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Lei do abuso de autoridade não é aquela que a sociedade esperava

Pretensão da lei é correta, mas feita sem transparência, carregada de ambiguidades e na hora errada

Publicado em 24/08/2019 às 13h21
Atualizado em 27/08/2019 às 00h12
Deputados durante sessão . Crédito: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
Deputados durante sessão . Crédito: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

O Projeto de Lei nº 7.596, que criminaliza o abuso de autoridade de juízes, procuradores e policiais, foi aprovado na Câmara dos Deputados por 342 votos favoráveis e 83 contra.

O encaminhamento era necessário. Inclui, corretamente, todos os cidadãos, também as autoridades dos Três Poderes e os membros do Ministério Público, sob o império da lei.

No entanto, o momento escolhido para a aprovação e os seus bastidores levantam fundadas suspeitas de blindagem do banditismo e de renovada tentativa, talvez a mais contundente, de ataque corporativo à Lava Jato.

O texto referendado pela Câmara não é a lei que a sociedade brasileira esperava. Parlamentares aproveitaram o momento de fragilidade da Lava Jato, acossada por forte tiroteio desfechado por suposta fonte anônima e por uma astuta operação de desconstrução da imagem dos protagonistas da força-tarefa, para obter um passaporte para a impunidade.

Como informou o jornal “Gazeta do Povo”, com matéria oportuna e sugestiva, o texto votado, apesar de vir com o nome de senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), era obra dos também senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Roberto Requião (MDB-PR, que não se reelegeu em 2018). Havia dois projetos na casa: O 280/16, de Calheiros, ele mesmo, altamente revanchista e arbitrário; e o 85/17, de Rodrigues, sensato e equilibrado. Eles passaram a tramitar juntos, e o relator Requião, figura bem conhecida, ficou basicamente com o texto de Calheiros, jogando fora o trabalho do senador da Rede.

As versões iniciais eram tão absurdas que instituíam até mesmo o “crime de hermenêutica”, dando margem a processos contra juízes que tivessem suas decisões revertidas em instâncias superiores. Requião resistiu, mas acabou polindo as versões seguintes. O projeto aprovado pelo Senado e remetido à Câmara não incluíram o “crime de hermenêutica”, mas manteve uma série de expressões deliberadamente vagas.

A estratégia adotada tanto no Senado quanto na Câmara, onde o relator foi o deputado Ricardo Barros (PP-PR), foi misturar condutas que realmente configuram abuso de autoridade com outras definições que dão margem à interpretação.

O que é, por exemplo, uma condução coercitiva “manifestamente descabida”? Como saber se uma investigação está sendo “injustificadamente” estendida? Mesmo uma situação real e condenável, que ocorre quando um magistrado pede vista de um processo e demora a devolvê-lo, se torna crime de abuso de autoridade quando o juiz se demorar “demasiada e injustificadamente”, sem que o projeto defina exatamente o que isso signifique.

A pretensão da lei é correta, mas foi feita sem transparência, carregada de ambiguidades e na hora errada. O que o país menos deseja é que, em nome de uma boa causa (o combate ao abuso de autoridade), acabe tudo desembocando no pântano da impunidade.

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