É professor do mestrado em Segurança Pública da UVV. Faz análises sobre a violência urbana e a criminalidade, explicando as causas e apontando caminhos para uma sociedade mais pacífica. Escreve aos domingos

Facções e quadrilhas funcionam de forma parecida, mas não são a mesma coisa

Estratégias para combatê-las nem de longe estão claramente estabelecidas: há muito o que evoluir nesse aspecto

Publicado em 20/07/2025 às 03h00

Fica sempre a impressão de que já falamos demais sobre facções criminosas aqui nesta coluna, mas parece que o assunto não se esgota nunca. Também parece que população nem mesmo as autoridades públicas percebem como o tráfico e o crime organizado não são a mesma coisa e o quanto funcionam diferente e, portanto, exigem estratégias de enfrentamento distintas de outras modalidades delitivas e de simples quadrilhas. Estratégias essas que nem de longe estão claramente estabelecidas: há muito o que evoluir nesse aspecto.

Claro que toda infração à lei é abordada pelo Direito Penal mais ou menos da mesma maneira. Hoje em dia, nos limitamos a responder com prisão e, eventualmente, penas alternativas. Ocorre que violência, crime, coletividades etc. são também fenômenos sociais, políticos, psicológicos etc. Em outras palavras, muitos outros ramos do conhecimento tentam compreendê-los, usando pontos de vista e referenciais científicos diferentes.

E, no caso específico tanto do tráfico quanto do crime organizado, podem oferecer aportes estratégicos muito melhores do que as ferramentas jurídicas tradicionais, que já se provaram inteiramente ineficazes e vamos entender por que, mas não hoje, porque isso vai exigir várias colunas dividindo o tema em “capítulos”.

Vamos começar por uma simples constatação: o estabelecimento firme de facções criminosas costuma reduzir o número de homicídios, sem que isso implique maior segurança para a população. E, quando desata uma guerra entre traficantes rivais, é o inverso: os assassinatos crescem, mas o impacto sobre a população é muito mais psicológico (medo, perda da qualidade de vida) do que estatístico.

De um lado, a histórica indiferença das autoridades públicas e da população à morte de bandidos, rompida no ES, mas não em todo o país, ensina aos traficantes e, por tabela, a todo mundo, que matar é uma maneira eficiente e barata de resolver conflitos, de “concorrer” pelo mercado etc.

Por isso os assassinatos são um fenômeno praticamente restrito às Américas, com alguns pontos críticos na África do Sul. Na Europa, na Oceania e, principalmente, na Ásia, homicídios são extremamente raros. Isso é explicado por dois fatores: a proibição de armamento da população civil e a cultura amadurecida das organizações criminosas locais.

Carro suspeito de ser usado em ataque em Ulisses Guimarães, em Vila Velha, nesta terça-feira (15), foi encontrado com marcas de tiros e cápsulas.
Carro suspeito de ser usado em ataque de traficantes em Ulisses Guimarães, em Vila Velha, na terça-feira (15), foi encontrado com marcas de tiros e cápsulas. . Crédito: Divulgação | Guarda Municipal

Mesmo que os assassinatos não sejam juridicamente punidos, eles levam a círculos de vingança e instabilidade extremamente prejudiciais aos “negócios”. Por isso, um dos principais critérios para identificar que estamos lidando com uma organização criminosa e não com uma quadrilha é a existência de métodos não violentos ou limitadamente violentos para a solução de disputas.

O que Sesp avalia estar acontecendo em certas regiões de Vila Velha, em que rivalidades comerciais entre traficantes estariam provocando um morticínio, nos faz questionar se de fato estamos lidando com facções propriamente ditas, ou apenas com grandes quadrilhas do tráfico, que gostam de se denominar “comandos” e funcionam parecido, mas, repita-se. Não é a mesma coisa.

Já ultrapassei o espaço editorial. Continua na semana que vem.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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