Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

Sebastianismos lança "Tóxico", uma ópera rock punk, pop, emo e tropical

Em seu segundo disco solo, Sebastianismos, baterista da banda Francisco, El Hombre, abraça o pop-punk dos anos 2000 e imprime sua própria identidade

Vitória
Publicado em 26/08/2021 às 01h06
Sebastián Piracés-Ugarte, o Sebastianismos
Sebastián Piracés-Ugarte, o Sebastianismos. Crédito: Rodrigo Gianesi/Divulgação

Nascido no México, Sebastián Piracés-Ugarte chegou ao Brasil adolescente, no início dos anos 2000, durante o boom do pop-punk que se habituou chamar de emo por aqui. Como ele mesmo diz, não era punk gostar das bandas daquele movimento na época. Sebástian montou bandas, tocou por aí até que, em 2013, ao lado do irmão Mateo, formou a banda Francisco, El Hombre, com a qual vem tocando e excursionando mundo afora. Quer dizer… vinha excursionando.

Parte de um dos setores mais prejudicados pela pandemia, Sebastián se viu sem a possibilidade de estar no palco e na estrada. Sob a alcunha de Sebastianismos, lançou seu primeiro disco solo, autointitulado, em 2020. Cheio de reggaeton, punk, cumbia e ritmos latinos, o disco é, como definido pelo músico, “esquizofrênico”.

“É um compilado de tudo o que eu tinha produzido. Tem de putaria a revolução. Acho que deixei todo mundo confuso sobre o que era o Sebastianismos”, brinca, durante chamada de vídeo para divulgar seu novo disco, “Tóxico”. “Era um artista pop cantando reggaeton. Eu sinto, na verdade, que esse disco não é o primeiro, mas é o disco que antecede o primeiro, que estou lançando agora”, completa, ressaltando a importância de “Tóxico” na sua vida.

O novo trabalho tem uma pegada diferente, algo muito mais próximo do pop-punk e do emo dos anos 2000 do que da latinidade inflamável e revolucionária de seu trabalho anterior. “É engraçado que durante essas turnês da Francisco, El Hombre pela América Latina, eu percebi que o rock é latino, é o ritmo que mais une os países latinos”, diz o músico, antes de completar: “é claro que tem o reggaeton, o funk, a cúmbia, mas o rock é tão presente quanto esses ritmos e em todos os países”.

A mudança não é só sonora. Sebastián conta que um mês após o lançamento do disco do ano passado, ele recebeu a notícia da morte de um amigo próximo, por Covid. “Você sente que a vida é efêmera, volátil, caótica e imprevisível. Poderia ser eu e pode ser eu amanhã. Eu parei pra ver tudo o que eu estava fazendo, tudo o que eu estava plantando, o que eu estava manifestando, e eu senti que estava distante do que eu precisava mostrar”.

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"Eu estava me conectando com o eu que sempre fui"

Ele então se trancou em casa, apagou as redes sociais e escreveu cerca de 30 músicas em um mês. “Eu estava me conectando com o eu que sempre fui”, pondera. O resultado é “Tóxico”, um disco pra cima, até dançante, mas que lida com temas como a solidão, a proximidade do fim, perdas e angústias. “Tóxico” é punk rock, é emo, mas nunca preso a amarra alguma; o disco pode ser consumido como uma coletânea de pequenos contos, mas é melhor imaginado como uma espécie de ópera rock cheia de elementos de música pop, efeitos e novas influências.

O disco tem algumas canções especiais, como “Cicatriza”, composta em parceria com Lucas Silveira, da banda Fresno, “Não Mudaria Nada”, com Badauí (CPM22) nos vocais, “Jogo de Azar” e “Indestrutível”, que fecha o disco com a frase “Tudo bem na medida do impossível. Tudo bem tirando tudo o que tá dando errado”, mais pandêmico impossível.

Além das participações famosas, o disco ainda conta com nomes de peso na música independente, como WEKS, baterista do NX Zero, André Dea (Supercombo, Violet Soda e Sugar Kane), Carlos Fermentão (Zander) e também com artistas menos conhecidos, mas não menos interessantes, como a baiana Malfeitona (“Se Nem Deus Agrada Todo Mundo Muito Menos Eu”) e o beatmaker Faustino (“Indestrutível”).

