Maria Sanz é artista e escritora. Como observadora do cotidiano, usa toda sua essência criativa na busca de entender a si mesma e o outro. 

Alvos remotos

Reflexão sobre a imersão dos jovens no universo dos jogos

Publicado em 10/01/2020 às 18h59
Os desdobramentos intenso de vídeo game entre jovens e crianças. Crédito: Divulgação
Os desdobramentos intenso de vídeo game entre jovens e crianças. Crédito: Divulgação

Acabou o final de semana. Meu filho mais velho, de 8 anos, tinha ido brincar na casa de um amigo novo, onde jogos eletrônicos não só são permitidos, como estimulados. (Talvez, na tentativa de aumentar a interação com os filhos, o pai tenha aprendido a curtir joguinhos). Pois bem, chegando em casa, meu menino estava com o olhar vidrado, porque sabia que em casa não iria mais jogar aquele jogo e, aos berros, implorava para voltar pra lá.

Aquele comportamento tóxico me fez pensar na razão do desespero em retornar ao único mundo que parecia fazer sentido naquela hora: "Brawl Stars".

Dei bronca seguida de castigo, sem tv, nem joguinhos e, pouco a pouco, ele foi amansando o espírito. 

Corta para a cena do dia seguinte, quando levei meu caçula ao dermatologista. O procedimento era simples, queimar alguns moluscos na pele, mas para isso o jovem doutor achou que seria boa ideia dar meu telefone pra ele se distrair com um joguinho. Então eu disse que meus filhos não tinham costume de jogar no meu telefone, mas ele insistiu na ideia e eu acabei cedendo.

Meu pequeno não teve dúvidas: "mãe, baixa brawl stars!" (na verdade, ele disse "baustau", mas eu entendi direitinho). Ele só tem 4 anos, mas pegou meu celular e entregou com tudo pronto para colocar a senha e baixar o jogo. Pronto. Com menos de cinco minutos jogando, seu comportamento já tinha se modificado. E quando o procedimento acabou e eu peguei de volta o telefone, ele se transformou, Ficou igualzinho o irmão no dia anterior.

Juro! Foi assustador.

Afinal, que jogo é esse capaz de provocar uma crise de abstinência?

A resposta é simples. Este é só mais um produto dos gigantes da tecnologia que pratica, de forma pra lá de consciente, técnicas de vício.

Exatamente como máquinas caça-níqueis para nossas mentes. pior, para a mente dos nossos pequenos.

Segundo Aza Raskin, ex-programador e inventor da "barra de rolagem infinita" (sinceramente arrependido e alarmado com os impactos da indústria da tecnologia), "estamos colocando toda a humanidade no maior experimento psicológico já feito, sem nenhum controle. A internet é a maior máquina de persuasão e vício já construída".

Exploradores da vulnerabilidade da psicologia humana, nem mesmo os programadores desses aplicativos fazem ideia das consequências do que vem sendo feito com o cérebro das crianças.

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"Pessoalmente, me apavora o delay para se re-conectarem ao mundo aqui fora"

É, mas podemos imaginar. Pessoalmente, me apavora o delay para se re-conectarem ao mundo aqui fora.

Pudera, treinados como ratos de laboratório, viciados pelas "recompensas inconstantes" criadas pelos programadores de jogos, os pequenos vêm sendo estimulados quimicamente, criando uma verdadeira dependência. (E nós, "inocentes", assistindo de camarote).

A descarga de dopamina gerada a partir do mecanismo da antecipação da recompensa, por exemplo praticada nesses jogos coloridos, com personagens de nomes fofinhos, funciona no cérebro exatamente como a nicotina.

Ou seja, não importa ganhar ou perder a partida, o vício se instala durante o funcionamento das recompensas aleatórias - entre outras técnicas testadas em laboratório. Isso sem falar dos anos de prática: como é o caso da gigante Supercell. desenvolvedora de caça-níqueis contemporâneos infanto-juvenis como "Clash Royale" e "Clach on Clans", que faturou mais de 9 milhões de euros na primeira semana do lançamento de "Brawl Stars".

Enfim, enquanto eles desenvolvem mais apps para consumir nosso tempo e dominar nossa atenção, nossos pequenos estão sendo manipulados e gamificados, arrastados para uma espécie de vício precoce.

Difícil de controlar. Mas vale a conversa (entre nós e com eles). Eu acho. Aliás, esse texto é uma tentativa de abrirmos o diálogo.

Aos poucos, na medida em que estivermos mais conscientes, e atentos o suficiente para perceber e apontar o esquema, eles também serão capazes de entender aonde estão sendo levados.

*Nota: a programadora proíbe o acesso de menores de 13 anos ao jogo. os termos dizem que "o responsável deve negar o acesso da criança pois o jogo tem transações que são feitas com dinheiro real. As regras também explicitam que é de total responsabilidade do responsável o uso incorreto do Termo de Serviço, ou um potencial uso de formas de pagamento por menores".

É, mas até nisso eles são sagazes: por que os pequenos são exatamente o maior alvo.

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