Crítico de cinema e colunista de cultura de A Gazeta

Pop e artístico, "O Bestiário Invisível" trata identidade LGBTQIA+

Videoarte dos cineastas capixabas Tati Rabelo e Rod Linhales usa estética pop para tratar da construção da identidade LGBTQIA+ pela sociedade

Vitória
Publicado em 11/12/2020 às 14h25
Filme
Filme "O Bestiário Invisível", de Tati Rabelo e Rod Linhales. Crédito: Reprodução "O Bestiário Invisível"

A sociedade apaga vozes e esconde corpos que não considera “normais”. Ainda, quando os “percebe”, o faz de maneira agressiva ou como chacota. É com esse sentimento que os diretores Tati Rabel e Rodrigo Linhales desenvolveram “O Bestiário Invisível”, videoarte com lançamento nesta sexta-feira (11), às 16h, no perfil do filme no Instagram (@obestiarioinvisivel).

Com uma estética pop de colagens e bom humor, o filme traz relatos de pessoas LGBTQIA+ não vitimizando-as, mas provocando uma sensação de expurgo, de “deboche morfológico” com bom humor e “estética onírica”. As imagens que se misturam com os corpos fazem referências às coisas que os personagens do filme ouviram de maneira agressiva.

“Desde o início do processo criativo, eu e Rodrigo definimos que as personagens seriam artistas, pessoas que de alguma forma transmutaram todas dificuldades enfrentadas pelos indivíduos LGBTs em manifestação artística”, explica Tati Rabelo. “As personagens foram escolhidas por esse recorte além da possibilidade de dar voz a indivíduos que são colocados à margem da sociedade. Algumas personagens já eram do nosso convívio e outras surgiram nas pesquisas pra fechar o elenco”, completa.

A diretora conta que pediu a seus personagens que enviassem três relatos cada. Com os depoimentos em mão, ela e seu codiretor escolheram os que ofereciam mais possibilidade de composição para “dialogar com a singularidade estética das personagens”. Cada relato ganha um tratamento individual, aspecto reforçado pela produção sonora de Gabriela Brown, que confere ao filme uma atmosfera sombria, com camadas de ruídos orgânicos que proporcionam uma boa imersão (assistam com fone, se possível). “ A ideia de simular e evocar os sentimentos das personagens passa obrigatoriamente pela trilha sonora”, afirma Tati.

O estilo do filme, segundo a diretora, é uma junção da estética da dupla (ela e Rodrigo), uma coisa “orgânica punk pós-industrial” com a dos personagens. O resultado é espetacular, com cada elemento em tela tendo, a seu modo, um significado na narrativa - significado este que pode variar de acordo com a subjetividade de cada um. “A soma de elementos do nosso vocabulário visual com a das personagens que também é carregado de ruídos e particularidades que pretende evocar essa memória afetiva e causar impacto visual para o espectador”, pondera a cineasta.

Para criar esse estilo, eles transcodificaram os relatos em imagens únicas. “Produzimos, por meio de impressão digital, lâminas em acetato para reproduzir os ‘monstros’ imaginados sob o viés do preconceito de gênero. Essas aberrações da realidade criadas pelas mentes preconceituosas são então transformadas em desenhos bestiais. As lâminas representam as camadas de preconceito e a construção da figura bestial, que se desnuda dos preconceitos à medida que o vídeo se desenvolve. O resultado disso é que as camadas desaparecem conforme a câmera avança, uma alegoria também sobre a passagem de tempo e os avanços sociopolíticos até o final desejado, onde se enxerga o humano em si, um semelhante, apenas uma figura humanizada e real”.

Tati Rabelo

Cineasta

"Nosso objetivo primordial com o projeto 'O Bestiário Invisível' é proporcionar através da linguagem da videoarte uma experiência única de aprendizado e inclusão social. O imaginário dito convencional teima em colocar o universo LGBTQIA+ em 'caixas', geralmente em contexto hipersexualizado, cômico ou bestial."

Uma obra de livre acesso, com estética e pegada pop, “O Bestiário Invisível” agora tem a tarefa de chegar ao grande público e espalhar sua mensagem. “Nossa comunidade agoniza no país que mais mata os nossos. Através do edital de artes visuais da Secult foi possível materializar essa ideia. A desconstrução da imagem bestializada dos LGBTQIA+ através da imagem, tem potência para alcançar para além dos discursos e provocar reflexão crítica. O lançamento do filme e a disponibilização perpétua on-line pretende alcançar de forma exponencial um público maior e fora do nicho LGBTQIA+”, pondera Tati. O filme, vale ressaltar, também está sendo distribuído para diversos cineclubes e festivais de cinema.

A cineasta explica que o projeto busca discutir essa construção de imagem, ampliar e dar visibilidade às informações sobre impasses relativos ao poder normativo e os conflitos pessoais que habitam o cotidiano dos LGBTs. “Acreditamos que o processo de pesquisa e produção também é um instrumento empoderador, na medida que o resultado/exibição promove um local de fala próprio, um território despido de pré-conceitos e arquétipos impostos. Nossa intenção é causar impacto visual e provocar sensações”.

“O Bestiário Invisível” tem relatos fortes de Brisa, Amanda, Max, Lorena, Ursula e Graziella, mas a construção da imagem desperta muito mais reflexão do que qualquer outra coisa. “O processo e a pesquisa foram sim dolorosos. Acessar esses locais nos relembra o quão agudo foi para nós nos reconhecermos ‘diferentes’ e rever todas as adversidades, muitas enterradas no passado. Traz sentimentos profundos, mas também empoderadores no sentido da superação e transmutação da dor em arte”.

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