Crítico de cinema e colunista de cultura de A Gazeta

"Liga da Justiça de Zack Snyder" é grandioso e cansativo

O tão aguardado "Snyder Cut" está entre nós. Disponível no streaming "Liga da Justiça de Zack Snyder" é uma versão muito superior ao filme de Joss Whedon

Vitória
Publicado em 18/03/2021 às 06h01
"Liga da Justiça de Zack Snyder". Crédito: Warner/Divulgação
"Liga da Justiça de Zack Snyder". Crédito: Warner/Divulgação

“Liga da Justiça de Zack Snyder” não deixa dúvidas desde seu início: é um filme grandioso. A aguardada versão de Zack Snyder é, de fato, um filme bem diferente do lançado em 2017 com a assinatura de Joss Whedon, que substituiu o diretor responsável pela criação do universo de heróis da DC nos cinemas. Além disso, é um filme que já chega com uma garantia de fãs que, mesmo se não gostarem tanto assim do corte do diretor, dificilmente darão o braço a torcer e o defenderão com unhas e dentes.

O “novo” “Liga da Justiça” é um filme de excessos. Com uma suposta carta branca após ter convencido a Warner a lançar sua versão do filme sem receber nada por isso, Snyder entrega uma obra que tem o dobro de duração do filme de 2017 - 242 minutos contra  120. Essa nova estrutura possibilita que o diretor desenvolva muito dos arcos mal trabalhados no filme de Whedon e dê profundidade a alguns personagens que careciam disso, mas também torna a experiência de assistir ao filme um tanto cansativa. O fato de o filme ser lançado em plataformas de streaming ameniza o cansaço e possibilita até que o filme seja assistido como uma série, inclusive já com os capítulos devidamente divididos. A dissociação entre os dois filmes é impossível, mas aqui tentarei considerar na maior parte do texto a versão lançada com a direção de Zack Snyder.

Com uma injustificável dimensão de tela em 4:3, algo que não faz sentido algum, o filme é sombrio e pesado durante a maior parte de seu tempo. O diretor aproveita seu tempo para dar mais peso a seus personagens secundários. Por mais que hoje já conheçamos mais sobre Aquaman e Mulher-Maravilha, “Liga da Justiça” representava a segunda aparição da guerreira amazona (a primeira foi no péssimo “Batman vs. Superman”) e a segunda do rei dos mares.

A “nova” princesa guerreira é uma versão mais hardcore e agressiva do que as que vimos nos dois filmes dirigidos por Patty Jenkins, enquanto para o personagem vivido por Jason Momoa, a grande diferença está no seu passado e em sua relação com Atlântida e seus moradores. Até o Bruce Wayne de Ben Affleck ganha uma versão ainda mais séria e ainda mais em luto, mas encontrando um certo pertencimento naquela equipe de heróis.

O filme de 2017 marcou as estreias, e até hoje únicas aparições, de Flash e Ciborgue. O velocista interpretado por Ezra Miller continua sendo um alívio cômico para o filme, com bons comentários e um deslumbramento perceptível de fazer parte daquela equipe, mas não ganha tanto desenvolvimento e se torna meio deslocado em um ambiente mais cinza. Já o Ciborgue de Ray Fisher, ator que recentemente foi a público revelar o comportamento abusivo de Joss Whedon, ganha mais tempo e mais tempo de tela e mais importância narrativa - sim, é mais um herói com problemas nas relações com o pai, mas pelo menos é algo.

"Liga da Justiça de Zack Snyder". Crédito: Warner/Divulgação
"Liga da Justiça de Zack Snyder". Crédito: Warner/Divulgação

O mesmo acontece com o Lobo da Estepe, cuja relação com o vilão Darkseid é mais bem explorada. É nessa interação entre eles também que reside um problema para “Liga da Justiça” - o poderoso capanga, após cada incursão para recuperar as Caixas Maternas, explica tudo o que acabou de ser mostrado para Desaad, um dos arautos de Darkseid, e revela tudo o que acontecerá a seguir, para que o espectador não tenha dúvida nenhuma. Assim, o filme ganha uma exposição desnecessária e cansativa, um didatismo quase imperdoável para uma obra de quatro horas de duração.

Se o filme de Joss Whedon queria dar ao universo DC um pouco da leveza e diversão do universo Marvel, Zack Snyder faz de seu “Liga da Justiça” a sua resposta aos dois últimos “Vingadores”, quase um anti-Marvel. O filme é sisudo, escuro (até demais em alguns combates) e quase todo realizado em tons de sépia - não pode restar dúvida alguma de que aquelas pessoas estão de luto; não só as pessoas, o mundo inteiro. Com os US$ 70 milhões de refilmagens, o diretor chega a recriar cenas que não comprometiam no filme de 2017 apenas para manter o tom desejado por ele. O montante de dinheiro gasto nas refilmagens surpreende principalmente se considerarmos que algumas novas cenas abusam de computação gráfica de qualidade duvidosa.

A longa duração do filme o torna cansativo, mas também tem seu lado positivo na narrativa. A ressurreição do Superman ganha muito mais peso na trama - acontece tanta coisa no filme antes dela que às vezes até esquecemos disso. Da mesma forma, o excesso de tempo confere ao filme um ar épico, explorando diferentes mitologias e corrigindo desvios e liberdades tomadas por Whedon em 2017.

"Liga da Justiça de Zack Snyder". Crédito: Warner/Divulgação
"Liga da Justiça de Zack Snyder". Crédito: Warner/Divulgação

Zack Snyder tem plena ciência de que sua versão da “Liga da Justiça” só está sendo lançada devido à pressão dos fãs desde o lançamento do filme de Joss Whedon. Por isso, ele enche o filme de momentos cuja única função é agradar esses fãs fiéis - o uniforme preto do Superman, a presença do Caçador de Marte, Lex Luthor, Deathstroke...

Quando a tão falada sequência do pesadelo chega à tela, o possível futuro apocalíptico do universo da DC e a tão falada aparição do Coringa surgem de maneira ousada, quase como um vislumbre de como Zack Snyder enxergaria o futuro do universo DC. A sequência funciona bem e serve como mais um carinho aos fãs após o fiasco dela no "Liga da Justiça" original, mas acaba apresentando um arco que dificilmente será continuado.

"Liga da Justiça de Zack Snyder". Crédito: Warner/Divulgação
"Liga da Justiça de Zack Snyder". Crédito: Warner/Divulgação

“A Liga da Justiça de Zack Snyder” é o epítome de Zack Snyder, uma obra que eleva suas características à infinita potência, para o bem e para o mal. O diretor, conhecido por não ser nada sutil, utiliza um excesso de sequências em câmera lenta, tirando o impacto do recurso, e pesa a mão no sentimentalismo em cenas dignas de dramalhões mexicanos. O texto também reforça ainda mais o aspecto de deuses dos heróis da DC, característica que ganha mais força pela maneira como o diretor filma seus protagonistas.

É interessante pensar que mesmo se Snyder tivesse lançado sua versão há quatro anos, ela dificilmente seria a que chega agora às plataformas de streaming - comercialmente, naquele ponto, a Warner não permitiria um filme de quatro horas. De qualquer forma, “A Liga da Justiça de Zack Snyder” é um filme bem superior ao complicado lançamento de 2017 e muito mais coeso. Não vai converter os detratores, mas é exatamente tudo o que os fãs esperavam dele.

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