Crítico de cinema e colunista de cultura de A Gazeta

"Mojica era um mestre não só do terror, mas do cinema"

Convidamos o cineasta Rodrigo Aragão, com quem José Mojica Marins, o Zé do Caixão, filmou seu último trabalho, para falar sobre sua história com o lendário diretor

Publicado em 01/03/2020 às 06h00
Atualizado em 01/03/2020 às 06h00
 Crédito: Acervo pessoal Rodrigo Aragão
Crédito: Acervo pessoal Rodrigo Aragão

José Mojica Marins, lendário cineasta e ator famoso pelo personagem Zé do Caixão, nos deixou em 19 de fevereiro. Mojica já não produzia tanto nos últimos anos, seu último longa como diretor, “A Encarnação do Demônio”, data de 2008, mas em 2014 ele veio Espírito Santo dirigir um dos filmes da antologia “Fábulas Negras” (2015) ao lado do guarapariense Rodrigo Aragão. Foi o último trabalho de Mojica, que também atua no segmento dirigido por ele. Justamente por isso, convidei Rodrigo Aragão para falar sobre o eterno José Mojica Marins. Confira.

Rodrigo Aragão

“Eu nasci em 1977, então durante a década de 80, minha infância e pré-adolescência, a gente não tinha nenhum acesso ao real trabalho do Mojica. Pra mim ele era o tio engraçado, de unhas grandes, que aparecia na ‘Praça é Nossa’ ou no programa do Silvio Santos.

Na década de 1990, com o ‘Cine Trash’, ele se tornou o rosto mais conhecido da minha vida já que eu sempre assisti ao programa e adorava aqueles filmes. Hoje penso que ali o Mojica se apresentava como uma caricatura dele mesmo e a gente continuava não tendo acesso aos seus trabalhos. Acho que só pude ver um filme do Mojica no início dos anos 2000, quando encontrei uma locadora que tinha ‘O Exorcismo Negro’ (1974). Esse filme bateu como uma pedra em mim. Era muito melhor, muito mais assustador e muito mais criativo do que eu esperava.

Com a chegada dos DVDs eu pude assistir ao que pra mim é o maior clássico do cinema brasileiro, ‘À Meia-noite Levarei Sua Alma’. É um filme que amo, acho uma coisa única no cinema mundial. O espírito do Mojica, principalmente essa coisa rebelde, de fazer como se pode, me deu forças pra fazer meu primeiro filme, “Mangue Negro”. Em 2008, quando terminei o filme depois de três anos, fui estreá-lo no Fantaspoa (Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre) e, pra minha felicidade, o Mojica estava lá lançando o ‘Encarnação do Demônio’.

Na primeira vez que o vi ele estava do lado de fora, fumando um cigarro... Eu sou meio tímido com essa coisa de abordar alguém, mas minha esposa não pensou duas vezes e foi imediatamente correndo até ele. O Mojica foi superlegal, super receptivo. Me deu parabéns (mesmo sem ter visto o filme) e falou ‘que bom que tem alguém fazendo filme de terror’. Ele sempre foi muito carinhoso, muito acessível.”

Fábulas Negras

“Quando surgiu a ideia do ‘Fábulas Negras’, surgiu a ideia de chamá-lo para fazer uma participação. Ele ficou sabendo que teria uma história sobre o Saci e quis dirigir essa história. Foi uma surpresa que ele topasse fazer um filme de tão baixo orçamento, com uma equipe tão pequena e no interior do Espírito Santo. Ele veio passar dez dias (em Guarapari) e filmou fora do estúdio, numa floresta mesmo. Isso é uma coisa que eu nunca vou esquecer. É uma grande oportunidade que eu tive na vida - ver um cara desse nível, com essa bagagem, com essa história, dirigindo um filme de baixíssimo orçamento, se divertindo. Nunca vi uma equipe trabalhar tão pesado e com um sorriso tão grande. A energia dele é contagiante, deixa toda a equipe feliz.

Uma coisa que me marcou bastante foi a despedida dele após os dez dias aqui. Era nítido que ele estava saindo dez anos mais jovem do que tinha chegado. Acho que a energia de um set, a energia do cinema, fazia bem ao corpo dele. Foi notório. É um ser que vivia de cinema, de arte. Acho que é por isso que todos o chamam de mestre - e é mesmo um mestre não só do cinema de terror, mas do cinema mundial. Todo brasileiro deveria ter muito orgulho de ter nascido no mesmo país que José Mojica Marins”.

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