É artista e escritora, e como observadora do cotidiano, usa toda sua essência criativa na busca de entender a si mesma e o outro. É usuária das medicinas da palavra, da música, das cores e da dança

Ver com as mãos

"Para ver, uso as pontas dos dedos, as palmas das mãos, boca, seios, cabelo, ouvidos, plantas dos pés, campo energético. Sei dizer que não me pauto por aquilo que dizem os livros, isso não! Apesar de crescida, ainda preciso ver com as mãos"

Publicado em 25/04/2020 às 08h00
Atualizado em 25/04/2020 às 08h00
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"Para ver, uso as pontas dos dedos". Crédito: Freepik

Não conheço cautela, nem meço reservas para a alegria e o amor. Vivo a todo vapor, me esquivando das limitações. Quero a vida por completo, e subo em cima dela, mesmo.

Sabe aquilo de pegar pra sentir e cheirar pra entender? Sou dessa natureza. Escrever, por exemplo, é a manifestação de uma dúvida que quer alcançar a própria cura. (Nota: às vezes acontece, noutras não. Depende do tempo –– essa jóia de fabricação lenta e tão preciosa.)

Para ver, uso as pontas dos dedos, as palmas das mãos, boca, seios, cabelo, ouvidos, plantas dos pés, campo energético. Sei dizer que não me pauto por aquilo que dizem os livros, isso não! Apesar de crescida, ainda preciso ver com as mãos.

Devota da vida de modo irrecuperável, abro mão da resistência para que a força da graça transcorra por pelo meu corpo e alma; permitindo a manifestação das emoções que me regem e deixando queimar meu coração.

Fazer o quê? Já disse, me cuido e me curo dessa maneira.

E sigo beirando o precipício do julgamento, o meu e o alheio, que é pra ver até onde chego. Na verdade, posso parecer uma grande idiota, porque exagero, multiplico, deixo vir o calor, me exalto mesmo! Assim ó, se for pra dançar, vou até arder; se for pra amar (sempre é, não é mesmo?), vou até às barbas da sanidade e mergulho de ponta cabeça –– sempre de capacete, porque também não sou besta.

Olho nos olhos e faço elo com o que seja legitimo: deixo o maior acontecer (dei-xo). Me exponho ao risco de reconhecer no outro a verdade sobre mim mesma, até envergar devagar e sentir mudar a direção dos meus prótons e meus elétrons... Até o ponto do que era antes, nunca mais ser.

Ser sincera? Expando os sentidos porque isso me fortalece. Estico as cordas até alcançar o objeto, a ideia, o afeto, o outro – e seu olhar (humano) que tanto me aquece. É por isso que crio espaço, telefono, danço, chamo e aproximo o que "de bem" estiver ao meu alcance.

Mas, padeço do mal de idealizar... Sei bem da minha enfermidade psíquica. Sei também que não é por querer que imponho ao outro o peso do manto do meu sonho, da minha visão idealizada dele mesmo. Estou em processo de cura porque aprendi com o outro que isso dói, dói de verdade. Dói porque é pesado. Aliás, talvez seja da ordem do insuportável o reflexo daquele que bem poderíamos ser...

Não faço por mal, juro. Nenhum pai e mãe fazem por mal; nenhum chefe faz por mal; nenhum apaixonado faz por mal. Acontece. No meu caso, a grande responsável é essa vontade de dar forma à tudo, esse desejo de ver com as mãos.

Então, o funcionamento é simples, primeiro subo em cima, farejo, festejo, depois idealizo. Aí batata: porque idealizar é operar alguma forma de controle, de manipulação... E está comprovado, de forma científica e ancestral: não dá certo! Ora, somente abrindo mão da tentativa de fazer com que as coisas sejam da maneira ideal, é que elas o serão.

Paradoxal, mas verdadeiro.

Finalmente, sigo, pegando, sentindo, idealizando, e depois chorando... (porque minhas águas são minhas via de redenção). Em pleno processo de aprendizagem, entendo mais a cada dia, que ser devota da vida é aceitar (de forma completa) o que quer que seja que nos alcance as mãos.

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