Ativista e Empreendedora Social, Priscila Gama coordena 12 Projetos de Ação Afirmativa e Impacto Social e é presidente do Instituto Das Pretas.Org e detentora de um ego leonino

Tutorial antiviolento para mulheres

Venho notando cada vez mais uma grande confusão, principalmente em mulheres não negras que é a fala: Eu te entendo, sou superfeminista.

Publicado em 10/02/2020 às 17h43

A relação com objetivos, para nós mulheres, sempre foi uma questão afastada. Afinal de contas, é histórico que fomos fadadas a ter como única escolha o trabalho doméstico. Historicamente também, é sabido que, quando as mulheres queimaram seus sutiãs, a luta foi para que tivessem o direito de trabalhar onde e com o que quisessem para além do serviço doméstico.

Daí me surgem questões que são questões que sei que incomodam muitas mulheres negras: essa luta aí incluía mulheres negras?

Eu não tô aqui fazendo uma ruptura dentro do movimento feminista porque eu, sinceramente, não acho que ele nos inclua para que essa minha colocação recaia sobre uma unidade. A ideia do texto de hoje é te fazer refletir enquanto mulher, se você está segurando a mão de todo mundo sem olhar a quem, ou se tá esperando ver a palma da mão.

O primeiro é que mulheres negras foram fadadas ao trabalho doméstico e ainda são. Essa escolha de poder ou não trabalhar com o que quiser, infelizmente, não é algo que nos é dado até hoje – não porque enquanto mulheres não “podemos, é ilegal, imoral ou engorda”, mas porque para termos essa liberdade, precisamos ter acesso aos caminhos e isso quer dizer educação de qualidade, saúde, segurança e tantas políticas que nos foram e ainda são negadas.

Isso significa que não é sobre uma mulher engenheira ter o direito de assumir a diretoria de operações de uma grande empresa, mas sobre ela chegar à universidade de engenharia, sobreviver aos anos de graduação com comida, passagem, material de estudo e etc. E ter as condições financeiras para todo custo educacional e as especializações devidas para aí enfim, conseguir entrar numa empresa, provar que o corpo dela não é objeto, que “apesar” de ser negra é competente e enfim, conseguir que o racismo não a mantenha longe dos espaços de poder como é de costume. E conseguir isso antes dos 40 anos... Porque eu não conheci nenhuma mulher negra brasileira que antes dos quarenta chegasse em posições que antes, jovens brancxs, já não tenham ocupado!

E porque eu tô falando disso? Porque eu circulo entre muitas pessoas e de todos os tipos. E venho notando cada vez mais uma grande confusão, principalmente em mulheres não negras que é a fala: Eu te entendo, sou superfeminista. 

Veja, ser feminista é massa e eu sou também – Feminista Negra (que é uma intersecção importante e que me contempla) e acho sim importantíssimo a luta de mulheres de todas as origens para que a gente diminua a diferença existente não só no campo profissional, mas em todos, incluindo o campo dos afetos. Só que, a gente não pode falar de feminismo enquanto uma subsidiária guarda-chuva de “passabilidade” e “não-violência”, mantendo padrões comportamentais racistas. Não dá!

É entender que existem diferenças históricas entre mulheres negras e não negras que, infelizmente, não dá pra apagar e que mesmo que você minha querida amiga branca, me ame e me respeite enquanto mulher negra que sou, precisa absorver a vergonha do seu passado e que mesmo que o seu bisavô não tenha sido um grande senhor escravocrata que tenha tido seus muitos escravisados - a sua história e todos os acessos que você tem e teve ao longo da vida, vieram dos abusos, da exploração, expropriação de desumanização de corpos, culturas e tecnologias dos nossos antepassados negros. E essa marca ainda existe entre nós, assim, o chamado é que você, mesmo com vergonha da história (e é pra ter mesmo) se sensibilize e use os seus acessos para que igualdade, equidade e direitos sejam uma perspectiva para além das questões de gênero, mas em que em sua “santa sororidade” absorva as questões de raça, de orientação sexual, de territorialidade, corporeidade e hetariedade também.

Somos diferentes. E isso só vai continuar sendo ruim se a gente continuar se esforçando pra colocar camisas P em corpos GG e histórias elitistas, em corpos marcados pela dor.

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