Confira na entrevista abaixo o músico falando sobre cena punk, angústias pandêmicas, descobertas e influências 

Seu primeiro disco tem uma sonoridade bem diferente, meio reggaeton, latino, esse é mais punk. Por que essa mudança?

Cara, eu acho que isso se deve a muitas questões. Em primeiro lugar, eu gosto de criar, eu gosto de fazer acontecer. Durante os quase 10 anos de turnês da Francisco, El Hombre pela América Latina, sempre buscando entender o que é essa latinoamericanidade, eu cheguei à conclusão que eu não esperava: o rock é latino americano. Isso você consegue ver em diversos contextos, diversas realidades. O rock é tão daqui quanto de outro lugar. Só porque a indústria musical se baseia nos EUA e na Europa e porque eles praticam essa exportação da cultura deles, não quer dizer que aqui não exista, que não tenha nascido gerações e gerações de pessoas que cresceram no rock como ritmo próprio. Comecei a ver que o ritmo que mais unia a América Latina... A gente tem o reggaeton, o funk, a cúmbia, mas o rock é tão presente quanto. Lancei meu disco e sou muito feliz com ele, mas um mês depois do lançamento eu recebi a notícia de um amigo muito próximo, mais ou menos da minha idade, que morreu de Covid... Isso me impactou muito. Quando você perde alguém próximo, da sua geração, você sente que a vida é efêmera, volátil, caótica e imprevisível. Poderia ser eu e pode ser eu amanhã. Eu parei pra ver tudo o que eu estava fazendo, tudo o que eu estava plantando, o que eu estava manifestando, e eu senti que estava distante do que eu precisava mostrar. Na correria, pré-pandemia, eu fui tomando decisões muito pouco pensadas, minha vida era uma correria gigantesca. Depois de perder meu amigo, minha prima e outras pessoas próximas, eu senti que precisava resetar tudo e começar do zero. Eu não tava conseguindo explicar pra mim mesmo quem eu era, muito menos pras pessoas que me acompanhavam. Eu descobri que tenho um público. Numa tentativa de suicídio pós-contemporâneo, deletei minhas redes sociais. Tomei esse baque como um momento pra aproveitar e começar do zero. Eu confesso que gosto de recomeçares. Muita gente tem medo, mas a gente nunca recomeça do mesmo zero de tantas outras vezes, a gente recomeça com a bagagem de aprendizado. Sentindo esse impacto eu comecei a escrever, sempre tenho papel e caneta do lado, e em um mês eu tinha escrito umas 30 músicas, botando um monte de coisa pra fora. Uma poesia que, quando tocada na guitarra, precisava ser mais gritada, sofrida, aí descobri que eu estava me conectando com o eu que eu sempre fui. Eu cresci no punk rock, tocando em bares desde os 14 anos de idade. A Francisco, El Hombre pode não tocar punk rock, mas é a banda mais punk que já tive na minha vida...

Ser punk vai muito além da sonoridade, né? É algo que você carrega pra vida, que influencia sua maneira de pensar, de lidar com as pessoas...

Faz parte do seu DNA, né? Aí, por exemplo, a Francisco, El Hombre surgiu porque todo mundo tinha banda nesse meio e chegou a conclusão que o punk cantava sobre rebeldia e era uma enorme hipocrisia, velho. A cena de rock dos anos 2000 é extremamente tóxica. Se você não fosse homem, hétero, cis e branco, não era um espaço pra você. A Francisco foi um recomeçar, foi um "vamos sair desses botecos, desse nicho tão hipócrita, escroto, homofóbico, machista, embranquecido e vamos pra rua recomeçar. Depois de metaforicamente dar a volta ao mundo, passando por várias vivências, crescendo e entendendo como a gente se conecta, tive um papo com Rodrigo Lima, vocalista do Dead Fish, quando tocamos em Manaus. Falei que tinha crescido no punk rock, que tava no meu DNA, mas sentia que a cena é tão tóxica, tão errado, e me sinto confuso procurando em outras cenas lugares para me encaixar, mas não me encaixo. Quem me vê sabe que eu não sou sambista. Eu posso apreciar o samba, mas não sou sambista, não sou rapper... Aí ele me deu uma resposta que mudou minha vida. "Você não faz parte da cena, você é a cena. Se a cena tá tóxica, cabe a nós mudar essa cena de dentro pra fora". Entendi que não adiantava eu querer mudar o mundo se eu não consigo mudar minha casa, meu terreno. Então, esse disco, "Tóxico", que vem nesse momento de pandemia, uma chacoalhada brutal, me fez voltar às minhas origens. Eu continuo fazendo parte dessa cena, mas preciso fazer o meu papel pra mudar isso. Eu sou roqueiro e se o rock está tóxico, não é culpa minha é culpa dos dinossauros velhos. Já disse o NOFX, "Dinosaurs Will Die".

