Ativista e Empreendedora Social, Priscila Gama coordena 12 Projetos de Ação Afirmativa e Impacto Social e é presidente do Instituto Das Pretas.Org e detentora de um ego leonino

Ajudar todo mundo?

Ouso falar que – para pessoas não-negras, todos doam. Para pessoas negras, geralmente, só outras pessoas negras.

Publicado em 27/01/2020 às 19h38
Priscila Gama. Crédito: Reproudção Instagram
Priscila Gama. Crédito: Reproudção Instagram

A coluna de hoje é um super desabafo. É mais que isso, é uma reclamação ostensiva à nossa falta de crença no outro. Isso mesmo: a gente fala que crê, mas não crê. A gente diz que fortalece, mas tem tantas considerações para fortalecer que, acaba deixando pra lá. Ou, fortalece tendenciosamente e, tendenciosamente, não sobra muita força ou crença para todas as atividades ou movimentos como deveríamos. E sobre isso incide o racismo que essa mania de salvar o mundo dá de tesão pra quem não é preto.

Bom, vamos ao óbvio – queremos todos um mundo melhor. A questão é: nesse mundo melhor do imaginário geral, quem você enxerga no futuro? Pra que “tipo” de pessoa você constrói esse mundo melhor?

A gente tá diante de uma grande tragédia em nosso Estado. Algumas cidades embaixo d'água, centenas de famílias desabrigadas e uma comoção que se estende lindamente entre a nossa sociedade e assim nos juntamos pra arrecadar de tudo um pouco. Mas você já reparou como é difícil arrecadar dinheiro?

Já se perguntou o por quê?

Eu tenho pra mim que ninguém confia em ninguém.

A gente tem um histórico tão triste de corrupção em tantos níveis, que doar dinheiro virou exceção. Porque, definitivamente, a gente nunca acredita que o dinheiro doado vai ser usado da forma devida. E sim, faz sentido. Já passamos por tantas, né?!

Mas quando você doa dinheiro, pra que tipo de ação doa? Tem cor essa doação?

Dia desses estava ouvindo uma pesquisa que dizia que era mais fácil uma pessoa (aqui branca ou negra, não importa) doar dinheiro em uma vaquinha virtual para um doente terminal não-negro, do que pra uma arrecadação pra um jovem negro estudar ou comprar um equipamento que precisa para a sua formação.

Eu ainda ouso falar que – para pessoas não-negras, todos doam. Para pessoas negras, geralmente, só outras pessoas negras.

Temos muitas barreiras pra ultrapassarmos quando o assunto é sensibilização social e doação porque isso implica necessariamente em se deparar com o fetiche não-negro em “salvar o mundo”. E isso significa que, quando a transformação e o impacto vem de corpos representativos em seu lugar de fala, as coisas parecem não fazer muito sentido e, portanto, não requerem a sensibilização devida.

Te convido a refletir o quanto de doação você fez em 2019 e quantas delas foram para fora do seu círculo social óbvio e quantas foram para fora do seu círculo étnico. Quanto de fortalecimento você aplicou em impactos, por exemplo, onde a periferia é protagonista de seus próprios diálogos. Ou onde mulheres negras não precisam de mulheres não-negras pra dizer sobre o que elas precisam.

Eu queria que a gente se ajudasse mais. Mas que você visse cor como dado e não como apontamento de dor, a dor que alimenta o fetiche.

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