e deverá ter forte impacto, com a desaceleração do crescimento mundial no próximo ano e um recuo da inflação”. Haverá um alto custo deflacionário. Nesse sentido, o economista defende que o apoio fiscal direcionado ajude efetivamente a amortecer o impacto sobre os mais vulneráveis.

Gourinchas colocou a relevante questão da transição climática em perspectiva. Para o diretor do FMI, “a mitigação das mudanças climáticas continua a exigir ações multilaterais imediatas para limitar as emissões e aumentar o investimento para acelerar a transição para a economia verde”. A política energética, admitiu o economista, é assunto de segurança nacional por conta de suas mais variadas repercussões na vida de um país.

O preço do gás na Europa disparou recentemente após a redução dos fluxos da Rússia. O preço elevado do gás chegou a equivaler a uma cotação do barril de petróleo na faixa de US$ 380 no dia 27 de julho. A Rússia reduziu o fornecimento para a região. Informações disponíveis na imprensa apontaram para o fato de que os fluxos no gasoduto Nord Stream 1 foram reduzidos para apenas um quinto da capacidade normal.

A política, incluindo a condução da gestão econômica nacional, já se mostrou, no passado, a continuação da guerra por outros meios. França e Alemanha decidiram estatizar empresas de energia. A Alemanha decidiu estatizar a Uniper para tentar garantir o fornecimento de gás para o inverno e a França fez um movimento análogo com a EDF, buscando limitar o aumento das contas de energia na sua economia. O Brasil segue na contramão desse tipo de preocupação estrutural.

Ainda segundo Gourinchas, “em meio a grandes desafios e conflitos, fortalecer a cooperação continua a ser a melhor forma de melhorar as perspectivas econômicas e mitigar o risco de fragmentação geoeconômica”. Resta saber se a desglobalização, com o provável viés de fortalecimento da regionalização produtiva ou a “globalização entre amigos” (friendshoring), não representa um fenômeno irreversível.

Nesse sentido, é preocupante a ausência de um debate público mais aprofundado no Brasil. A falta de rumo nacional também é algo muito preocupante, tendo em vista os retrocessos sociais, econômicos e ambientais já noticiados pela imprensa brasileira.

Reportagem publicada na Gazeta, no dia 1º de agosto, assinada por Amanda Vergna, trouxe números públicos sobre o drama da fome no Brasil e no Espírito Santo. O quadro social é muito grave e ele não está descolado das prioridades da gestão pública nos últimos anos, algo que já afeta o futuro do país por atingir crianças vulneráveis. Em síntese, 125 milhões de pessoas sofrem com a insegurança alimentar no Brasil. Optamos pela distopia do histórico moinho de gastar gente?

Qual é mesmo a nossa visão comum de progresso? A frente que se ampliou recentemente pela democracia, após o posicionamento oficial do governo norte-americano em favor do sistema eleitoral brasileiro, juntará apenas frações de poder de veto nas ações do próximo governo brasileiro? As contraditórias alianças eleitorais estaduais afetarão a agenda nacional, impondo vetos a mudanças necessárias? Para o caso brasileiro, desde 2016, a correlação entre o reformismo regressivo e a ascensão do extremismo de direita não pode ser esquecida.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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