Jornalista de A Gazeta. Há 10 anos acompanha a cobertura de Economia. É colunista desde 2018 e traz neste espaço informações e análises sobre a cena econômica.

O que pensa o dono da XP sobre reformas, ideologia e meio ambiente

Guilherme Benchimol falou ainda sobre a onda de empreendedorismo no mundo

Publicado em 28/08/2019 às 11h17
Atualizado em 30/08/2019 às 06h16
Guilherme Benchimol, CEO e fundador da XP Investimentos. Crédito: Alexandre Mendonça
Guilherme Benchimol, CEO e fundador da XP Investimentos. Crédito: Alexandre Mendonça

Em 2001, Guilherme Benchimol tinha R$ 10 mil no bolso. Passados 18 anos, é ele quem comanda a maior corretora de investimentos do país, a XP, que no ano passado registrou um lucro líquido de R$ 465,3 milhões. O carioca esteve na última semana no Estado e, na ocasião – durante o Fórum IEL de Gestão 2019 – conversou com a coluna sobre os rumos da economia brasileira e mundial, as mudanças nos perfis dos investidores e das instituições financeiras e também sobre a onda de empreendedorismo que vai surgir em todo o planeta. Para ele, a quantidade de empreendedores no mundo vai triplicar nos próximos cinco anos, fator que vai contribuir para a redução dos juros.

Em relação ao Brasil, Benchimol se mostra bem otimista com as propostas e medidas que vêm sendo adotadas pelo governo federal, especialmente pela equipe econômica. Mas não dá muita bola para ações atrapalhadas que vêm sendo capitaneadas pelo presidente Bolsonaro. Ao ser questionado, por exemplo, se lá fora investidores estrangeiros temem o viés ideológico e a condução do país em relação ao meio ambiente, o executivo é direto: “O investidor não está preocupado com isso. Ele está preocupado em ter estabilidade econômica.” Confira a entrevista.

A aprovação da reforma da Previdência é o gatilho para o país voltar a crescer?

É o primeiro na verdade. Vão ter outros. O Brasil hoje é um país que ainda é tecnicamente quebrado pelas contas públicas. A Previdência equaciona boa parte e naturalmente ao fazer isso, você começa a voltar a trazer confiança para os empresários. Os juros caem de forma consistente no tempo e a economia volta a crescer. A gente começa a ter um ciclo positivo. Mas é importante que depois venha a tributária e outras reformas.

Quais são essas outras reformas estratégicas para retomada do crescimento?

A própria MP da Liberdade foi algo super importante. A gente tem a tributária na sequência e uma série de medidas micro que já vem acontecendo. Entendo que os ministros do Bolsonaro vêm fazendo um trabalho consistente no Brasil. Vem acontecendo uma onda liberal no país, onde a intervenção do Estado vem sendo cada vez menor. Isso na minha visão gera um país mais saudável a médio e longo prazo. Afinal, são os empreendedores que eu entendo que carregam o país nas costas.

Hoje inclusive (21/08) teve o anúncio em relação à privatização de várias estatais.

Quanto menos interferência do Estado na economia, menos ineficiência a gente tem. O governo pode alocar melhor o capital dele. Alocar em coisas que realmente fazem a diferença. Não administrando uma empresa de eletricidade, de petróleo e assim por diante.

A taxa de juros está em um movimento de queda. Acredita que ela reduzirá mais?

Acho que os juros vão reduzir cada vez mais. A gente está com CDI a 6%. Eu não sou o economista-chefe da empresa, mas acho que é bem provável que a gente termine o ano na faixa de 5% e entendo que essa curva seja cada vez mais ladeira abaixo. Muito em linha com o que vem acontecendo no mundo. Vem tendo uma onda de empreendedorismo exponencial no mundo. Cada vez mais surgem novos empreendedores. O número de empreendedores no mundo nos próximos cinco anos vai multiplicar por três. Então, se a gente vai ter mais empreendedores, a gente vai ter mais competição. Se a gente vai ter mais competição, vai ter deflação, os juros não vão subir. Então, esse é um ciclo que a gente vive. Quanto mais empreendedorismo tiver, menores serão os juros.