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"Quando você perde alguém próximo, da sua geração, você sente que a vida é efêmera, volátil, caótica e imprevisível. Poderia ser eu e pode ser eu amanhã. Eu parei pra ver tudo o que eu estava fazendo, tudo o que eu estava plantando, o que eu estava manifestando, e eu senti que estava distante do que eu precisava mostrar"

Eu interpretei o disco como uma grande ópera rock. Imagino "Tóxico" sendo cantada no palco, uma galera correndo, dançando... E cada música um novo capítulo até chegar em "Indestrutível". Sobrevivendo a tudo isso. Foi uma coisa intencional?

Que massa, velho! Eu confesso que a primeira faixa eu imaginava uma trilha sonora da aberta de uma série anos 90 (risos). É um disco escrito em pandemia, mas que também se aplica a vários sentimentos. O que é a pandemia na gente se não uma intensificação de desesperos, ansiedades, angústias e medos, mas só mesmo tempo a esperança, a vontade de rever as pessoas que a gente ama, as pazes que a gente faz depois de se afastar de pessoas... Pra mim o disco vem de muita mágoa, de muita raiva, mas faz as pazes comigo mesmo, com os nossos. É um grande "bola pra frente". Eu gostei desse lance da ópera rock. Eu cresci num nicho de punk extremamente fechado, então não podia gostar de coisa que não era punk rock "verdadeiro". Aí tinha o My Chemical Romance, de que eu não podia gostar em público porque eu seria escrachado. Mas tinha o disco "Black Parade", que é uma ópera rock e é muito foda. Eu tava ouvindo anteontem e pensando que queria fazer uma ópera rock desse jeito.

As músicas do "Tóxico" são pra cima, energéticas, mas as letras têm esse contraste. As músicas falam muito de solidão, de um sentimento de fim, de perdas... Foi duro pra você compor essas letras?

Foi duro, foi duro mesmo. Quando eu vi que amigos morreram, que a questão financeira tava ruim, quando tudo ficou muito ruim, a minha saída sempre foi pegar papel e caneta e escrever, sabe? Botar tudo para fora sem pensar muito. Querendo ou não, é um processo terapêutico. No ato de escrever e tentar melhorar para que vire uma métrica interessante, você acaba lidando com cada um desses sentimentos durante um certo tempo. Depois da escrita você se sente crescido, se sente saído de um processo de terapia. Pra mim, é doído escrever, mas é mais doído não escrever. Se eu não escrever é que eu surto. Se eu não me engano, é o Tom Waits que falava "eu gosto de belas melodias me dizendo coisas horríveis". Se tem uma coisa de que eu gosto muito é cantar. Parte da minha família é chilena, a outra parte, mexicana... O que é o mexicano se não um monte de bêbado cantando nossas desgraças abraçados (risos)? Esse disco é assim: tá tudo uma merda, mas que coisa mais prazerosa e terapêutica do que cantar sobre isso?

Sebastián Piracés-Ugarte, o Sebastianismos
Sebastián Piracés-Ugarte, o Sebastianismos. Crédito: Rodrigo Gianesi/Divulgação

Esse revival do emo, do punk rock, vem com uma modernizada no som, e seu disco tem bastante disso, com beats , autotune e baterias eletrônicas. Acha que essa modernizada é necessária para pra conversar com a galera que continua "do it yourself", mas produzindo rap e trap, por exemplo?

