Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"Retorno": filme argentino da Netflix é um grande desperdício

Lançado pela Netflix, "Retorno" é um thriller com boa premissa e boas atuações, mas com roteiro e execução lamentáveis

Vitória
Publicado em 28/07/2022 às 01h40
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Filme argentino "Retorno", da Netflix. Crédito: Valeria Fiorini/Netflix

Acostumou-se a dizer no Brasil que o cinema de nossos vizinhos argentinos é o melhor da América Latina. De fato, desde o fim da ditadura no país (1983), cineastas argentinos tiveram reconhecimento mundo afora, inclusive no Brasil, e ganharam dois Oscar de filme internacional com dois ótimos filmes, “A História Oficial” (1984), de Luis Puenzo, e “O Segredo de Seus Olho”, de Juan José Campanella.

A indústria argentina também tem outros nomes interessantes como Lucrécia Martel, Pablo Trapero, Matías Piñero, Fabián Bielinsky e Gastón Duprat, entre outros, conseguiram transformar as produções argentinas em um cinema pop, de grande apelo, mas ainda com identidade e assinatura autoral, algo buscado pela indústria brasileira, por exemplo, hoje ainda muito dividida entre o cinema autoral, que acaba restrito aos festivais, e aos pipocões de grandes estúdios.

Isso não significa, porém, que tudo que venha da Argentina seja bom, pelo contrário. Tal como cá, há filmes apenas razoáveis, mas que fazem sucesso (“Granizo”), e algumas obras que buscam o cinema de gênero e ficam tão reféns das fórmulas que nunca chegam ao ponto certo. É o caso de “Retorno”, lançado pela Netflix.

Dirigido por Alejandro Montiel, “Retorno” é um thriller policial com boas premissa e ambientação, mas com um roteiro sem foco algum. A história se passa em um interior desértico da Argentina e é lá que conhecemos Pipa (Luisana Lopilato, a Mia Colucci de “Rebelde Way”), uma ex-policial que largou o emprego e a cidade grande em busca de paz. Um dia, porém, uma jovem de ascendência indígena aparece morta na região após esbarrar com Pipa durante a noite. O que aconteceu ali?

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Filme argentino "Retorno", da Netflix. Crédito: Valeria Fiorini/Netflix

“Retorno” tem início com narrativas paralelas alternando entre o núcleo de Pipa e uma família rica e influente da região cuja filha está prestes a se casar com o filho do prefeito de La Quebrada, o vilarejo do filme. O texto traz algumas camadas interessantes, pois todos os ricos são de ascendência europeia enquanto os pobres e trabalhadores da região têm ascendência indígena.

Há no filme um conflito social e de raças pouco explorado pelo cinema comercial argentino - a colonização espanhola na Argentina dizimou povos nativos e, mais tarde, o país usou os sobreviventes na linha de frente de guerras; não à toa o presidente Alberto Fernandez afirmou, em 2021, que os argentinos se originaram de barcos repletos de europeus, o que tornaria o país “superior” a seus vizinhos latino-americanos.

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Filme argentino "Retorno", da Netflix. Crédito: Valeria Fiorini/Netflix

Não é esse contraste, no entanto, o que dá o tom do filme. “Retorno” tem o mérito de escapar ser um “white saviour” (Pipa é uma mulher branca e loira), mas tenta ser maior do que seu texto permite e perde o foco com muita facilidade. As viradas do filme são constantes e às vezes meio repentinas, principalmente no terceiro ato, quando decide ser hora de acelerar para compensar o tempo perdido com arcos que poderiam ser facilmente ignorados.

O filme de Alejandro Montiel é tecnicamente atrativo, utilizando bem as paisagens do deserto argentino e com uma trilha sonora cheia de sintetizadores que soam deslocados naquela região, mas que conferem um ar “cult” à obra. As atuações também não comprometem, mesmo com um ou outro personagem meio canastrão, lembrando as novelas mexicanas, e uma caricaturização de alguns “bandidos” coadjuvantes. O grande problema do filme é mesmo o roteiro, que torna tudo esquecível e confuso. Não há desenvolvimento algum para nenhum dos personagens (há mais informações sobre Pipa na sinopse do que no filme) e o filme ainda tem algumas viradas sustentadas pela busca por um MacGuffin e pela ingenuidade de alguns adolescentes. Ainda, a virada final, em sua essência, é bem interessante e o roteiro até dá dicas dessa virada antes, mas sua execução beira o risível.

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Filme argentino "Retorno", da Netflix. Crédito: Valeria Fiorini/Netflix

Com um roteiro mais bem trabalhado, “Retorno” poderia ser um filme bom. O clima desértico combina com thrillers, pois não há saída para os personagens além de encarar a situação, mas isso é muito pouco aproveitado pelo texto. Ao fim, é um filme que nunca alcança o que poderia ter sigo e entrega uma jornada totalmente esquecível, desperdiçando boas viradas.

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