Priscila Gama é ativista e empreendedora social. Coordena 12 projetos de ação afirmativa e impacto social, é presidente do Instituto Das Pretas.Org e detentora de um ego leonino

Empatia ou hipocrisia, qual a palavra da moda?

Parece que encontramos a chave que romantiza o entendimento geral sobre a dor alheia, mas não dá os caminhos para a absorção respeitosa das histórias individuais dessas mesmas pessoas

Publicado em 04/12/2019 às 10h17
Atualizado em 30/03/2020 às 14h00
Empatia ou hipocrisia, qual a palavra da moda?. Crédito: Unsplash
Empatia ou hipocrisia, qual a palavra da moda?. Crédito: Unsplash

Queria aproveitar nosso encontro de hoje pra falar sobre empatia. Acho oportuno falarmos sobre isso. Você sabe de fato o que é empatia?

Empatia

substantivo feminino

1. faculdade de compreender emocionalmente um objeto (um quadro, p.ex.).

2. capacidade de projetar a personalidade de alguém num objeto, de forma que este pareça como que impregnado dela.

Bom, sobre empatia o dicionário nos fala isso aí. Na vida real a gente usa a palavra como um acesso bem teórico sobre algo como “se colocar no lugar do outro”, mas eu tenho observado bem nos últimos anos este “colocar-se no lugar do outro” e sinto que estamos bem distantes disso acontecer. Você tem notado algo parecido?

Parece que encontramos a chave que romantiza o entendimento geral sobre a dor alheia, mas não dá os caminhos para a absorção respeitosa das histórias individuais dessas mesmas pessoas. Você me entende?

Ser sensível a uma dor não nos torna aptos a nos colocar no lugar de outra pessoa por um simples motivo: nem na teoria dá pra a gente absorver a história de vida das pessoas e olhar as dores na perspectiva das nossas histórias individuais. Simplesmente não dá! E aí quando alguém que é sensível cria uma cena para justificar essa empatia raza é que fica pior. É violentador.

Dia desses eu ouvi uma mulher gritando sobre o feminismo e sobre o quão importante era a luta pelo direito ao acesso ao mercado de trabalho, e que mulheres como ela não queriam mais manter-se como madames bancadas pelos maridos... No mesmo momento eu me lembrei da tia de uma amiga, mulher com mais de 50, 7 filhos, moradora de Resistência, em Vitória, que disse: queria ter o direito de escolher entre ficar em casa sendo bancada por um marido e trabalhar – essa escolha nunca me foi dada, pra mim, só o DEVER de trabalhar pra SOBREVIVER.

Não é que a história dessa feminista padrão não seja importante, todas as vidas são. Mas quando a gente impõe pautas gerais sem considerar a pluralidade de vivências, com certeza a empatia não está sendo considerada, tão pouco a sororidade – que é uma outra palavra que eu tenho certo ranço e que qualquer dia desses vou falar o porquê por aqui.

Me parece que EMPATIA, EMPODERAMENTO, FELICIDADE E AUTO-CUIDADO são o novo hype das palavras da humanização romantizada. Parece que pra ter acesso às rodas de diálogos de humanização em supremacia, você precisa usar essas palavras como código de acesso, não como vivência comprovada. Ou seja: UM CAOS.

Ah! Eu esqueci da CO-CRIAÇÃO... Meus Deus! Parece que essa lista não tem fim, né!?

Pois é... uma pena que a gente não esteja conseguindo viver na prática todas as palavras que estamos, coletivamente, gostando tanto de pronunciar. Porque os dados de aumento de violências e violabilidade aumentam tanto para mulheres, quanto pra pessoas negras e a população Lgbtqi+.

No meu entendimento lógico, se mais pessoas são empáticas, sórores, empoderadas e felizes, os dados precisam diminuir e não aumentar.

E você imagina por que isso não está acontecendo?

É porque, de uma forma geral, a gente é bem tendencioso, inclusive sobre a empatia, a sororidade, o empoderamento e a felicidade. E de uma forma, também generalizada, não vejo muito problema nisso. Mas eu vejo problema na hipocrisia e sinto que a hipocrisia é, definitivamente, a palavra da moda – não na palavra que sai da boca, mas a forma que se vive.

Assim eu termino nosso encontro de hoje te convocando pra sermos menos hipócritas e tentarmos sermos, a cada dia, menos hipócritas que no dia anterior. Convide os amigos... que tal um desafio no grupo da família?

Me diga, tem coragem?

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