Crítico de cinema e colunista de cultura de A Gazeta

Crítica: "Jojo Rabbit" usa humor absurdo para mostrar horrores do nazismo

Dirigido por Taika Waititi (de "Thor: Ragnarok")  e com seis indicações ao Oscar, "Jojo Rabbit" chega aos cinemas com uma história leve e até divertida; a visão de uma criança de 10 anos sobre o nazismo

Publicado em 07/02/2020 às 05h00
Atualizado em 07/02/2020 às 05h00
Filme "Jojo Rabbit". Crédito: Fox Films/Divulgação
Filme "Jojo Rabbit". Crédito: Fox Films/Divulgação

“Jojo Rabbit” não é o típico filme do Oscar. A comédia de Taika Waititi (“Thor: Ragnarok”) caminha, desde as primeiras cenas, no limite do bom gosto. Logo após vermos o logo da Fox Searchlight ao som de uma música alemã, somos levados ao encontro de Jojo Betzler (Roman Griffin Davis), uma criança de 10 anos que ensaia os seus cumprimentos nazistas para fazer bonito no acampamento para crianças prestes a ingressar na Juventude Hitlerista. Enquanto ensaia, Jojo recebe conselhos de Hitler, quer dizer… de um amigo imaginário personificado na figura do ditador alemão (e interpretado pelo próprio Taika Waititi). O jovem então sai às ruas cumprimentando todos que vê enquanto os créditos, com imagens de arquivo, comparam Hitler aos Beatles ao som de uma versão alemã de “I Wanna Hold Your Hand”.

No acampamento, com Jojo ao lado do amigo Yorki (Archie Yates), descobrimos em que pé está a Alemanha nazista e assistimos a alguns dos momentos mais divertidos de todo o filme. O primeiro ato serve para situar o espectador naquele universo, pois “Jojo Rabbit” não mantém o mesmo clima durante toda a projeção. Pouco depois do breve ato inicial, o filme já começa a mostrar as agruras da Alemanha nazista, as mortes, a repressão, e não de uma forma engraçada.

A trama engrena mesmo é após as devidas apresentações aos personagens e ao cenário. Jojo é apaixonado por Hitler, com direito a pôsteres espalhados pelo quarto, e reproduz todo tipo de discurso do ditador. Quão crítica pode ser uma criança de 10 anos, afinal? Seu pai está na Guerra e sua irmã está morta; Jojo vive com a mãe, Rosie (Scarlett Johansson), que por acaso esconde uma jovem judia dentro de casa. Quando Jojo descobre a presença de Elsa (Thomasin McKenzie), sua cabeça entra em parafuso e tudo muda em sua vida.

Por um lado, ele poderia entregar Elsa e ficar bem com seu ídolo; por outro, porém, isso significaria entregar a própria mãe. Seu plano, então, é interrogar a jovem e aprender o máximo possível sobre os judeus, colocar tudo em um livro e entregar para o Führer.

Leveza

Por mais que a trama pareça séria, “Jojo Rabbit” é de uma leveza incrível ao falar dos horrores da Alemanha nazista. O filme nos faz ver o mundo pelo olhar de uma criança e, assim, achamos graça, por exemplo, com a visão dos judeus que os alemães adultos transmitiam a seus jovens. “Como você mataria um judeu se o encontrasse? Ele se parece exatamente com a gente”, indaga Yorki, para Jojo responder: “eu procuraria por chifres. E eles cheiram como couve de Bruxelas”. É absurdo, ridículo, mas não é desmotivada.

Filme "Jojo Rabbit". Crédito: Fox Films/Divulgação
Filme "Jojo Rabbit". Crédito: Fox Films/Divulgação

Fazendo humor à sua maneira, Taika Waititi conseguiu transformar sua comédia em um filme forte, que suscita discussões acerca das teorias da espiral do silêncio, de Elisabeth Noelle-Neumann, e da banalidade do mal, de Hannah Arendt. Nem todas as pessoas envolvidas ali são más, elas só agem de acordo com o mundo que as cerca e tentam sobreviver. Algumas delas, inclusive, têm sua redenção pelo roteiro.

Adolf Hitler superstar

Taika Waititi consegue a proeza de tratar Hitler como uma espécie de estrela pop (lembra da abertura com música dos Beatles?) e ao mesmo tempo ridicularizá-lo. Os diálogos entre ele e Jojo são impagáveis e usam a argumentação de uma criança de 10 anos. Isso faz com que o Führer reproduza as palavras, as aventuras e as proezas vendidas pelo regime; coisas como “perna anti-bombas”, uma mentira que certamente agradaria crianças.

O elenco é fantástico até nos menores papéis. Scarlett Johansson, indicada ao Oscar, vive uma mulher cheia de camadas, preocupada com a obsessão do filho pelo ditador e seus discursos, mas cheia de afeto e força suficiente para fazer o que pode na luta contra o autoritarismo. Além dela, Sam Rockwell e Rebel Wilson também roubam a cena quando aparecem em tela.

Filme "Jojo Rabbit". Crédito: Fox Films/Divulgação
Filme "Jojo Rabbit". Crédito: Fox Films/Divulgação

Mesmo com o elenco de peso, o filme é das crianças. A química entre Roman Griffin Davis e Thomasin McKenzie é encantadora e o espectador acompanha a relação entre eles aos poucos - da ameaça e desconfiança à amizade. Archie Yates também tem momentos incríveis no filme como o “segundo melhor amigo” de Jojo.

Como dito no parágrafo inicial, “Jojo Rabbit” é diferente, provavelmente o mais atípico filme indicado ao prêmio principal do Oscar em um bom tempo. Ao contrário do que dizem algumas críticas, ele não tenta tornar a Alemanha nazista em algo divertido; o que Taika Waititi faz e usar a leveza de sua narrativa e o olhar de uma criança para mostrar quão absurdo foi um dos períodos mais duros da humanidade.

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