Tenho contado prosas de tia Cecy, como era conhecida Conceição de Brito-Inglez, irmã de Zuta, aliás, Diomesdes de Brito-Inglez, ambos imigrados para Manaus. Trabalhava com o meu pai e quase toda a família em uma empresa britânica chamada Manaus Harbour, que como o nome indica era gestora do porto da capital do Amazonas, atualmente em chamas.
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O cais flutuante subia e descia com cheias e vazantes do Rio Negro, afluente do Amazonas, que banha a capital. Eram dois navios da companhia – Hilary e Hildebrand – fazendo a linha para Belém, e de lá para Liverpool. A gente viajava neles. Apesar de serem mercantes, os camarotes eram muito confortáveis.
Eram duas classes: a dos portugueses e a dos ingleses. Meu tio Jorge era administrador do Teatro Amazonas. Eu achava que ele era dono. O teatro veio montado inteirinho de Milão. Assisti malocado na coxia muitos espetáculos nacionais e internacionais. Os músicos da elite comunista da União Soviética fugiram para lá, apesar da ligeira diferença de temperatura. E ainda trabalham nos palcos.
Lembro das usinas beneficiadoras de borracha trazida das matas. Os caboclos, descendentes dos índios, sangravam as seringueiras, deixando uma caneca para aparar o leite das árvores seculares. Depois, recolhiam o látex. Os regatões, em seus batelões, compravam às margens do rio toda a borracha à preço de banana. Durante a Segunda Guerra, os americanos e ingleses supriam-se de lá.
Eu ainda criança ouvia seringueiros reivindicando preço justo. “A borracha é nossa, mas fica na mão do guarda”. Volto lá frequentemente. Fui à inauguração de um belo teatro que levou o nome do meu tio Jorge. E olhar de novo para o encontro das águas, do Solimões, amarelada, e do Negro. Não se misturam (na verdade é um efeito ótico dado à diferença da profundidade, mas ninguém precisa saber)
Confesso que os ensinamentos da tia Cecy me fascinavam. Pós-doutora em “Palavras Cruzadas”, provou que a pátria de Abraão é Ur e pedra de moinho é Mó. Sem o que “Palavras Cruzadas” não seria possível.
Mas last but not least, escreveu e deixou como herança sua teoria sobre a decadência do futebol brasileiro. A principal razão – dizia – é a engorda de meninos para dar lucro aos gestores de clubes com as vendas. Enquanto não se podia vender jogador o Brasil era superior aos demais. Nos diversos campeonatos nacionais, os atletas se conheciam, isto é, “treinavam” em campeonatos de diversos Estados, mas todos no Brasil, por quatro anos. Hoje em dia, os jogadores são apresentados na hora do jogo.
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Um dia volto pra lá.
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