Essa é a parada! Pra mim, uma das coisas mais revolucionárias, e também muito criticada pelos punks das antigas, é o fato de que o computador é nosso maior instrumento. O punk não era um músico formado que escolhia três acordes porque achava que seriam os melhores para passar sua mensagem, não era uma escolha consciente. Eram pessoas que nem conseguiam tocar. A gente faz o que pode com o que a gente tem. O "Rasga Cabeça", da Francisco, El Hombre, é um disco extremamente esquisito, torto, bizarro, esquizofrênico (risos) porque eu não sabia produzir, nem ninguém da banda, mas a gente falou que iria fazer o disco do início ao fim. Ficou esquisito porque a gente colocou a mão na massa. Esse disco ("Tóxico") tem bateria eletrônica porque eu não tenho banda, eu estou no meu quarto! O computador é o meu instrumento. É frente às adversidades que a criatividade desabrocha. Quando me perguntam se eu tô usando beats pra tentar imitar o trap ou trazer uma galera jovem, a verdade é o oposto: a galera jovem que me ensinou que com o computador você consegue fazer o que você quiser. Se você não é o cara mais estudado ou perfeito nisso, foda-se! Sua limitação é o que mostra a sua personalidade.

Qual foi a sua relação com essa cena emo do Brasil do início dos anos 2000?

Eu cheguei do Brasil, do México, em 2002. Quando eu cheguei, eu não gostava da minha escola, não gostava do meu bairro, do meu nicho, aí conheci um vizinho que andava de skate e ouvia CPM22. Eu cresci no nicho do punk rebelde e conservador, então tudo o que era moda, tudo o que aparecia no rádio era inimigo número um. Quando eu ouvia falar de NX Zero, Fresno ou bandas que cresciam, era aquele síndrome do underground de que preciso rechaçar. Sei cantas todas as músicas, mas não posso apoiar. Só posso gostar de bandas que ninguém conhece. O adolescente é um idiota, mas é também genial. A gente se sentindo a coisa mais importante do mundo e se achando tão certo, a gente é idiota e genial. A genialidade e a imbecilidade vão de mãos dadas.

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"Quando me perguntam se eu tô usando beats pra tentar imitar o trap ou trazer uma galera jovem, a verdade é o oposto: a galera jovem que me ensinou que com o computador você consegue fazer o que você quiser. Se você não é o cara mais estudado ou perfeito nisso, foda-se! Sua limitação é o que mostra a sua personalidade."

Como foram as parcerias do disco?

A única que foi realmente dividida foi "Cicatriza", na qual o Lucas (Silveira, do Fresno) entrou de cabeça. Era pra eu ter lançado "Bomba Relógio" com ele', mas ele tava atarefado e não conseguiu fazer. Aí eu mandei um projeto de música pra ele que chamava "tão artificial". Duas semanas depois, ele me devolve um arquivo com o mesmo nome, mas tinha tudo menos "Tão Artificial". Era uma música nova, do zero. Achei demais, cativante. Mudei um pouco a letra e fomos fazendo um bate-bola, tudo bem dividido. Ele produziu tudo e foi realmente muito foda nessa faixa. "Indestrutível" também tem a participação do Faustino, que é um produtor de beats aqui de Salvador cabulosíssimo, gostaria muito que o mundo conhecesse. Ele também é um cara que veio do pop-punk, do metal, mas que percebeu que nesse nicho, extremamente branco, não existia referência para as pessoas pretas que ouviam o gênero. Tem muita gente que ouvia Paramore, mas não conseguia se identificar. Ele tem essa veia do pop-punk, mas hoje é 100% do trap.

Você lançou quatro singles e agora lança o disco completo. Por que optar pelo full?

Em termos mercadológicos, você não lança achando que vai dar um retorno financeiro ou mercadológico, você lança porque é a etapa, é o ciclo, o momento no qual você está. Meu primeiro disco é bem esquizofrênico porque eu não falei "vou fazer um disco", eu fiquei fazendo um monte de música durante as turnês. Um dia eu cheguei na casa do Lucas "Fresno" e falei "velho, tô com umas 200 músicas", ele respondeu "200? Você tá louco! Lança elas". Fiz um compilado e lancei. Tem de putaria até revolução e gritaria, mas eu senti que eu deixei todo mundo confuso sobre o que era Sebastianismos. É um artista pop cantando reggaeton, mas um cara que grita... Tem essa dificuldade de entender que o ser humano não é x ou y. A humanidade inteira é baseada na binaridade entre um deus e um demônio, então como entender que uma pessoa pode ser mais profunda do que um sim ou um não? Eu sinto que esse primeiro disco é o disco que antecede o primeiro. O "Tóxico" é o primeiro

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Rafael Braz

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