Crítico de cinema e colunista de cultura de A Gazeta

"Estamos na era do sermão", diz músico Castello Branco

Músico carioca encerra sua provocadora trilogia com "Sermão", disco fruto de suas alquimias e de sua relação com a fé

Publicado em 07/10/2019 às 11h17

Castello Branco, hoje com 32 anos, viveu até os 16 anos confinado no monastério ecumênico Núcleo de Serviço Cre-Sendo, na Serra do Capim, no interior do Rio de Janeiro. Por mais que seja injusto defini-lo a partir disso, também é impossível deixar essa informação de fora de um texto que analise qualquer um de seus trabalhos. O recém-lançado "Sermão" dá fim à trilogia iniciada em 2013 com "Serviço", e  continuada com "Sintoma", em 2017, e carrega muito da origem do músico carioca.

A trilogia, segundo ele, é consciente, mas não intencional. "Quando comecei eu tinha a ideia, mas não tinha a certeza. Essa certeza da trilogia veio com o 'Sintoma'", explica o músico, em entrevista por telefone. "Às vezes a gente quer fazer algo... Mas não tinha início, meio e fim, na verdade eu nem sabia se iria viver para continuar", brinca.

"Sermão" tem uma raiz parecida com os trabalhos anteriores do músico, mas é menos intimista e mais direto. "Não queria que fosse a mesma coisa, tinha que conversar a ideia, mas não necessariamente ter a mesma estética", explica Castello.

Ele explica que seus discos são sempre retratos do que ele está vivendo. Em "Sintoma" o Brasil ainda estava no período pré-eleição, mas as coisas já davam mostras do sentido para o qual iriam caminhar; era um sintoma do que a sociedade viria a se tornar. "Sermão" vem daí. "Deu merda, né? Agora veio o sermão", pondera, aos risos, antes de completar. "As canções vieram mais fortes por conta do momento, é um espelho, a sensibilidade da arte. Comecei a fazer músicas mais para fora".

"Sermão", nesse sentido, significa a presença política de seu autor. Castello diz não se considerar um sujeito político, mesmo tendo plena convicção que sua existência por si só já é um ato político. "Eu e minha visão de consciência estamos ali (na música). É como eu enxergo o mundo, como poderia facilitar pra alguma outra compreensão do mundo, uma força política intelectual".

O disco é, de fato, mais direto do que seus antecessores. É também um trabalho mais grandioso, com muitas harmonizações vocais e instrumentos variados. Castello conta que o disco só saiu dessa forma devido ao edital da Natura Musical. "Foi tudo investido no disco, não ganhei dinheiro nenhum, mas fiz como queria ter feito", pondera.

O disco tem uma sonoridade particular, mas não distinta de "Sintoma". Tem música brasileira, tem balanço e tem batidas eletrônicas - talvez uma herança de "Castello Dança - Sintoma", remix eletrônico de seu segundo trabalho. Vale destacar as ótimas "Geral Importa" e "Powerful". "Fortaleza", que vem na sequência, tem melodia vocal de axé, mas sobre uma levada pop que faz lembrar a banda americana fun.. Já "Juntos Com Certeza" tem uma pegada solar, praiana. Depois dela, no entanto, o clima do disco se torna "menor", mais íntimo, como se tivesse dois lados. 

A força do "S" e a provocação

O que também liga a trilogia é a letra "s", que inicia os três títulos. Coincidência? "Não foi pensado, mas é uma coisa de alquimia. A palavra 'ser' é uma das mais importantes da existência, pra entendermos nossa existência. É uma coisa minha voltada pra alquimia cósmica", revela. 

Castello se considera um provocador, algo que segundo ele também a ver com seu lado alquimista. Em "Sermão", pela primeira vez ele se permite falar de Deus de maneira mais direta - a música "Eu Ouço" não é só uma adoração, é quase um desabafo do músico que finalmente pôde cantar algo que tanto fez parte de sua vida. Além da letra confessional, musicalmente a música se distingue do resto do álbum justamente pela sonoridade típica da música pop cristã.

"Vim do contexto cristão, mas sempre guardei comigo. Sempre falei da minha relação consciência x Deus da minha forma, não com o olhar das instituições. Não quero ser limitado, porque se eu falo de Jesus, as pessoas me colocariam num lugar de música cristã, as pessoas podem achar que eu carrego tudo aquilo. Jesus não foi um cristão! Eu quero misturar minha alquimia, falar da existência como eu quiser, sem os símbolos que limitam o ser. Cristo foi um alquimista, eu sou um alquimista, uma cobaia de mim mesmo", provoca.

Castello prefere que suas provocações fiquem assim, no campo do intelecto. Ele vê seu olhar como uma provocação tanto para cristãos como para não religiosos. "Quero provocar todos os lados, o 'Sermão' é isso. Estamos na era do sermão. Você abre o Instagram e encontra pessoas pregando suas ideias e dando esporro nos outros... Aí você tem a bancada evangélica e vê religião se misturando com política. Meu sermão é para essas coisas".

Castello Branco

músico

"Quero provocar todos os lados, o 'Sermão' é isso. Estamos na era do sermão. Você abre o Instagram e encontra pessoas pregando suas ideias e dando esporro nos outros"

O músico ainda completa: "a gente ama ser provocado, né? Mas provocado sexualmente. A música pop é uma provocação sexual, a gente precisa também ser provocado em outros níveis. Não adianta falar de política o tempo todo e, quando fechar a porta, se provocar só sexualmente, sem uma autoavaliação".

Com a conclusão da trilogia, Castello Branco já busca novas alquimias, mas faz planos para os shows e ainda quer curtir o trabalho lançado. "Eu olho para os três discos e vejo que tem algo ali. É como um pintor quando termina um quadro, sabe?", indaga o carioca, com a consciência de que o mundo está mudando.

"Eu tenho que trabalhar algumas coisas em mim, minha personalidade, preciso me entender. Quero chegar a muitos corações, mas preciso negociar, tornar minha personalidade mais comunicativa", diz. Castello conta que pretende focar seus próximos trabalhos em singles, participações, ou seja, pretende se tornar mais acessível. "Eu precisei lançar este disco, a trilogia precisava existir, mas eu sei que não é um trabalho fácil", conclui.

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