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Punição a Ted e Rigoni: contradições do partido de Casagrande

A votação da reforma da Previdência, que rendeu suspensão aos deputados, é mais uma prova do descompasso entre a cúpula do PSB e boa parte da bancada do próprio partido no Congresso

Publicado em 02/09/2019 às 17h27
Atualizado em 07/09/2019 às 15h38
Coluna Vitor Vogas - 03/09/2019. Crédito: Amarildo
Coluna Vitor Vogas - 03/09/2019. Crédito: Amarildo

A punição da cúpula nacional do PSB aos deputados federais Felipe Rigoni e Ted Conti reforça uma constatação: desde a morte de Eduardo Campos, em agosto de 2014, o PSB vive uma crise de identidade política e ideológica.

Na prática, isso se traduz em uma série de desencontros entre posicionamentos oficiais da direção partidária e aqueles expressados, em votações cruciais no Congresso, por grande parte dos representantes da própria bancada do partido.

No mais recente episódio, Rigoni, Ted e outros sete deputados socialistas foram punidos pela direção nacional, com a suspensão por um ano de suas atividades no partido e no Congresso, inclusive em comissões da Câmara, por terem votado a favor do projeto de reforma da Previdência enviado pelo governo Bolsonaro, contrariando a posição “fechada” pela direção nacional.

A cúpula do PSB ainda é muito aferrada a uma visão tradicional da esquerda: antiliberal, contrária a reformas econômicas e a qualquer ideia que cheire a enxugamento do Estado e a ajuste fiscal, enquanto uma ala do partido, incluindo boa parte da bancada, tem uma visão menos avessa ao liberalismo econômico, muito mais favorável à redução do Estado e a medidas que visem ao equilíbrio das contas públicas – até como condição para o Estado poder fazer os investimentos sociais tão defendidos principalmente por partidos de esquerda.

Rigoni é integrante dessa ala mais “moderna”, um deputado jovem que pode (ou poderia) ajudar a dar um sopro de oxigenação interna: renovação não só dos quadros, mas das ideias. Antes de tomar posse, por convicção pessoal, já defendia a reforma da Previdência – incluindo a adoção do regime de capitalização.

O próprio Casagrande, desde que voltou à cadeira de governador, também defende uma reforma abrangente dos regimes previdenciários, embora com uma série de ressalvas ao projeto original saído da incubadora de Paulo Guedes e alterado na Câmara. O mesmo fizeram os outros dois governadores do PSB. Como gestores, eles sabem bem onde o calo aperta no mundo real de quem precisa administrar um orçamento público cada vez mais comprometido com os gastos previdenciários.

Diga-se de passagem, exceto pelo ponto-chave da não inclusão de Estados e municípios, o projeto aprovado na Câmara ficou muito parecido com o que defendia o próprio Casagrande, após as emendas aprovadas nas comissões e no plenário: sem a capitalização proposta por Guedes, sem mudanças no pagamento do BPC e da aposentadoria rural.

Assim, Rigoni e Ted não votaram a favor de nada muito diferente do que defende o próprio Casagrande, que até antes de voltar ao governo era o secretário-geral do PSB, número 2 na hierarquia nacional do partido.

FOLETTO X CASAGRANDE

Os expoentes do PSB no Espírito Santo são uma prova da falta de unidade e das contradições internas acentuadas no partido nos últimos anos. De 2015 a 2018, Casagrande e o então deputado federal Paulo Foletto não falaram exatamente a mesma língua quanto às questões nacionais. Na Câmara, Foletto votou a favor do impeachment de Dilma Rousseff em abril de 2016.

Nos estertores do governo da petista, Casagrande defendia, como dirigente nacional, que o PSB mantivesse a posição de independência assumida quando Campos se lançou à Presidência, enquanto Foletto preferia que o partido ingressasse no bloco de oposição.

Em 2017, acompanhando o resto da cúpula, Casagrande se posicionou contra a reforma trabalhista. Já Foletto votou a favor do projeto de Temer na Câmara, contrariando a orientação ditada pela direção nacional do partido à bancada socialista – por sinal, rachada ao meio na votação.

No dia 14 de dezembro de 2018, Foletto foi anunciado por Casagrande como secretário estadual de Agricultura de seu novo governo. Com isso, Ted Conti assumiu a sua vaga de deputado federal. Nesse dia, Foletto me disse não ter dúvidas de que Ted seria “um parlamentar partidário”. Perguntei a Foletto, então, se ele achava que Ted seria partidário no sentido de ser fiel e votar com o partido seguindo as orientações da direção nacional.

Foletto foi profético:

“Nós vamos viver alguns momentos difíceis. O PSB, o meu partido, tem que fazer uma reflexão sobre alguns posicionamentos em função dessas modificações sociais que aconteceram, das necessidades que o país tem. O país pode ter uma necessidade que não seja a mesma que diz o dogma partidário construído há 60, 70 anos. Então, já conversamos sobre isso. Vai ser importante ele fazer essa reflexão junto lá das lideranças partidárias porque teremos alguns temas difíceis para serem votados na Câmara.

Foletto deu como exemplo a própria reforma da Previdência:

"Eu vou falar só um: o Renato [Casagrande], que até o ano passado, pela questão partidária, tinha um posicionamento sobre a reforma previdenciária, já falou, depois que virou governador, que é fundamental que haja uma reforma previdenciária, até para o Estado do Espírito Santo, porque o volume de recursos aportados no IPAJM, logo, logo, nós não vamos ter condições de fazer, como o governo federal já não tem.”

Com 28 anos de história no PSB, Foletto só errou na última previsão: “Mas acho que o Ted não terá dificuldade nenhuma, pelo caráter que ele tem”. Faltou combinar com Carlos Siqueira.

HISTÓRIA DO PSB

Presidido no país por Carlos Siqueira – expoente de uma ala interna muito próxima ao PT –, O PSB dita raízes nas ideias socialistas clássicas. O partido do governador Renato Casagrande foi fundado no longínquo ano de 1947, propugnando o socialismo democrático. O mundo então era outro. Era o mundo bipolar surgido no pós-Segunda Guerra Mundial, o mundo da Guerra Fria, no qual Estados Unidos e União Soviética disputavam a hegemonia mundial de seus respectivos sistemas político-econômicos: capitalismo versus socialismo.

Em 1965, o Partido Socialista Brasileiro foi extinto pela ditadura militar, por força do AI-2. Após anos na clandestinidade, voltou a existir oficialmente em 1985, com a redemocratização. Aí veio a queda do Muro de Berlim, o esfacelamento do bloco soviético etc. Esse mundo ficou para trás.

Embora o próprio presidente Bolsonaro busque reavivar o tempo todo uma disputa caduca que prega em todo político e partido de esquerdo o rótulo de “comunista”, o fato é que nenhum governador ou prefeito do PSB acredita e defende “a luta contra o capitalismo” neste Brasil de 2019. Não faz o menor sentido.

Claro é, no entanto, que o PSB segue sendo um partido de centro-esquerda, que tem na busca por igualdade social uma de suas marcas. Só que, cada vez mais, essa preocupação com questões sociais convive, em setores do partido, com ideias econômicas mais liberais, repudiadas por políticos de esquerda mais tradicionais, como alguns dirigentes do PSB.

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