Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

Filme capixaba "Amantes da Dissonância" tem sessão no Cine Jardins

Dirigido por Enzo Rodrigues, "Amantes da Dissonância" mistura linguagem experimental à narrativa simples de uma história de amor

Vitória
Publicado em 07/04/2022 às 17h23
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Filme "Amantes da Dissonância", de Enzo Rodrigues. Crédito: ER Filmes/Divulgação

"Amantes da Dissonância" poderia ser uma simples história de amor de um jovem casal que se conhece, se aproxima e inicia uma relação cheia de encontros e desencontros. A clássica estrutura dos filmes românticos está presente, mas o diretor e roteirista Enzo Rodrigues resolveu dar a tudo um tom experimental. À história do casal, soma-se esquetes que se passam naquele mesmo universo e muitas discussões sobre filosofia e autores.

"É um filme sobre amor, espiritualidade e vínculos, uma história sobre o processo e criação em relação com as experiências em vida, fator esse impregnado no filme pela dosagem de metalinguagem", explica o diretor.

"Amantes da Dissonância" é o primeiro longa-metragem de Enzo e um filme realizado de maneira totalmente independente. "Talvez tenha sido mais que independente, tivemos um modo de produção similar a um cinema de bordas, sem orçamento, apenas na vontade de pegar uma câmera e fazer cinema, mesmo que de forma simples, imperfeita, dissonante".

O filme terá sessão nesta sexta-feira (8), às 19h30, no Cine Jardins, em Vitória. Os ingressos estão à venda no site Sympla. Confira abaixo a entrevista em que Enzo fala sobre o filme e sobre sua visão de cinema.

Você cita David Lynch, John Cassavetes e o Leos Carax, como qual até acho que o filme conversa, mas minha primeira referência ao filme acabou sendo o Richard Linklater, principalmente o Waking Life. Qual foi a ideia do filme ao trazer alguns conceitos filosóficos a uma história teoricamente simples de amor?

Gosto muito do cinema do Richard Linklater e acho interessante essa análise, porém não chegou a passar pelo imaginário como referência. A ideia do filme de trazer esses conceitos parte da influência de um ideal cinematográfico tratado por Gilles Deleuze, sobre a crise da ação e uma arte ligada ao pensamento. É daí que proponho, não só para essa obra, mas para futuras, um cinema que busque o diálogo com a filosofia, a expor, debater e experimentar. Sendo assim, à medida que a trama foi se desenvolvendo, elementos teóricos se apresentavam como auxiliares, seja para tratar a questão do amor, ou mesmo da morte e política.

Qual foi a base para a história?

O filme foi escrito sem argumento. Na vontade de escrever, entrei em um processo criativo envolvendo meditação e reflexões (daí que o filme também trata esse lado metalinguístico do processo) e comecei a elaborar sem saber o destino. Uma coisa ia levando a outra, novos tratamentos e ideias iam e vinham. Então, assim como o processo, não houve uma base para formulação da história, foi apenas um constante fluxo, que em sua proposta de cinema, tentou-se tratar de pensamentos, dúvidas, anseios e medos. Para tanto, houve a concepção da teoria que guia e dá título ao filme, do amor a desarmonia da vida, sendo a partir dela criado as nuances que são abordadas.

Por que optou por um longa? Houve material deixado de fora?

Já tinha me aventurado em produções mais caseiras em formato de curta-metragem, então resolvi dar um passo à frente e escrever um longa. Não sabia sobre o que escrever, apenas queria fazer uma história mais longa do que estava acostumado. Foram muitas tentativas e descarte de ideias, até que decidi escrever sem definições, assim foi concebido o “Amantes da Dissonância”. Do resultado final tivemos materiais deixados de fora sim, havia conteúdo que dava para ter feito do filme uns 15 minutos mais longo. Mas foram escolhas de montagem para ter o resultado mais adequado.

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Filme "Amantes da Dissonância", de Enzo Rodrigues. Crédito: ER Filmes/Divulgação

Foi tudo feito na camaradagem? Amigos, equipe… Chegou a tentar captar recursos ou a ideia era justamente explorar essa pegada independente?

Não tentei captar recursos através de editais, mas cheguei a entrar em contato com produtoras em busca de parceria para coprodução, não sendo bem-sucedido. Então, o filme acabou sendo feito com o que tínhamos a dispor e sua natureza independente acabou virando um recurso a ser explorado. Talvez tenha sido mais que independente, tivemos um modo de produção similar a um cinema de bordas, sem orçamento, apenas na vontade de pegar uma câmera e fazer cinema, mesmo que de forma simples, imperfeita, dissonante. As pessoas envolvidas acreditaram na ideia e toparam participar, não houve nenhum envolvimento financeiro, tudo pela crença no projeto. Do grande elenco encabeçado por Brun Henrry, Yasmin Toretta, Lorena Corrêa e Ari Vargas, passando por membros do projeto como Ana Mongin, Daniel Bones, Julia de Carvalho, Gabrielly Lodi, Kevin Assis, Lucas Ogawa, Juan Silva, Lucas Álan, Erivaldo Soares, Thayron Schoeffer, Roger Mendes, Bárbara Goring, Phablo Stefeno, João Victor Candido, Carlos Fornazelle, Ricardo Steff, Vitor Sonsini e Lucas França. Sem eles não existiria esse filme.

Os diálogos têm um tom de artificialidade, o que é normal em atores amadores, mas que também ajuda a dar ao filme essa pegada um pouco surreal, principalmente com o que acontece nas histórias paralelas. É intencional?

Em alguns casos do filme há a ideia de, como no cinema de Bresson, trazer uma artificialidade que se faz presente em tons místicos, esvaziando grandes expressões em razão da essência. Assim, tentei trazer um clima onírico envolvendo a trama, mas não diria que há intenção de um tom artificial para o conjunto da obra.

O texto mostra o Jorge em transformação (até visual), de um jovem anti-comunista ateu para alguém que termina lendo o Manifesto Comunista e acreditando na possibilidade de forças divinas. Essa jornada é o foco do filme?

Entramos num tópico de spoilers. Tratando da ideia, a jornada do Jorge é sim um dos pontos cruciais do filme, ele é o protagonista e suas ações e pensamentos refletem a obra. Porém, ao falar de “foco” pode-se dizer que o filme possui vários. E, sendo uma história com desfechos em aberto, assim também deve ser vista. Interpretações ficam a cargo de quem assiste, essa é a maneira adequada de experienciar o filme, criando seu próprio significado sobre o que os elementos representam.

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