É artista e escritora, e como observadora do cotidiano, usa toda sua essência criativa na busca de entender a si mesma e o outro. É usuária das medicinas da palavra, da música, das cores e da dança

Quero ser Hebe

Hebe foi uma força da natureza. A prova cabal de que o sonho é, sim, o antídoto contra todo julgamento e toda crítica

Publicado em 26/02/2020 às 09h00
Atualizado em 27/03/2020 às 17h18
"Hebe sempre deu de comer aos próprios sonhos". Crédito: Reprodução Instagram @hebecamargooficial
"Hebe sempre deu de comer aos próprios sonhos". Crédito: Reprodução Instagram @hebecamargooficial

Nas noites de terça-feira da minha adolescência inteira, eu assisti ao programa da Hebe na televisão. E não por acaso, minha mãe, que achava aquilo o cúmulo da cafonice, nunca falhava em abrir o quarto e dar aquela zoada, “Hebe, Maria?”.

Amava! Amo ainda. Sobretudo agora que a série, produzida pela Globoplay e estrelada por Andrea Beltrão, está disponível para ser vista e revista. Aliás, que série linda! Assisti à conta-gotas, pra não gastar rápido a emoção, e chorei em cada um dos dez capítulos.

Hebe foi uma força da natureza. A prova cabal de que o sonho é, sim, o antídoto contra todo julgamento e toda crítica. O combustível para toda realização; o motor de todo atrevimento existencial; e quiçá, a única chance de fazer a vida valer a pena, enfim.

Pensei muito nisso. Não pela sua trajetória da vida, mas também porque o tema musical da série, que abre e encerra os episódios, é a música “Nada além”, de autoria da própria Hebe. E diz assim:

Nada além/ Nada além de uma ilusão/ Chega bem/ É demais para o meu coração

Acreditando em tudo/ Que o amor/ Mentindo sempre diz/ Eu vou vivendo assim/

Na ilusão de ser feliz (...)

Hebe sempre deu de comer aos próprios sonhos. Batalhou por cada um deles. Primeiro, fertilizados pela absoluta necessidade, porque ela e sua família passaram fome de verdade. E ainda menina, aos 13 ou 14 anos, foi trabalhar na casa de uma tia mesquinha, e levava pra casa o que podia para ajudar na sobrevivência de cada dia.

Ainda assim, sonhava... Queria mais e trabalhou sem parar. Seu pai, Sigfredo, que era músico, boêmio e um grande otimista, ensinou-a a cantar e, por tabela, a sonhar que tudo era possível. E assim, ela se atrevia.

Claro, tomou inúmeros “nãos”, foi traída, sofreu o pão! Mas deu seu jeito. Na verdade, a gente pode dizer que Hebe Camargo cunhou um “jeitinho” só dela de viver.

Navegou um mar de amores, com direito a todos os mistérios, dores e sabores. Passou por um aborto praticado por si em nome da liberdade e foi adiante. Evitando os buracos e imaginando a vida que queria –– apoiada pelo pai em todos os momentos, Hebe soube cocriar a realidade à imagem de seus sonhos - ou ilusões, como ela mesma preferia.

Viveu cercada de amigos leais, amores intensos e foi além, em todos os sentidos. Irreverente, talentosa, apaixonada pela vida, sempre que tinha oportunidade Hebe repetia a frase que aprendeu com o pai: “é preciso celebrar a vida. Viva a vida!”

Sabe que suas gargalhadas gigantescas, sua coragem e opiniões sempre foram e ainda são uma inspiração pra mim, e tenho certeza, para muitas outras mulheres Brasil afora.

– Ai, que mulher foda!

É preciso saber viver, diz a canção do rei Roberto, seu maior ídolo musical. E se eu quero ser Hebe, como confessa o título, é porque se tem uma coisa que eu quero nessa vida é ser é sabida... Sabida nesse sentido de navegar pela vida cocriando um jeitinho só meu... Que nem meu pai, sem querer querendo, também me convenceu de que é possível.

Nota: esta crônica está sendo escrita na manhã seguinte ao desfile das escolas de samba de Vitória. Ontem eu desfilei de destaque, coberta de brilhos e com uma peruca bem loira, a la Hebe Camargo. Juro que vivi um sonho. E a cada passo que dei na avenida abençoei a vida e me lembrei de que uns 12 ou 15 anos atrás, enquanto assistia do alambrado, ao lado do meu pai, a uma passista passar brilhando, eu disse: “pai, eu queria desfilar assim”. E ele disse, “você pode, filha”.

Viva!

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