Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"Copenhagen Cowboy", da Netflix, é um espetáculo visual com boa ação

Criada e dirigida pelo dinamarquês Nicolas Winding Refn, do sucesso "Drive", "Copenhagen Cowboy" é esteticamente impecável, mas a que custo?

Vitória
Publicado em 09/01/2023 às 21h55
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Série "Copenhagen Cowboy", da Netflix. Crédito: Magnus Nordenhof Jønck / Netflix

Poucos cineastas amam tanto o próprio trabalho quanto o dinamarquês Nicolas Winding Refn, o que não deixa de ser admirável. No início de carreira, o diretor se notabilizou por filmes como a trilogia “Pusher”, um violento drama no submundo do crime da Dinamarca, e, depois, pelo bom, mas controverso “Valhalla Rising”, que misturava guerra e religião nórdica em devaneios influenciados por David Lynch com um apuro estético impecável.

Refn alcançou seu ápice narrativo em “Drive”, uma narrativa de aspecto etéreo, mas pop e embalada pela então popularidade crescente de Ryan Gosling. “Drive” credenciou o cineasta a filmes como “Only God Forgives” e “The Neon Demon”, em que se afastava da narrativa pop, mas mantinha o senso estético apuradíssimo. Em “Too Old to Die Young” (disponível na Amazon Prime Video), sua primeira experiência de fato na TV, Refn mostrou o apreço pelas narrativas longas, que o permitissem usar o silêncio, os takes longos e, principalmente, a contemplação. O curioso é que os dez episódios da série foram condensados em um filme para exibição em Cannes, ou seja, havia muitos excessos.

“Copenhagen Cowboy”, da Netflix, traz Nicolas Winding Refn (ou apenas NWR, como assina a série), de volta às séries. Em seis episódios de cerca de uma hora, a série carrega a assinatura de seu criador em todos os momentos.

O texto acompanha Miu (Angela Bundalovic), uma jovem que conhecemos quando ela chega à casa de uma mulher mais velha como uma espécie de amuleto. Miu tem “poderes” e leva sorte às pessoas a seu redor, mas as coisas desandam e ela acaba parte de um esquema de exploração sexual da máfia albanesa. Miu escapa e seu caminho se cruza com outros grupos, todos no submundo da Dinamarca e partes de clubes de luta, tráfico de drogas e outros esquemas ilegais. Em paralelo, o texto também desenvolve uma família aristocrata que, na teoria, é a grande vilã da série.

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Série "Copenhagen Cowboy", da Netflix. Crédito: Magnus Nordenhof Jønck / Netflix

“Copenhagen Cowboy” é de um primor estético que impressiona e sustenta a série. Refn abusa das fortes cores neon e de enquadramentos que transformam cada cena em uma pintura. Como a narrativa funciona meio como um sonho, essa estética funciona para reforçar essa sensação, que ganha ainda mais força com a trilha sonora cheia de eletropop e sintetizadores. Nada disso, porém, representa uma novidade para quem assistiu a “Only God Forgives”, por exemplo.

O roteiro planta ideias, mas nunca as desenvolve - inicialmente, por exemplo, há uma relação até incômoda entre os homens albaneses e os porcos, mas isso logo é esquecido. Todo o aspecto sobrenatural da trama, como os poderes de Miu e a sinistra família aristocrata de pessoas branquíssimas e loiras, também é apenas insinuado, o que é uma pena, pois o texto nunca recompensa o espectador, pelo contrário, deixa um sentimento de frustração ao final.

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Série "Copenhagen Cowboy", da Netflix. Crédito: Magnus Nordenhof Jønck / Netflix

Isso não significa não haver bons momentos durante as quase seis horas de narrativa. As cenas de ação são ótimas, mesmo bem menos “gore” do que em outras obras do diretor. Uma delas, entre Miu e o personagem que acaba sendo o grande vilão da temporada, funciona como uma bela dança. A construção do mistério também funciona, nos fazendo imaginar se estamos diante de algo real ou de um sonho, mas o resultado provavelmente não vai satisfazer o público da Netflix - a plataforma, é bom reforçar, não fez questão nenhuma de divulgar uma estreia de um cineasta renomado, como se nem soubesse ao certo como fazê-lo

É interessante como “Copenhagen Cowboy” caminha entre a caricatura e o se levar a sério demais. Isso é representado na atuação de Angela Bundalovic, que dá vida a uma Miu estoica, silenciosa e que não se abala com nada em momento algum. Ainda, a personagem parece se mover quase sempre em câmera lenta, como se funcionasse em um ritmo abaixo do resto do mundo até para atender um telefone. Isso, claro, quando ela não precisa entrar em ação - Miu é muito boa de briga e garante as melhores sequências da série.

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Série "Copenhagen Cowboy", da Netflix. Crédito: Magnus Nordenhof Jønck / Netflix

A impressão é que Nicolas Winding Refn gosta tanto de seu trabalho que pretende repeti-lo até o momento em que seja aclamado como crê merecer. Se é uma obra de NWR que você busca, é isso que você terá com a série da Netflix. “Copenhagen Cowboy” é uma psicodélica e violenta viagem neon pelo submundo da Dinamarca, mas falta foco ao texto, que acaba vítima de um ritmo nem sempre atrativo. Se o roteiro fosse transformado em um filme, talvez tivéssemos um dos melhores trabalhos do diretor.

Ao fim, quando “Copenhagen Cowboy” finalmente parece chegar ao ponto imaginado por seu criador desde o início, a temporada se encerra; e, levando em consideração o apreço da Netflix pelos cancelamentos, é muito difícil crer que uma série tão peculiar e que não parece ser feito sucesso mundo afora tenha uma segunda temporada para concluir sua história.

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