Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"À Segunda Vista", da Netflix, vai além da comédia romântica

Estrelada e escrita pela comediante Iliza Shlesinger, "À Segunda Vista" subverte fórmulas das comédias românticas em uma história quase real

Vitória
Publicado em 24/06/2021 às 04h26
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Filme "À Segunda Vista", com Iliza Shlesinger. Crédito: Alex Lombardi/Divulgação

A comédia romântica é um dos gêneros mais estabelecidos na indústria de cinema. Algumas fórmulas estabelecidas nos últimos 40 anos envelheceram mal, mas não demorou para que Hollywood logo entendesse a nova demanda: histórias mais próximas da realidade, com personagens mais críveis e com uma construção social mais contemporânea, diminuindo o forte aspecto machista que boa parte dessas obras carregavam.

A Netflix entendeu isso bem e apostou em filmes como “Meu Eterno Talvez”, “Barraca do Beijo”, “Plano Imperfeito”, “Você Nem Imagina…” e séries como “Sex Education”, “Sexify”, "Amor e Anarquia”, “Dash & Lily” e por aí vai. Em “À Segunda Vista”, a gigante do streaming coloca uma das principais comediantes de stand up com espetáculos na plataforma para protagonizar uma comédia romântica que subverte o gênero de maneira quase sádica.

“À Segunda Vista” tem a comediante Iliza Shlesinger em uma história semi-autobiográfica. Shlesinger vive Andrea, uma comediante disposta a novos rumos na carreira - com uma estabelecida fama nos palcos, Andrea agora quer ser reconhecida como atriz. Após uma péssima audição para um papel importante, ela conhece Dennis (Ryan Hansen) no aeroporto. De início, não há nada que a faça se interessar pelo sujeito, mas ele logo se mostra engraçado, atencioso e um ótimo amigo. Não demora, claro, e eles se envolvem romanticamente.

O filme dirigido por Kimmy Gatewood, atriz pela primeira vez no comando de um longa, não demora a apresentar sua reviravolta, com várias pistas espalhadas já no desenvolvimento, mas o espectador, assim como Andrea, demora um pouco a acreditar. Dennis é o cara perfeito, sempre com uma resposta pronta na ponta da língua, uma desculpa dramática, uma inversão de papéis para fazer a namorada se sentir mal. Essa dinâmica, às vezes, proporciona momentos de vergonha alheia - alguns com essa intenção, mas outros de forma involuntária para se encaixar em padrões do gênero.

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Filme "À Segunda Vista", com Iliza Shlesinger. Crédito: Alex Lombardi/Divulgação

Mas “À Segunda Vista” foge do gênero em que situa seus dois primeiros atos. Em seu terceiro ato, o filme funciona quase como uma comédia de erros ou um thriller que poderia ser protagonizada por Rosamund Pike. O filme estrelado por Iliza Shlesinger tem roteiro ágil, assinado pela própria atriz, e intercala momentos dela no palco, em uma apresentação, a outros de narrativa convencional. Puxando mais para “Seinfeld” do que para “The Marvelous Mrs. Maisel”, o filme gradualmente nos faz entender as conexões entre as palavras de Andrea no palco e a história que ela conta.

É possível fazer a crítica de que “À Segunda Vista” não sabe exatamente a hora de parar ou o estilo de filme que quer ser. Se por um lado repete algumas situações em seu segundo ato, quando o público já entendeu o que está acontecendo, por outro faz com que essa repetição, quase uma teimosia, seja um reflexo do que Andrea conta no palco, desses dilemas de relacionamentos para mulheres.

O roteiro tem um aspecto episódico, com alguns saltos entre momentos marcantes do relacionamento de Andrea e Dennis, justamente para reforçar se tratar de uma história sendo contada por alguém no palco, a partir do que seriam suas lembranças e seu ponto de vista.

A tentativa de “À Segunda Vista” conversar sério com seu público é um pouco apressada. Mesmo levando-se em conta o aspecto de história contada e a abordagem de maneira casual durante os primeiros atos, o filme deixa alguns assuntos importantes serem abordados apenas superficialmente e pouco antes de sua conclusão. Curiosamente, essa característica aproxima muito o filme da estrutura de uma comédia stand-up.

De qualquer forma, como comédia romântica subvertendo os clichês de relacionamentos, “À Segunda Vista” vale a pena. Iliza Shlesinger é ótima, com um humor autodepreciativo e um tempo cômico impecável. O texto poderia dar mais espaço para Dennis, mas fica clara a intenção do roteiro de inverter as posições de obras como “(500) Dias com Ela”, por exemplo.

Baseado em uma “mentira real” que a comediante conta em seus shows, o filme é uma trama curta, que surpreende e ainda oferece uma recompensa final ao espectador. É um texto que talvez funcione melhor com quem já conhece o trabalho de Iliza Shlesinger, mas que tem potencial para atingir um público maior e até tornar o trabalho da comediante mais popular fora de seu nicho.

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