Ativista e Empreendedora Social, Priscila Gama coordena 12 Projetos de Ação Afirmativa e Impacto Social e é presidente do Instituto Das Pretas.Org e detentora de um ego leonino

O poder da própria identidade

O estranho caso da mulher que falsificou a sua própria identidade, para fingir que era ela mesma, e sacar seu próprio dinheiro da sua conta

Publicado em 03/02/2020 às 19h14
Mulher com dinheiro. Crédito: freepik
Mulher com dinheiro. Crédito: freepik

Essa semana eu tinha condicionado toda a minha energia para a gente fazer boas trocas sobre educação não violenta para nossas crianças e famílias. Mas no caminho surgiu um obstáculo óbvio divulgado amplamente pela mídia nacional: o estranho caso da mulher que falsificou a sua própria identidade, para fingir que era ela mesma, e sacar seu próprio dinheiro fruto do seu trabalho da sua conta.

Enfim, eu espero que vocês vejam a ironia desta colocação antes de continuar a leitura!

A questão aqui é que precisamos entender que existem muitas formas de reproduzir o racismo e apertar o gatilho que reduz a inexistência de corpos pretos. Reduzir qualquer acesso sob a máxima da desconfiança das nossas possibilidades e competências é reduzir nossa história e impor aquelas antigas caixas que limitam a realização de nossos sonhos, objetivos, metas. Fale como quiser. E assim, mesmo depois de todo processo de educação, formação, ainda é difícil entender e admitir que, pessoas pretas tem seus próprios negócios e acreditem, tem muita gente ganhando bem e vivendo lindamente com isso, tá! Não é mentira.

A gente tem um caso noticiado, mas eu mesma já vivi um caso parecido na mesma instituição e talvez, por um pouco mais de instrução – já que venho com uma carga de formação jurídica na minha história, e a maturidade com um pouco de traquejo e cansaço - não chegamos ao ponto de envolver a polícia. Mas a incredulidade com o fato de eu ser dona da conta da empresa e a total falta de preparação para mitigar o nítido incômodo em me atender, fez-me sentir, mais um vez, o racismo cortando e marcando a minha existência.

Existem muitas formas de açoitar um corpo preto.

Ah, Priscila, mas para você tudo é racismo... tudo é racismo. Que saco! Ta aí. Eu concordo: um saco mesmo ter que falar de um assunto tão antigo toda hora, que falta absorção do ser humano, não é mesmo? Já é fevereiro de 2020 e a gente ainda com diálogos de  1500. Um verdadeiro saco.  

E eu tenho certeza que muitas outras pessoa negras também se sentem cansadas com esse assunto. O problema é que a sua preguiça pra ela não muda em nada a existência ou não do racismo. Mas a minha/nossa, coloca diretamente a nossa própria existência em risco. Ou você acha mesmo que os questionamentos sobre racismo, abolição, cotas, reparação história, inclusão, igualdade e equidade foram despontadas, pensadas e iniciadas por pessoas não-negras? Não mesmo! Se não fosse a coragem de gritarmos as nossas próprias dores, lutarmos e morrermos para termos voz e vez, nenhum não-negro saberia. E assim se tornaria aliado, porque o que é invisível não é notado - e portanto, ao nos tornamos visíveis, lidamos com a incontestável manipulação do incômodo - o racismo.  E tem um a visibilidade que aos poucos estamos aprendendo a jogar num game branco, que  é o dinheiro.  É queridx, ainda temos muita coisa pra aprender e muitos anos de opressão pra superar, mas estamos aprendendo as regras do jogo e lindamente criando as nossas própria. Temos um game próprio, quem diria! Mas isso, infelizmente, ainda não impede que precisemos provar que somos nós mesmos em ações de um tamanho absurdo que a gente nem consegue explicar – porque a lógica da aniquilação não é nossa, não fomos nós quem criamos. E essa carga, não precisamos e não vamos ter que lidar.

Mas diferente da ideia geral, a ideia não é excluir que é negro. Mas dar a aula que os céus preparam para a salvação dessa humanidade tóxica que há milênios brinca com a vida dos outros sob a ótica cruel de que é possível que sejamos em algum tempo e espaço, uns melhores que os outros. Ah para! Ups, é verdade, sou muito melhor que os racistas – eles não vão pro reino dos céus... disso temos certeza.

Enquanto isso apenas aceitem que criamos a nossa própria rede e que nela, somos muitas empresárias, algumas com milhões na conta dando dinheiro de taxas, impostos e pacotes de serviços para instituições racistas. Mas isso só até termos os nossos próprios bancos e eu tenho fé, que esse dia há de chegar ao som de Lemonade, da Beyoncé.

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