Aqui no Brasil por ser um país ainda mais monopolizado, oligopolizado, etc, e por ter uma gordura maior, entendo que isso vá acontecer de forma mais acentuada. Ou seja, a gente pega no mundo as curvas de juros de países europeus, da Alemanha, da Suécia, da Suíça, a gente tem mais de US$ 10 trilhões nas curvas de 30 anos com taxas negativas. Então, a expectativa de deflação nos próximos anos vai ser muito grande.  Não vejo porque isso não possa acontecer no Brasil. A não ser que a gente retome uma agenda que não é a agenda atual.

Essa onda cadente dos juros muda bastante o perfil do investidor. Antes tínhamos investidores tendo alta rentabilidade mesmo tomando um baixo risco. O que muda a partir de agora?

Os juros médios no Brasil desde o Plano Real, em 1994, até agora - mesmo com os últimos dois/três anos que os juros reduziram - foram de 13,5% ao ano. Então, isso cria "investidores preguiçosos". Por que eu vou empreender no Brasil, assumir risco, por que eu vou investir em ação? Não faz sentido. Você tem o melhor dos mundos. Você tem alta rentabilidade, alta liquidez e baixo risco.

E no mundo inteiro como os juros são muito menores do que no Brasil, quem quer ganhar dinheiro tem que aprender a diversificar, tem que aprender a assumir risco, ter um pouquinho de ação, entender o que é fundo multimercado. Então, naturalmente, com um juros menores, os brasileiros vão ter que aprender a investir como se investe mundo afora. E aí os bancos acabam não sendo o lugar onde as pessoas investem. Porque os bancos não são abertos como a gente. Eles são focados muito mais no produto, cobram muito mais tarifa e muito porque eles carregam um legado da velha economia que são os custos fixos, as agências etc. Assim, eles não conseguem ser competitivos.

Então, eu vejo uma enxurrada de dinheiro saindo dos bancos nos próximos anos. É o que já vem acontecendo. Hoje, no Brasil 95% da poupança do brasileiro ainda é bancarizada. E quando a gente compara com EUA, apenas como exemplo, lá é o contrário: 90% é desbancarizado. Lá já teve longo prazo, as pessoas já entenderam que buscar uma casa independente que possa a te ajudar a comprar aquilo que se precisa com independência é melhor do que você ficar no banco, que vende a placa dele, que tem meta. Então, tenho certeza que vai mudar tudo nos próximos cinco anos.

Nos últimos anos tem surgido muitas empresas de assessoria de investimentos no Brasil. Isso é uma onda?

Olha, eu diria que quando você começa a ter demanda por construção civil, por prédio, ponte, surge toda uma indústria ao redor disso. Quando você começa a ter demanda por investimento de verdade também. Com os juros caindo muda e aí, de novo, surge toda uma indústria que se acopla a esse mercado novo que vai surgindo e aí surgem novas casas de análise, surgem novos especialistas, novas corretoras, surge toda uma indústria que vai suportar essa nova economia. Então, não acho que seja uma onda não. Acho que é proporcional ao país ser estável. Quanto mais o país for estável e quanto mais ele for um país normal do ponto de vista de taxa de juros, contas públicas ajustadas, mais essa indústria vai crescer. Se o Brasil voltar a ser o país de juros de 14%, 15%, 20% ao ano, aí não. Aí nada funciona.

Qual o olhar do investidor estrangeiro para o Brasil nesse momento em que temos duas linhas no governo: uma de ações econômicas importantes para a retomada do crescimento, mas outra muito ideológica e crítica às políticas ambientais?

