É artista e escritora, e como observadora do cotidiano, usa toda sua essência criativa na busca de entender a si mesma e o outro. É usuária das medicinas da palavra, da música, das cores e da dança

Disposição nova

"Aproveitar a pausa significa nos darmos conta de que estamos entre a gravidade e a graça"

Publicado em 31/03/2020 às 15h25
Mulher feliz com cabelos ao vento
"Aprender a perceber, ou melhor, a receber a graça, é acessar nosso eu Maior". Crédito: shutterstock

Convocados estamos a dar folga ao personagem social (eficiente e dinâmico) que diariamente incorporamos. Talvez mais que uma folga! Uma providencial revisão. Quiçá ao ponto de desidentificação com ele, e os sintomas que ele nos provoca.

Aproveitar a pausa significa nos darmos conta de que estamos entre a gravidade e a graça. Entre o material e o divino; entre as regras do jogo e a operação que está por traz disso.

Não tenha dúvida: estamos sendo convocados a operar um novo tipo de resposta. Obrigados a construir um novo modelo de convívio, um novo estilo de vida, uma nova disposição.

Explico. Estamos absolutamente sujeitos aos efeitos da gravidade. Concorda?

Mas, ao mesmo tempo, também somos capazes de acessar a influência da graça existente a nossa volta. Com uma diferença elementar: a gravidade é uma constante que não nos deixa escolha; já a graça é variável, e depende da nossa disponibilidade.

Entenda bem, toda forma de espiritualidade, fé, conhecimento, auto conhecimento, consciência; toda forma de compaixão, esperança, amor; toda forma de beleza, arte, poética; toda forma de atenção plena são formas de treino. Treino para essa tal disponibilidade de que falo.

Aprender a perceber, ou melhor, a receber a graça, é acessar nosso eu Maior. Nosso estado de arte. É despertar nossa própria mágica. É ter a chave para fazer o download da energia disponível (a todos nós) na dimensão mais ampla que está a nossa volta.

– Faz sentido?

Imagine que a ideia central da criação fosse a aprendizagem da convivência. Talvez a princípio isso até parecesse simples, mas falhamos logo na primeira esquina. Enfiamos os pés pelas mãos e mundo chegou ao ponto em que estamos. Agora chega através de vírus (quem diria!) uma espécie de revolução. Uma proposta de revisão da nossa própria disposição.

Alguém duvida que precisávamos treinar nossa capacidade de nos importarmos sinceramente uns com os outros? E de deixar a graça da solidariedade nos alcançar de modo emergencial?

Pausa. Vamos deixar esse download rolar.

Fiquei pensando, talvez a pausa seja mais importante que a própria dinâmica. Vejamos. Imagine um almoço de domingo. Você sentado na mesa posta, com as mãos em ação. Guardanapo no colo, massa no prato. Garfo no ataque; colher, na defesa. O vidro de azeite circula, a garrafa de vinho passeia, o moedor de pimenta chega. A tia fala. O primo resmunga. O cachorro late. O telefone toca. E os fios de macarrão, precisamente enrolados pelo garfo, são levados à mastigação. De repente, de modo instintivo, o almoço pára: você percebe a graça. As papilas extasiadas, a língua descansada, os dentes quietos. No escuro dos olhos fechados, o mundo parado: ninguém mastiga, ninguém reclama, nada late, circula, nem chega, nem passa. O telefone não toca. Na pausa, o fruto: satisfação. Engraçado, na presença, tudo pode ser uma oração.

Sorvamos este momento! Acolhendo a semente de cada sentimento que chegar, deixando germinar por dentro. Uma espera. Observemos... Até que, de repente, luz: a ponta do caule apareça do lado de fora.

Expiremos... É glorioso o momento do nascimento de uma clareza nova.

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