O investidor não está preocupado com isso. Ele está preocupado em ter estabilidade econômica. Tem muita coisa que tá muito barata no Brasil e o estrangeiro quer entrar no país. Só que ele ainda não tem certeza. A porta de entrada e a porta de saída é o câmbio. É preciso ter um sinal de que o país vai ser sério do ponto de vista de contas públicas. Você vê o dólar hoje (dia 21) em R$ 4, mas qual vai ser porta de saída. Assim, por mais que o investidor acredite que o Brasil esteja barato, ele não sabe a que taxa vai sair lá na frente. Então, quando o Brasil faz o dever de casa, e ele vira um país estável, e certamente que é importante ter uma política ambiental, mas não é o que ele olha (investidor). Ele olha a estabilidade política e econômica do país, a chance de ele entrar em um país que tem pouca burocracia, que consegue fazer negócios, que ele consegue ganhar dinheiro, e como ele sai depois. Quando você começa a ter reforma e começa a ter um país que tem visão de longo prazo. Olha eu consigo chegar aqui daqui a cinco anos e o câmbio vai estar a R$ 4,50. Opa. Então, eu consigo fazer conta. Mas se você não consegue fazer conta, você não vai entrar. Estabilidade transforma o país. Os juros baixos formam empreendedores, os juros baixos trazem a confiança de quem é de fora e aí tudo acontece.

O quanto na sua visão as ameaças de crise internacional tendem a se consolidar e impactar o Brasil?

Eu acho que as chances de o mundo crescer um pouco menos é real. Mas não vejo uma crise acontecendo no mundo, nada realmente de alto impacto. Principalmente porque eu enxergo esse momento de deflação. Eu não consigo ver os juros, eu não consigo ver pressão de inflação no médio prazo. Eu consigo ver abundância de capital e juros baixo porque justamente vejo uma onda empreendedora acontecendo mundo afora de forma exponencial. Então, dado que enxergo essa brutal liquidez, eu não vejo crise. Eu vejo sim uma economia crescendo um pouco menos. Tensões entre China, Estados Unidos, Alemanha e etc isso sempre teve. Isso não é novidade. Mas acho que as crises acontecem quando você tem colapso de liquidez. Aí sim tem algo que a gente tem que se preocupar que não é o caso que eu enxergo agora. Eu vejo um cenário de preço de ativos em alta cada vez mais.

Vejo a coisa continuando boa. Boa um pouco mais lenta talvez, mas vejo o Brasil super bem inserido porque o Brasil está num começo de ciclo, enquanto o mundo está talvez num meio de ciclo, meio para o final de ciclo talvez. A gente está começando então aqui tem muita oportunidade. Aqui no Brasil quando a gente viu um juros de 5%? Onde empreendedor pode tomar uma taxa de juros a longo prazo de 7% a 8% ao ano. Isso era a TJLP de quatro, cinco anos atrás.

Mas bancos continuam cobrando altas taxas de juros dos clientes.

Só que isso é um pouco deficiência do oligopólio, né? Porque quando você tem pouca concorrência é assim que funciona mesmo. Então, quando mais empreendedores um país tem, mais essa demanda começa a ser atendida. A gente tem alguns fundos nossos hoje, que são fundos especializados em dar crédito que estão chegando na ponta final. Surge o Nubank, surge o banco Inter. Quando começa a se ter uma expectativa de que o Brasil vai dar certo, vão surgir novos empreendedores que mais cedo ou mais tarde começam a competir de verdade contra os bancos e começam a forçarem os bancos a baixarem os preços. Assim como a gente faz com investimento.

A concentração nessa área no Brasil ainda é muito grande.

Comecei com uma salinha em Porto Alegre, sem ajuda de ninguém, em 2001, e estou aqui competindo. Eu sou a prova disso que dá. É só acreditar. E hoje em dia com os juros a 5% é mais fácil ainda.

Quais são os planos da empresa?

A gente está super otimista com o futuro. Tenho convicção hoje que a forma como as pessoas investem nos bancos hoje está mudando. Mas não posso falar mais porque estamos em período de silêncio.

No ano passado, o Itaú comprou 49,9% do capital total da XP. A companhia tem interesse de vender para o banco mais participação?

Não tem a menor chance de vender mais participações para o Itaú. A empresa é nossa a longo prazo. O que a gente mais quer é continuar fazendo o que a gente ama. A cabeça nossa é a longo prazo.

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